Terceirização necessita de um marco regulatório
4 de outubro de 2011, 15h51
A terceirização de serviços ou de produção é um tema que provoca paixões e opiniões diametralmente opostas. Na manhã desta terça-feira (4/10), no início da primeira audiência pública promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho em sua história, o tema foi discutido. Com opiniões bastante polarizadas, a maior parte dos expositores concorda em apenas um ponto: a terceirização precisa de um marco regulatório mínimo mais claro e moderno do que as esparsas leis que tratam da matéria nos dias de hoje.
No mais, os especialistas dividiram-se em duas correntes. Uma delas considera que a terceirização é uma forma de gestão moderna, que gera empregos formais e, consequentemente, promove o desenvolvimento econômico do país. Os estudiosos também entendem que melhora a prestação de serviços e a qualidade dos produtos, em benefício do consumidor, já que as empresas podem se concentrar seu foco no coração do negócio e delegar as atividades acessórias para outros especialistas. De quebra, ainda ajudaria no avanço da tecnologia, já que as empresas ficam cada vez mais especializadas em seus setores, seja de serviços ou de produtos.
A corrente contrária à terceirização a classifica como uma “forma espúria” de competitividade, aumento da produtividade e desenvolvimento, que se dá com o custo da redução dos direitos trabalhistas. Para estes, não há relação entre maior competitividade e terceirização. A contratação de empresas terceirizadas seria apenas uma forma danosa de redução dos custos da produção com a precarização dos direitos dos trabalhadores.
Para o presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, a terceirização é um fenômeno irreversível. Em seu discurso de abertura da audiência publica, o ministro ressaltou que a audiência pública é necessária para que se faça uma “releitura do fenômeno, sem áreas de escape, sem chicanas ou curvas de saída”. Dalazen citou as leis que, hoje, regulam a terceirização no país. Todas elas restritas a determinados segmentos da economia, como a que rege o trabalho temporário e permite a terceirização dos serviços de vigilância bancária.
Na falta de lei, o TST criou a Súmula 331, que distingue a terceirização lícita da ilícita. Entre outras coisas, a súmula define que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial”.
João Oreste Dalazen justificou o tema da primeira audiência pública com o argumento do impacto econômico e social que a terceirização traz para a sociedade e informou que o TST tem em seu acervo mais de cinco mil processos que discutem os limites da legalidade da contratação de empresas terceirizadas. O ministro anotou que “a década de 90 reservava-nos a chamada desfordização das fábricas e a paralela consagração do modelo de gestão toyotista em praticamente todos os setores da economia”.
Fenômeno irreversível
Primeiro a falar depois da abertura, o professor da faculdade de Economia da Universidade de São Paulo José Pastore deu o exemplo sobre o que o presidente do TST chamou de “modelo de gestão toyotista”. De acordo com o professor, as empresas funcionam atualmente como redes de produção.
No caso da multinacional japonesa Toyota, que fabrica veículos, Pastore afirmou que, no Japão, a empresa tem 500 fornecedores fixos. Estes fornecedores, por sua vez, subcontratam outras três mil empresas, que tomam serviços ou adquirem produtos de outros 20 mil pequenos empreendimentos. Para Pastore, “é impossível criar um lei geral de terceirização, já que ela abrange centenas de realidades diferentes”, dos mais diversos setores da economia. O professor, contudo, não negou que é necessário criar um marco regulatório para tratar a questão.
José Pastore sugeriu a criação de um conselho nacional para regular a terceirização. Tal conselho teria representantes de trabalhadores e empresários dos diversos setores da economia e seria dividido em câmaras setoriais, que cuidariam de renovar permanentemente as normas que regem a terceirização de acordo com ele, uma lei geral já nasceria defasada “porque a cada minuto as tecnologias e as formas de produção mudam”.
O representante da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Gesner Oliveira, também afirmou que a terceirização é uma realidade sem volta. Disse que é um fenômeno mundial, não brasileiro, mostrou números do crescimento do modelo de contratação em países da Europa e nos Estados Unidos, e defendeu que se trata de um fator de competitividade comercial e uma fonte de oportunidade de novos e de melhores trabalhos.
Oliveira afirmou que grandes empresas contratam micro e pequenas empresas quando terceirizam serviços. E que esses pequenos negócios respondem hoje, no Brasil, por quase 80% dos novos empregos criados. “Ser contra a terceirização é ser contra algo positivo, é ser contra melhores serviços, geração de empregos formais”, disse. De acordo com o representante da Abradee, terceirização e direitos dos trabalhadores são discussões distintas. “Vamos estimular a terceirização junto com a proteção dos direitos dos trabalhadores. Não podemos confundir uma tendência da economia mundial com a garantia dos direitos trabalhistas”.
Lívio Giosa, presidente do Centro Nacional de Modernização Empresarial (Cenam), também defendeu o fenômeno ao afirmar que a terceirização é “fundamental para a produtividade e melhora a qualidade das atividades empresariais e processos produtivos, já que permite às empresas focar suas atividades para a produção do principal”. Giosa classificou a terceirização como uma expressiva ferramenta de gestão e disse ainda que a discussão sobre atividade-meio e atividade-fim é ultrapassada.
“Não há regras uniformes capazes de reger o sistema. Há empresas do mesmo ramo de atividade com culturas, missões e produtos diferentes”, contou. O presidente do Cenam deu como exemplo a multinacional de produtos esportivos Nike que, segundo ele, “deixa sob seu controle o posicionamento da marca e delega para terceiros todas as demais atividades”.
Trabalho precário
A terceirização também foi duramente atacada por acadêmicos e outros especialistas em economia e trabalho na audiência pública. Para o professor de sociologia da Unicamp, Ricardo Antunes, a terceirização não é inevitável. “A terceirização é a porta de entrada para a precarização e a informalidade. Não são fenômenos idênticos, mas são muito semelhantes. Sua ampliação será o caminho da precarização do trabalho”, afirmou.
O professor propôs o fim da admissão da terceirização. “Ao invés de ampliá-la ou regulá-la, por que não podemos pensar em desconstruí-la?”, questionou. Antunes disse que empresários sempre levantam a discussão da flexibilização das regras e dos direitos trabalhistas, em prejuízo dos trabalhadores, mas não admitem discutir a reorganização de suas formas de produção, nem consideram a possibilidade de abrir mão de suas prerrogativas: “Por que as empresas não se propõem a discutir se flexibilizam a sua propriedade?”
A professora Maria da Graça Druck de Faria, da Universidade Federal da Bahia, afirmou que a terceirização se tornou uma “epidemia, um problema de caráter social”, não apenas econômico. De acordo com números da professora, a Petrobras, por exemplo, tem hoje 295.260 trabalhadores terceirizados contra 76.919 empregados contratados de acordo com a CLT.
“Há um crescimento exponencial da terceirização em setores de atividades públicas e privadas no país. E se observa uma inversão do número de empregados contratados pelas empresas em relação ao número de terceirizados. Os trabalhadores terceirizados estão superando, em número, os contratados”, disse Maria da Graça.
De acordo com a professora, o argumento da especialização de serviços não resiste às pesquisas: “Trata-se, na verdade, de política de precarização, com a transferência de risco para os trabalhadores por parte da tomadora. Em nome da redução de custos, a empresa transfere para a terceira a responsabilidade de intermediar o contrato e a proteção do trabalhador. Transfere a responsabilidade legal, mas não efetivamente de gestão”.
Ainda segundo número da professora, no setor de petróleo, mais de 95% das vítimas de acidentes de trabalho são trabalhadores terceirizados. No setor elétrico, o número é de 75%. É necessário um marco legal, na opinião de Maria da Graça, para “botar sob controle essa epidemia de desrespeito aos direito trabalhistas”. Uma regulação, segundo ela, que garanta a isonomia entre trabalhadores que exerçam a mesma atividade e todos os respectivos direitos trabalhistas.
O professor Alselmo Luís dos Santos, do Instituto de Economia da Unicamp, e Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), também criticaram com vigor a terceirização. Para Alselmo dos Santos, não há relação entre a competitividade e terceirização. “O custo do trabalho está relacionado com fatores como a força da economia, os impostos, o crédito financeiro, o tempo e as taxas de financiamento, muito mais do que a terceirização de serviços e da produção”, afirmou. E completou: “O que vimos com o avanço da terceirização não foi o aumento da tecnologia, mas a precarização do trabalho”.
De acordo com o professor, a terceirização é, na maioria dos casos, uma forma de competitividade espúria. “Não melhora a condição de competitividade, promove o rebaixamento do padrão de vida dos trabalhadores e a deterioração das condições sociais no Brasil”. Anselmo dos Santos afirmou ser “extremamente necessária a delimitação das condições de terceirização em uma lei geral, que preveja também a isonomia”.
Já Ganz Lúcio, diretor do Dieese, disse que a regulamentação deve partir do pressuposto de que trabalhador não é mercadoria. Para ele, as empresas terceirizadas têm de ter atividade econômica clara para que não se transformem em empresas de alocação de mão de obra. “Se as relações empresariais são efetivas, as empresas também não se oporão à responsabilidade solidária em relação aos direitos trabalhistas”, disse. De acordo com Lúcio, a falta de regulamentação também impede que se produzam estatísticas confiáveis sobre a terceirização no país.
Meio termo
Para o ministro João Dalazen, as discussões iniciais já mostraram que a audiência pública, que se estende até o fim do dia desta quarta-feira (5/10), que o tema tem de ser debatido. “Se de um lado a terceirização cria novas modalidades de emprego e aumenta a competitividade das empresas, de outro lado apresenta uma face perversa, que é o custo social elevado”, afirmou.
Segundo o presidente do TST, “um dos objetivos da audiência é provocar a conscientização do Congresso Nacional para a necessidade urgente da regulamentação terceirização no país”. De acordo com Dalazen, os debates também devem ser remetidos ao Congresso e irão ajudar os ministros nos julgamentos dos processos que envolvem terceirização.
“As discussões nos dão novos subsídios à elucidação de questões fáticas que dizem respeito à terceirização e podem proporcionar um julgamento mais seguro, mais sereno, mais justo, pelo TST”, disse.
O presidente do tribunal afirmou que a Súmula 331 foi uma construção necessária em face da omissão da lei. Mas que é chegada a hora de regular o tema: “Queremos uma lei geral da terceirização que imponha limites, diga os casos em que ela é possível e, particularmente, fixe a responsabilidade do tomador de serviços”.
O ministro não defende o fim da terceirização, tampouco sua liberação irrestrita. “Entre o oito e o 80, está o 40. É possível uma posição intermediária, que possibilite a terceirização em casos pontuais, muito restritos, e particularmente, que se realize mediante uma rígida proteção social”, concluiu.
Clique aqui para ler o discurso de abertura feito pelo presidente João Oreste Dalazen.
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