tempos modernos

Empresa individual é avanço da legislação brasileira

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16 de julho de 2011, 9h26

Faz tempo que há um movimento de juristas e empresários para limitar a responsabilidade do empresário individual. Com a criação de sociedades que conferem aos sócios tal limitação, passou-se a questionar a razão pela qual seria necessário ter um sócio para obter tal resultado.

Em muitos países – e ao que sei o primeiro deles foi a Alemanha – passou-se a admitir que a sociedade limitada, uma vez constituída com dois ou mais sócios, prosseguisse, daí por diante como um ente distinto deles e sobrevivesse mesmo tendo um único sócio em seu quadro social. Surgiu, assim, a chamada sociedade unipessoal. Após certo tempo, foi consagrada legislativamente a constituição de sociedade limitada com apenas um sócio.

Aponto o exemplo da França, que editou uma lei específica com essa finalidade. Aqui no Brasil surgiram várias tentativas para criar a sociedade unipessoal (apesar da antinomia que apresenta a junção desses vocábulos na expressão). E ela acabou sendo introduzida no ordenamento jurídico nacional pela Lei das Sociedades por Ações, em 1976 – porém, sob a exigência de ser uma sociedade anônima, cujas ações pertençam todas a uma sociedade brasileira (a chamada subsidiária integral).

Também era e é comum encontrar entre nós sociedades que, por motivos vários (retirada, falecimento, exclusão de sócio etc.), reduziram seu quadro social a único sócio, autorizando a lei que tal situação permaneça, desde que, no interregno de seis meses, seja restaurada a pluralidade de sócios.

Paralelamente, muitos empresários, preocupados em limitar sua responsabilidade pessoal à vista dos riscos que a atividade econômica acarreta, têm logrado seu intento pela constituição de sociedades fictícias, na qual possui praticamente a totalidade do capital social, cedendo uma parcela mínima a outra pessoa, exclusivamente para preencher o pressuposto de um mínimo de dois sócios. (Essa aberração é possível no Brasil por não haver limite mínimo de capital nem de participação em sociedades limitadas.)

Vários projetos foram e têm sido apresentados ao Congresso Nacional para adoção da sociedade unipessoal, não como novo tipo, mas como espécie de sociedade limitada. O texto mais importante foi o do anteprojeto, encomendado pelo Governo Federal e elaborado por uma comissão de juristas capitaneada pelo professor Jorge Lobo, que estabelecia novo regime jurídico para as então denominadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, no qual havia a opção de ser ela constituída com um só sócio, mediante certas condições. A iniciativa foi arquivada com a promulgação do Código Civil em 2002.

A Lei 11.441, publicada no último dia 12 para entrar em vigor em janeiro do próximo ano, consagra essa idéia. No entanto, não segue a mesma linha, pois, afastando a contradição dos termos, cria, não uma sociedade, mas a denominada empresa individual de responsabilidade limitada (abreviadamente, EIRELI – sigla que não surpreenderá se inspirar sua adoção como mais um dos tantos nomes civis hoje em moda).

A orientação adotada parece aproximar-se do modelo de Portugal, onde o legislador, refratário à idéia de criação da sociedade unipessoal, adotou o denominado “estabelecimento comercial de responsabilidade limitada”. A nova figura objetiva possibilitar ao empresário a redução dos riscos que a atividade econômica produz e que são, em muitos ramos de negócio, bastante elevados.

Para tanto, o empresário deve seguir os mesmos passos que são previstos para obter o registro de sua empresa individual. Todavia, a empresa individual de responsabilidade limitada, diferentemente do modelo tradicional, deve possuir um capital mínimo de valor igual ou equivalente ao de 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no Brasil – algo próximo a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) –, identificar-se com a sigla EIRELI, posposta ao nome civil do empresário para a formação de sua firma ou razão social e se submeter ao regime jurídico das sociedades limitadas, no que este for com ela compatível.

O capital mínimo é importante para evitar que sejam criadas empresas fantasmas; a determinação de que figure no nome empresarial a expressão “EIRELI” também é necessária, não só para diferenciar a empresa individual de responsabilidade limitada das outras, que não gozam dessa opção, como para se apresentar perante aqueles com quem contrata, dando-lhes ciência do regime jurídico a que está sujeita.

A empresa individual assim constituída adquire personalidade jurídica, por opção do legislador, com sua inscrição na Junta Comercial do local onde possuir sua sede e, com isso, passa a ter patrimônio próprio, distinto do patrimônio do seu titular, cuja responsabilidade pessoal fica limitada ao montante do capital que a ela for atribuído, até sua completa realização. Uma vez integralizado esse capital, o titular da firma individual não tem mais nenhuma outra obrigação a cumprir perante sua empresa nem para com os credores dela.

As obrigações contraídas pela empresa individual de responsabilidade limitada são de exclusiva responsabilidade dela. Se não possuir patrimônio suficiente para saldá-las, torna-se insolvente e se sujeita ao regime falimentar, respondendo por suas dívidas, exclusivamente, o patrimônio que então tiver, angariado e defasado ao longo de sua existência.

Seu titular só responderá pelas dívidas sociais se ficarem provadas as situações que levam à desconsideração da pessoa jurídica (uso da empresa para fins diversos daqueles que nortearam sua constituição) ou por atos ilícitos que tenha cometido no exercício da administração dela (como o são aqueles que envolvem subtração de recursos superiores aos lucros produzidos, o não recolhimento de valores retidos dos empregados e assim por diante). Embora deva ser assim relativamente a qualquer obrigação que resulte da atuação da empresa individual de responsabilidade limitada, pode-se antever que a Justiça do Trabalho tenderá a ignorar olimpicamente essas disposições da lei civil para atingir o patrimônio pessoal do seu titular na satisfação dos débitos e encargos trabalhistas.

Com a criação desse novo tipo de empresa podem ser evitadas as sociedades fantasmas (ou reduzido seu uso), constituídas, como já dito, por um único sócio, tendo outro ou outros apenas formalmente no papel e com participação exígua em seu capital social.

Há, como em toda lei, várias incongruências, dentre elas a alusão a capital social, quando na verdade, não há capital social, mas capital destinado à formação do patrimônio da empresa individual personificada, ou, ainda, a referência à denominação que não pode ser utilizada por essa figura como nome empresarial e assim por diante. Mas, certamente, ela trará maior tranqüilidade e segurança para os empresários que optarem pelo modelo.

Aliás, se um empresário constituir uma empresa dessa natureza, não pode ter outra semelhante, o que significa que a lei lhe permitiu cindir seu patrimônio para o fim de exercer atividade econômica por uma única vez.

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