Mercadorias e impostos

Servidores são acusados de contrabando no Galeão

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2 de setembro de 2011, 11h50

Apesar de ter desconfiado de que fora filmada, em 23 de fevereiro, ao receber propina de um dos membros de uma quadrilha responsável por descaminho de equipamentos eletrônicos, a auditora fiscal da Receita Federal

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Tânia Mara Seidl continuou a praticar o crime a ponto de voltar a ser fotografada pela Polícia Federal, dois meses depois — 16 de abril — ao liberar mercadoria sem o devido recolhimento de impostos no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro.

Como mostra a denúncia formulada pelo procurador da República Orlando Cunha, na 7ª Vara Federal Criminal do Rio contra 17 envolvidos no esquema de ingressar no país com mercadoria importada sem recolhimento de impostos, a auditora e sua colega, uma agente administrativa da Receita, Rosângela de Castro Couto, foram flagradas diversas vezes ao facilitarem o descaminho. Segundo o procurador, elas cobravam até 900 dólares por mala com material importado ilegalmente, normalmente componentes eletrônicos.

A denúncia é apenas a primeira de uma série que a Procuradoria da República deverá apresentar ao Judiciário contra participantes de diversos esquemas de descaminho e contrabando que ocorrem naquele aeroporto. Nela, estão apenas as duas servidoras da Receita e um ex-técnico do mesmo órgão. Ao todo, porém, cerca de 12 funcionários deverão responder pelo crime de facilitação do descaminho e corrupção passiva.

O esquema desbaratado na quinta-feira pela Operação Free Way (Voo Livre) em uma ação conjunta da Polícia Federal, Receita Federal do Brasil e Procuradoria da República do Rio era bastante antigo. Começou a ser descoberto em outubro de 2009 quando, segundo consta, uma denúncia anônima levou o Papiloscopista da Polícia Federal Adir Cardoso Meireles a prender Bento Ribeiro da Silva. Ele desembarcou do vôo 061 da Delta e foi pego, apesar de ter deixado “várias bagagens de mão abandonadas no interior da aeronave”, nas quais encontrou-se “produtos de informática estimados em cerca de um milhão de reais”, como relata a denúncia.

À investigação inicial, conforme admitiu o procurador Cunha à revista ConJur, juntaram-se ainda informações passadas pelo delegado Leonardo de Souza Gomes Tavares, ao denunciar em Inquérito Civil Público instaurado na Procuradoria da República que o ex-superintendente do DPF, Ângelo Fernandes Gioia, reduzira o número de policiais no aeroporto, fazendo cair as apreensões de contrabando e descaminho.

Coincidência ou não, o trabalho da Polícia só resultou em novos flagrantes em 2011, após a saída do superintendente. Foram presos no aeroporto Fernando Duarte Santiago Rodrigues (fevereiro), o técnico da Receita Federal Gilvan Murilo Brandão, posteriormente demitido do serviço público, e o pernambucano Nelson Marques Pereira (ambos em abril), todos já colocados em liberdade provisória.

Destes, o personagem mais curioso é Rodrigues que, embora se apresente como motorista de caminhão, tem um histórico com cerca de cem registros de entrada e saída de aeroportos internacionais num período inferior a dois anos. Ele conseguiu escapar da prisão em flagrante em 8 de fevereiro de 2010 ao descer do mesmo vôo Delta 061 na posse de duas malas repletas de produtos de informática estimados em trinta mil dólares.

Como mostraram as investigações, o grupo procurava desembarcar no Rio de Janeiro nos dias de plantão da equipe das duas servidoras da Receita. “Das 20 entradas no país do passageiro Fernando Duarte, em 2009, 16 delas coincidiram com a atuação do Grupo de Vistoria de Bagagem IV (GBAG IV) do qual fazem parte as denunciadas Tânia e Rosângela.

Durante o desembarque de Rodrigues em 22 de fevereiro agentes da Polícia Federal o acompanharam pelos monitores instalados no aeroporto passando pela servidora Rosângela da Receita com duas malas pequenas e duas malas grandes, sem ser importunado. Momentos depois, a Polícia prendeu-o com todo o material já embarcado no carro de Jezer Muniz do Carmo, um dos 17 denunciados.

Do esquema, segundo o Ministério Público, também participou a mulher de Fernando, Elizete Cardoso de Oliveira Rodrigues — outra a apresentar histórico considerável de viagens — e Valdir Fagundes de Jesus. Ele, como funcionário da empresa Seaviation Serviços Aeroportuários, terceirizada da Receita Federal, contribuía “com os objetivos da quadrilha através do livre acesso à área restrita do desembarque internacional, articulando a chegada e passagem dos “clientes” pela alfândega”, como descreve a denúncia.

Nesta mesma data, os agentes federais fotografaram o encontro entre Tânia e Dário Machado Cordeiro, funcionários da empresa Angel’s Serviços Técnicos Ltda., também contratada pela Receita. Os dois reuniram-se em um bar na orla da Ilha do Governador — bairro no qual fica o aeroporto. Fotos da Polícia os flagraram quando ele repassou à servidora um envelope branco. A constatação de que no envelope havia dinheiro surgiu na escuta telefônica. Dário, em conversa com Ésio Luiz Pereira, transportador de bagagem do aeroporto, contou que a auditora fiscal percebeu estar sendo filmada, como mostra o diálogo transcrito na denúncia.

Um novo flagrante da auditora ocorreu no dia 16 de abril quando o “passageiro-cliente”, Marco Aurélio, desembarcou trazendo em sua bagagem equipamentos avaliados em um milhão de reais. As fotos do material apreendido também foram anexadas à denúncia. Novamente as câmaras do aeroporto filmaram-na deixando o “passageiro” passar sem vistoriar suas malas que acabaram apreendidas com o técnico da Receita Gilvan no estacionamento.

Nesta data, foi Valdir quem alertou Ésio de que as câmaras estavam focadas contra a auditora, como diz a denúncia ao transcrever trecho da conversa telefônica dos dois.

A prisão de Nelson Marques Pereira ocorreu no mesmo dia, com mercadorias trazidas do exterior para o policial federal aposentado Carlos Henrique Souza Reis. Pereira foi pego depois que a escuta telefônica flagrou Reis repassando ao transportador de bagagem Ésio a descrição do “passageiro-cliente”. Em seguida, Ésio liga para Dário pedindo que avise Tânia sobre o “passageiro de um policial federal”.

A partir da escuta, agentes federais seguiram, através das câmaras de monitoramento do aeroporto, os passos de Pereira, confirmando o encontro dele com a auditora fiscal da Receita que liberou todo o material, apreendido momentos depois junto com o “passageiro” quando ele saía do aeroporto em um taxi.

A escuta telefônica ainda flagrou a discussão em torno do pagamento às auditoras, com Ésio cobrando de Marco Aurélio o valor certo da propina, que naquele dia foi de 900 dólares por mala.

O procurador denunciou os 17 envolvidos pelos crimes de quadrilha, corrupção — ativa e passiva —, contrabando e descaminho e facilitação de contrabando e descaminho. Pediu ainda o afastamento cautelar das duas servidoras e a apreensão dos passaportes de todos os envolvidos que estão proibidos de deixar o país. O procurador Cunha foi contrário ao pedido de prisão preventiva feito pela Polícia Federal mas, a seu pedido, o juiz decretou o pagamento de fiança para que os envolvidos fiquem em liberdade: R$ 20 mil para os membros de quadrilha e R$ 50 mil para cada uma das servidoras.

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