Desequilíbrio econômico compromete segurança jurídica
23 de setembro de 2011, 8h44

O evento, intermediado pelo jornalista William Waack, buscou ampliar o debate sobre a segurança jurídica nas relações entre o Estado e o setor privado, especialmente com relação aos contratos administrativos e o seu papel como indutor dos avanços econômicos e sociais. Um consenso entre os debatedores foi de que o principal problema a ser enfrentado quando se trata do setor privado com a administração pública é a busca de uma estabilidade das relações jurídicas.
Para o constitucionalista Canotilho, a segurança jurídica e proteção da confiança andam estreitamente associadas, "a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica tem relação com elementos objetivos da ordem jurídica — garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito — enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, como a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos".
Segundo Delfim Netto, o Estado sempre tem a intenção de honrar os seus contratos, mas que isto pode ser deixado de lado diante de outros interesses, como o interesse social. Para ele, o maior problema está em identificar quando o Estado realmente suspende um contrato por justas razões e quando isto se dá por interesses daqueles que estão no poder.
Com relação a este quesito, Delfim Netto enalteceu o trabalho do Supremo Tribunal Federal que "atua com autonomia, e faz Justiça sem medo da voz do povo", disse ele, ao se referir à competência que o Judiciário tem para processar a legalidade dos atos da administração pública, a constitucionalidade de tributos, entre outros temas.
Já o português Canotilho disse que, apesar de concordar com Delfim Netto, vê com preocupação o ativismo judicial. Segundo ele, um dos pontos mais importantes da Constituição brasileira de 1988 é a divisão dos poderes, e que este ativismo acaba fazendo com que o Supremo, por vezes, faça o papel do Poder Legislativo. "A sua atuação consiste na interpretação da lei. Sendo assim, após a interpretação da norma, o Judiciário diz o que é ou não legal, o que não deixa de ser uma conduta legislativa. Por isso, não vejo o ativismo do Judiciário com tão bons olhos."
Ao endossar as palavras de Delfim Netto, com relação ao peso que a máquina estatal tem no bolso dos brasileiros, o tributarista Ives Gandra Martins disse que o Estado não entende bem o seu papel. "Ele sacrifica a classe média com impostos ao invés de exercer seu papel de fomentar a economia privada", afirmou.
Delfim Netto disse ainda que, não existe um mercado forte sem um Estado forte por trás. A afirmação foi ratificada por Gandra, ao dizer que a administração pública precisa cumprir com a sua função social e indutora da economia.
Para contextualizar as alegações de Delfim Netto e Ives Gandra, o diretor de Relações Internacionais do jornal El Clarín, Jorge Rendo, disse que a Argentina viveu recentemente uma ruptura institucional em virtude do cenário econômico. Ele relatou que durante a crise de 2002, em que a Argentina, além de fazer um boicote internacional das dívidas, sequestrou o dinheiro da população, uma das principais preocupações do presidente Néstor Kirchner era enfraquecer o Judiciário, pois, este poderia revogar os seus atos. O jornalista ressaltou a importância da divisão dos poderes e a busca pelo fortalecimento das instituições em momentos de crise econômica.
Para Delfim Netto, um dos grandes problemas desta discussão é que a Constituição acabou por criar um Estado que não cabe dentro do PIB brasileiro. "Temos a única Constituição no mundo que garante saúde e educação gratuita a todos, talvez seja por isso que ela não funciona", brincou o economista.
A premiação
Antes do debate houve a congratulação dos 22 vencedores do Prêmio Mendes Junior de Monografias Jurídicas, promovido pela Mendes Júnior Participações S.A. e pela Fundação GV. Os trabalhos tratavam do tema "Desenvolvimento e Estado de Direito no Brasil: cumprimento de contratos versus Razão de Estado".
Um dos componentes da banca examinadora, o professor constitucionalista Luís Roberto Barroso, disse que ficou muito satisfeito com a qualidade dos resultados apresentados. Afirmou que pode perceber que os jovens brasileiros já não tem mais os mesmos preconceitos e ideologias das gerações passadas.
Durante a análise das monografias, Barroso observou disfunções historicamente relevantes que o Brasil ainda tenta sanar. Uma delas é a dificuldade de se separar o que é público do privado. Barroso ressalta que talvez o Brasil seja ao único país em que a Constituição precise dizer que o administrador público não pode fazer propaganda pessoal com dinheiro público. Outra disfunção é o oficialismo, a ideia de que tudo tem que passar pelo Estado. E por fim, o autoritarismo que é bem arraigado na cultura brasileira e advém da cultura dos nossos colonizadores portugueses, haja vista que, Portugal foi o último país a acabar com a escravidão, com o absolutismo e com a aquisição. "Nós temos uma formação autoritária, mas estamos avançando", disse Barroso.
A Constituição de 1988, por exemplo, apresentou mudanças importantes para uma sequencia de quebras de legalidade que vinham acontecendo no país. "Se recortamos apenas de 1930 para cá, tivemos a revolução de 1930, a revolução constitucionalista de 1932, a intentona comunista de 1935 o golpe de estado de 1937, o fechamento do Congresso pelo governo Geisel, entre outros. Recentemente, o ex-presidente Lula, quando do término do seu segundo mandato, nem cogitou tentar o terceiro, o que seria mais uma vez uma quebra da legalidade, isso demonstra os avanços com a Constituição de 1988", finalizou Barroso.
Sobre o tema abordado pela premiação, Barroso afirmou que a segurança encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas: abarca em seu conteúdo conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas.
Os Premiados
O primeiro lugar foi concedido a Ivan Ozawa Ozai, recém-formado pelo Mackenzie, que produziu o trabalho “Dever de Indenizar nos contratos administrativos inválidos por ausência de licitação – boa-fé objetiva, consequencialismo e segurança jurídica”. Ozai ganhou o prêmio máximo de R$ 150 mil concedido à melhor monografia.
O segundo prêmio, no valor de R$ 100 mil, foi para os alunos Leonardo Coelho Ribeiro e Rafael Verás de Freitas, do Ibmec, que escreveram o paper “Manutenção do ambiente negocial entre o público e o privado e o desenvolvimento nacional – o impacto das modulações regulatórias nos contratos da administração e o dever de coerência administrativa”.
Em terceiro lugar, Naiana Bezerra de Brito, da Universidade Federal de Pernambuco, ganhou R$ 60 mil com o trabalho “Interesse público nos contratos administrativos e suas implicações no desenvolvimento do país”.
Conquistou o quarto lugar Vinícius Mancini Guedes, da Faculdade de Direito da USP, com o trabalho “Interesse público e desenvolvimento – as alterações e rescisões contratuais unilaterais motivadas por interesse público na jurisprudência do STJ”. O prêmio para esta colocação foi de R$ 40 mil.
Em quinto lugar, Valério Salgado de Abreu e Vinícius Augusto Nunes Pecora, da Faculdade de Direito da USP, ganharam R$ 30 mil com o paper “Desenvolvimento e Estado de Direito no Brasil – Cumprimento de contratos versus Razão de Estado”.
Também receberam menções honrosas os trabalhos “Elaboração e cumprimento de contratos de Parcerias Público Privadas – comportamento oportunista e falha na execução dos contratos”, de Daniel Eustáquio Pimenta e Paiva, da Universidade Federal de Minas Gerais; “O contrato de Parcerias Público Privadas e a construção do desenvolvimento nacional”, por Eric Barocho Dore Fernandes e Siddaharta Legale Ferreira, da Universidade Federal Fluminense; “A regulação econômica e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima”, por Victor Millcox de Souza Rancaño Rosa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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