Crise e Desenvolvimento

Estado existe para servir ao povo, não ao mercado

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17 de agosto de 2012, 7h00

Ao contrário do que se imaginou, a grande crise do capitalismo iniciada em 2007/2008 continua pautando a econômica, as finanças públicas e privadas, com reflexões na esfera social e política do mundo todo.

A questão é: o que fazer? Antes de compartilhar minhas reflexões, vamos recuperar um pouco os fatos. A falência do banco de investimentos Lehman Brothers é o símbolo do fracasso desse sistema econômico e a partir dele teve inicio uma quebradeira geral, cujo ápice foi em 2009. Faliram grandes bancos, seguradoras e, também, grandes empresas do setor produtivo por conta das operações especulativas da moda, os derivativos. Tudo decorrente da regra-mor do neoliberalismo: a tal desregulamentação e liberalização dos mercados.

De lá para cá os governos dos Estados do centro capitalista optaram por injetar trilhões de dólares de dinheiro público para socorrer e salvar grandes monopólios e o sistema financeiro privado. Isso é ético? Creio que não, mas falemos desse viés depois…

A crise está ai, não foi embora e cito que em 29 de junho de 2010 um grande jornal trouxe um interessante artigo assinado pelo economista Paul Krugman[1], publicado originalmente no The New York Times trantando do assunto e lá pelas tantas o Prêmio Nobel de Economia afirma: “Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. E o custo para a economia mundial será imenso”.

No artigo Krugman afirma ainda que as recessões são comuns, mas as depressões são raras. Teria havido apenas duas situações qualificáveis como depressões[2]. Ele afirma ainda que esta depressão “… vai assemelhar-se mais à Longa Depressão do que à Grande Depressão mais severa”, e segue afirmando que o custo para a economia mundial, sobretudo, para milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego será imenso, referindo-se aos EUA evidentemente.

Passado pouco mais de um ano, o presidente Barack Obama, na linha do que Paul Krugman previu, afirmou que os americanos ricos, muitos dos quais pagam relativamente pouco impostos, devem arcar com parte do custo da redução do déficit orçamentário a longo prazo. Os deputados republicanos ficaram histéricos, tendo um deles respondido aos gritos “guerra de classes”. Eles são patéticos, pois eles, ao pretenderem isentar os muito ricos de arcarem com qualquer fardo de tornar as finanças dos EUA sustentáveis, é que estão travando uma guerra de classes. Essa é a opinião do Krugman noutro artigo publicado no mesmo jornal em 25 de setembro de 2011 e disponível na internet.

O Brasil não vai incorrer no erro que os EUA cometeram no que diz respeito à geração e distribuição de renda. Lá nos EUA, entre 1979 e 2005, a renda corrigida pela inflação das famílias de renda média subiu 21%. É um crescimento pequeno, especialmente em comparação aos 100% de aumento da renda média ao longo de uma geração após a Segunda Guerra Mundial.

Mas o trágico não é isso. No mesmo período, a renda dos muito ricos, ou seja, 0,01% da população dos EUA subiu 480%, isso mesmo 480%! Não sei se na história recente do capitalismo há exemplo de tamanha injustiça.

E vem Partido Republicano dizer que seriam os ricos vítimas em potencial de uma guerra de classes estimulada por Obama… Patético!

Mas voltando ao artigo de 2010, vejo como correta a critica que Krugman faz à lógica do “apertar o cinto, quando o problema são os gastos inadequados” e afirma ao final do artigo que esse estado de coisas representa a “… vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que nos tempos difíceis, é preciso impor sofrimento a outras pessoas para mostrar liderança. E quem pagará o preço pelo triunfo dessas teses? A resposta: dezenas de milhões de desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.”.

Na linha do que Paul Krugman afirma é fundamental ao governo federal avançar o Projeto Nacional de Desenvolvimento, ou seja, investir, produzir riqueza e distribuir renda.

Investir em infra-estrutura, na modernização da indústria nacional, investir em tecnologia, investir na formação educacional com vistas ao exercício pleno da cidadania e não apenas com vistas à lógica do mercado.

Para isso é necessário fortalecer a autoridade política da presidente Dilma Rousseff no enfrentamento das conseqüências da crise mundial sobre o país e para que seu governo venha a liderar a formação de um novo pacto político e social que proporcione ao país avanços estruturais e históricos, como a mudança da política macroeconômica mantendo e aprofundando o viés social.

Como se fortalece a autoridade política da presidente? Ora, unindo a base política do governo, pois como escreveu o líder do PCdoB na Câmara, o deputado federal Osmar Junior: “A História tem nos ensinado que todos os movimentos vitoriosos resultaram sempre de uma coalizão de forças políticas.”, sempre com mobilização, com participação e a luta da sociedade para a realização as reformas democráticas estruturais. Entre elas, uma reforma política que amplie a democracia, fortaleça o pluralismo e os partidos e combata a corrupção com o fim do financiamento privado das campanhas e adoção do financiamento público exclusivo.

O artigo de Krugman é de junho de 2010. Bem, eu estive na Espanha em maio de 2011 mais de um ano depois. Ainda há protestos dos jovens espanhóis. Conversei com eles na Praça de Catalunya. O sentimento daqueles jovens é de perdimento, essa é a realidade que o capitalismo financeiro lega a toda uma geração na Espanha e noutros países.

E àqueles que insistem em ouvir as bobagens dos especialistas citados, uma dica: assistam o documentário Capitalism: A Love Story, do diretor Michel Moore. O documentário, que se propõe a discutir as razões do colapso do sistema financeiro capitalista mundial, a partir dos EUA, responde a muitas perguntas, de forma pertinente.

Penso que todos aqueles que defendem como desnecessária a regulação da economia pelo Estado deveriam assistir pelo menos umas dez vezes.

O documentário trata da política fiscal da administração Reagan (1981/89) e seus efeitos de médio e longo prazo e deixa claro que não apenas o sistema financeiro ganha, e muito, com a falta de regulação do Estado, mas a população perde muito. A falta de regulação do Estado foi, segundo Michel Moore, o que possibilitou que as operações do sistema financeiro se tornassem muito complexas (derivativos, subprime, etc.) e foi ela que deu carta branca para as grandes corporações, especialmente os bancos, lucrarem à custa do interesse público e da boa-fé o povo americano, para depois serem salvas pelo dinheiro público.

O documentário revela que todos aqueles que defendem o “Estado mínimo” e “marcos regulatórios simples e flexíveis” estão na realidade defendendo interesses que colidem com qualquer projeto sério de desenvolvimento econômico e humano com características de sustentabilidade.

“O coração de qualquer governo está em seu orçamento”

Há ainda um belíssimo artigo do Professor Jeffrey Sachs chamado “Ingovernável orçamento americano” que deveria ser lido, debatido e divulgado. Por quê? Porque é um artigo honesto, uma opinião honesta, sobre um tema que os “especialistas” citados têm escrito e falado sem a mesma honestidade, qual seja: o orçamento público.

Jeffrey Sachs, que é professor de Economia e diretor do Instituto Terra na Universidade Colúmbia e também é conselheiro especial do secretário-geral da ONU para as Metas do Milênio, afirma que “o coração de qualquer governo está em seu orçamento” e que sem um orçamento adequado não há política pública nem Estado. E que seria por falta de um orçamento adequado que nos EUA há muitos discursos e pouca política pública.

O presidente Barack Obama vive, segundo Sachs, dilema próprio daquele pais, pois seus adversários do Partido Republicano (a turma o Bush) querem menos impostos e todos sabem que, sem mais impostos, não será possível manter uma economia americana moderna e competitiva. Num discurso sobre Estado da União, Obama acertadamente enfatizou que a competitividade no mundo atual depende de uma força de trabalho instruída e infra-estrutura moderna, daí a necessidade de um orçamento justo e capaz de manter o Estado no protagonismo das políticas públicas transformadoras[3].

Quem pensa diferente reproduz ou representa a visão de mundo da velha UDN e do Partido Republicano americano e por isso não tem constrangimento. Mas tenho certeza que eles sabem que para que qualquer pais manter e elevar o padrão de vida de seus cidadãos não basta apenas as forças do mercado, não basta apenas a sua competitividade em capacitação avançada, tecnologias de ponta e infra-estrutura moderna. É necessário um Estado que tenha capacidade de fazer o que o artigo 173 e 174 da nossa Constituição brasileira orienta e determina, e que é necessário um povo.

O Estado não existe para servir às regras do mercado, mas ao seu povo. Essa é a lógica válida.

É por isso que Obama defende aumento do investimento público americano em três áreas: educação, ciência e tecnologia e infra-estrutura (inclusive internet de banda larga, transporte ferroviário rápido, e energia limpa), e não ouvi nem li criticas dos milicianos da neo-UDN brasileira.

Pensar moderno é acreditar e praticar que o crescimento no futuro dar-se-á com investimentos públicos e privados, de forma complementar, pilares apoiando-se mutuamente.

Há muito que se falar e escrever, mas não há espaço. Mas não se pode esquecer que as conseqüências econômicas e sociais de uma geração de cortes de impostos são claras. Os EUA estão perdendo sua competitividade internacional, negligenciando seus pobres, como estupidamente sugeriu um ex-presidente do nosso país em um de seus últimos artigos, tanto que uma em cada cinco crianças americanas está aprisionada na pobreza, legando uma montanha de endividamento para seus jovens e para as futuras gerações.

[1] Paul Robin Krugman (Nova Iorque, 28 de fevereiro de 1953) é um economista norte-americano. Autor de diversos livros, também é desde 2000 colunista do The New York Times. Atualmente é professor de Economia e Assuntos Internacionais na Universidade Princeton. Em 2008, recebeu o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel por um trabalho anterior à atuação como colunista do The New York Times, que tratava da dinâmica da escala – quantidade de produção – na troca de bens entre os países. Foi um crítico da Nova Economia, termo cunhado no final da década de 1990 para descrever a passagem de uma economia de base principalmente industrial para uma economia baseada no conhecimento e nos serviços, resultante do progresso tecnológico e da globalização econômica. Krugman também foi um notório crítico da administração George W. Bush e sua política interna e externa – críticas que ele apresenta em sua coluna do The New York Times. É geralmente considerado um keynesiano. Ao contrário de muitos "gurus" da economia, Krugman também é considerado por seus pares como um importante colaborador em estudos. Krugman escreveu mais de 200 artigos e vinte livros — alguns deles acadêmicos e alguns escritos para o público leigo. Seu livro International Economics: Theory and Policy é um livro-texto básico para o estudo da economia internacional. Em 1991 recebeu a medalha John Bates Clark, concedida pela American Economic Association.. Conforme: http://www.nytimes.com/ref/opinion/KRUGMAN-BIO.html

[2] “Pelo que sei, houve apenas duas eras qualificadas como “depressões”, na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31”, conf. Paul Krugman in “A terceira depressão”, O Estado de São Paulo, 29/06/2010.

O Pânico de 1873 foi uma grave depressão econômica de âmbito nacional que afetou os Estados Unidos da América até 1877. Foi desencadeada pela falência de uma financeira de Filadélfia, a Jay Cooke and Company, em 18 de Setembro de 1873, em conjunto com a dissolução em 9 de Maio do mesmo ano, da Bolsa de Valores de Viena na Áustria. Foi uma de uma série de crises econômicas no século XIX e início do século XX.

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