"Resultado econômico seria o mesmo com concessão"
30 de janeiro de 2011, 8h55
O governo resolveu mudar o regime de exploração das áreas do pré-sal, a imensa reserva de petróleo escondida abaixo da camada de sal do mar, ao longo da costa brasileira. Ao invés do regime de concessão, o marco regulatório prevê o regime de partilha. Com isso parte do chamado profit oil, que é todo o óleo encontrado menos o custo da exploração, vai para o governo.
Para o especialista Luiz Antonio Lemos, do Campos Mello Advogados, do ponto de vista técnico, o país poderia, em tese, obter os mesmos resultados econômicos sem ter mudado o regime de exploração. “Tudo o que o governo, em tese, vai conseguir com o regime de partilha, poderia também ter obtido com regime de concessão. Juridicamente falando, é possível ter os mesmos efeitos”, afirma.
Na entrevista, concedida à revista Consultor Jurídico, no escritório do Campos Mello no Rio de Janeiro, Luis Antônio Lemos e o advogado Marcelo Romanelli de Oliveira explicaram como funcionam os regimes de exploração. Também falaram sobre o estudo comparado elaborado por Lemos e equipe a pedido do BNDES. Lemos e sua equipe estudaram os modelos adotados por 11 países, incluindo o do Brasil.
Lemos afirma que a escolha feita pelo governo brasileiro acabou criando um regime sui generis. “Para nós, é um ponto de interrogação se ele vai ser um modelo de sucesso”, disse. Entre os motivos para dúvidas estão o fato de o Brasil ter mantido uma operadora única, que será a Petrobras, cabendo-lhe, no mínimo, 30% dos blocos. “Quanto mais operadores, mais empresas assumem o risco de explorar e produzir”, explica.
Outra característica distinta do regime criado no país são os royalties. “No PSA [Production Sharing Agreement, como é chamado o regime de partilha], já há uma apropriação da riqueza pelo Estado, que fica com parte da produção do petróleo. Os royalties são típicos do regime de concessão. No PSA, há a parte da produção que fica com o Estado mais os royalties”, diz. Além disso, o país vai criar a Pré-sal Petróleo S/A (PPSA), que é a estatal que irá gerenciar a exploração.
O especialista também falou sobre as mudanças no que se refere à área ambiental. Segundo Lemos, o regime de concessão transfere para os concessionários a responsabilidade na atividade. No caso da partilha, há uma empresa do Estado que está tendo benefício. “Por mais que digam que a empresa não tem responsabilidade, ela tem”, afirma.
Uma discussão que pode chegar ao Judiciário é a mudança na distribuição dos royalties. O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva vetou o artigo que estabelecia a distribuição dos royalties a todos os municípios, mesmo aos que não são produtores. Mas, mesmo com o veto, dizem os especialistas, a mudança pode ser questionada. “Vai haver uma perda, porque entraram no bolo da distribuição outros estados e municípios que, antigamente, não faziam parte da divisão”, diz Marcelo Romanelli de Oliveira.
Nascido no Rio de Janeiro, Luiz Antonio Lemos formou-se em Direito pela UFRJ em 1982. Sócio da área de infraestrutura do Campos Mello Advogados, Lemos carrega na bagagem vários projetos na área de óleo e gás. Seu currículo inclui assessorias não só para empresas brasileiras, mas também para companhias americana, norueguesa, venezuelana e japonesa. Também assessorou a Petrobras em projetos como o da construção e operação do gasoduto Bolívia-Brasil. Questionado sobre o papel da Petrobras com o novo marco regulatório, o advogado não tem dúvida de que a empresa vai ter ser um elemento fundamental para o desenvolvimento do país. “A Petrobras já vinha determinando um conteúdo local de serviços e equipamentos muito alto. Nesse sentido, vai ser uma indutora enorme de desenvolvimento.”
Marcelo Romanelli de Oliveira é formado em Direito pela Universidade Candido Mendes e é mestre em Tributação de Petróleo e Gás pelo Centre for Energy, Petroleum and Mineral Law and Policy – CEPMLP, na Universidade de Dundee, Reino Unido. Recentemente foi contratado para atuar na área de Energia e Infraestrutura do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper, Rio de Janeiro.
Leia a entrevista
ConJur — O senhor e sua equipe prepararam um estudo sobre modelos regulatórios na área de exploração do petróleo para o BNDES. Como foi isso?
Luiz Antonio Lemos — Nós estudamos os modelos de sucesso e os que fracassaram. A ideia era ver exatamente quais foram os erros cometidos, as políticas governamentais ou definições regulatórias e legais que tiveram repercussão no desenvolvimento econômico dos seguimentos relacionados. O Mar do Norte é um exemplo interessante. Inglaterra e Noruega foram beneficiados pela perspectiva de produção de petróleo na área. A Noruega desenvolveu sua cadeia produtiva de uma maneira brilhante, a ponto de, hoje, as maiores empresas do setor de petróleo, de equipamentos e serviços, no mundo inteiro, serem de lá. Até a década de 60 a Noruega era um país agrário, atrasado, mas com um nível cultural e educacional imenso. Eles conseguiram transformar o país em uma economia de ponta e com o melhor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do mundo. E a Inglaterra, também com a mesma perspectiva de produção e de reservas, não conseguiu desenvolver a sua indústria petrolífera com a mesma intensidade.
ConJur — Quantos países foram englobados nesse estudo?
Luiz Antonio Lemos — Estudamos o modelo regulatório de 11 países, entre eles, o Brasil. Fizemos uma pesquisa da estrutura histórica, econômica e social até para poder contextualizar melhor. São, basicamente, quatro tipos de regimes: concessão, serviços, partilha e o que a gente achou melhor chamar de joint venture, modelo adotado na Venezuela. Concessão e partilha são os dois principais. O de serviço é adotado em países como o Oriente Médio. O México, por exemplo, escolheu o de serviços, que é totalmente público. O modelo é ineficiente. Já a Noruega escolheu um tipo de concessão. Cada um teve uma razão histórica para a escolha. Se olharmos a origem de concessão, veremos que foi um regime extremamente agressivo e invasivo em relação aos países que hospedaram os investimentos estrangeiro no período inicial.
ConJur — E esses países reagiram a essa agressão?
Luiz Antonio Lemos — Eles começaram a reagir no início do século XX até a década de 50 e criaram regimes próprios para se defender. Só que a concessão também se transformou. Como todo regime, ela foi se aperfeiçoando e, hoje, talvez seja o mais predominante. Nós elaboramos esse estudo e entregamos para o BNDES para análise. Obviamente, a decisão de escolha do regime não era do banco. Mas serviu como suporte. Pela nossa visão técnica, bastava um aperfeiçoamento do regime de concessão.
ConJur — É o que se poderia chamar de regime de sucesso?
Luiz Antonio Lemos — Sim. O exemplo de funcionalidade e de sucesso dele é patente. Nós saímos do final da década de 90 com uma empresa. Hoje, temos 72 explorando petróleo no país. Isso tem um efeito multiplicador em termos de geração de empregos, de tecnologia, de recursos. O número de empresas prestadoras de serviço que cresceram nesse período é gigantesco. A produção de petróleo e de gás aumentou significativamente. Mas, do ponto de vista político, o governo precisava mostrar uma mudança. Esse PSA [Production Sharing Agreement, como é chamado o regime de partilha] não guarda nenhuma correspondência com os outros modelos de PSA no mundo.
ConJur — E esse modelo pode dar certo?
Luiz Antonio Lemos — Ele é muito diferente de qualquer um que a gente tenha visto até hoje, é sui generis para o bem e para o mal. Para nós, é um ponto de interrogação se ele vai ser um modelo de sucesso. Basicamente, por dois grandes motivos. Primeiro, porque, historicamente, o regime de partilha surgiu em países pobres, carentes de tecnologia e de recursos humanos e financeiros. E ele tinha duas características principais do ponto de vista jurídico. Uma era que os contratos não dependem de uma regulamentação adicional, eles vigem por si próprios. Ou seja, eles têm uma blindagem própria dentro do país hospedeiro em que a legislação local, supostamente, não interfere. Isso é importante para atrair capital externo, investidores e as grandes empresas do setor. No segundo aspecto, evidentemente, pulverizam a participação de operadores nesses países. Quanto mais operadores, mais empresas vão assumir o risco de explorar e produzir.
ConJur — No caso do Brasil, com o marco regulatório do pré-sal, só a Petrobrás será operadora.
Luiz Antonio Lemos — Só a Petrobrás. Isso já é uma grande distinção. Além disso, no Brasil, não pode ter um contrato que seja independente da legislação do país. Outra característica nossa são os royalties. No PSA, que é a partilha, já há uma apropriação da riqueza pelo Estado, que fica com parte da produção do petróleo. Os royalties são típicos do regime de concessão. No PSA há a parte da produção que fica com o Estado mais os royalties. Há uma carga muito grande para os investidores. E há, ainda, um terceiro fator que nos preocupa, do ponto de vista de mercado, que é a criação da empresa para contrabalançar o poder da Petrobras. O Estado criou a PPSA [Pré-Sal Petróleo S/A], empresa que representa o Estado na partilha. Ela terá um poder enorme no comitê operacional, que decide tudo, só que sem o risco da atividade. É meio contraditório. Se eu não tenho risco na atividade, não posso ter o poder de veto, como eles têm, ou ter a maioria dos membros do comitê. Para quem está no mercado, isso soa estranho. Óbvio que o Estado tem que ter ingerência na atividade, mas ela não pode ser de caráter absoluto.
ConJur — Com todos esses aspectos, será vantajoso para as empresas explorarem petróleo sob o regime de partilha no Brasil?
Luiz Antonio Lemos — Pode ser que a questão do retorno financeiro seja secundária em função, por exemplo, de interesses como o abastecimento do próprio mercado. Por exemplo, a China já emprestou 10 bilhões de dólares para a Petrobras e vai emprestar ainda mais, porque precisa de petróleo. A questão do valor do barril para eles é relativa em face da prioridade maior, que é abastecer seu mercado interno. Não é a lógica empresarial de uma empresa típica do setor, porque ela quer retorno. Qualquer empresa do setor vai calcular qual é a parte que deixará de petróleo para o governo, os royalties que serão cobrados, os investimentos necessários, e fazer a conta para ver se terá retorno ou não. Pode ser que não haja retorno adequado e a gente perca a oportunidade de outros investidores, ficando restritos aos que não estão interessados na atividade, mas sim no seu próprio mercado. Isso é ruim, pois a área de petróleo é muito complexa. A área do pré-sal exige uma tecnologia que nem mesmo a Petrobras detém, ainda. Quanto mais empresas com experiência vierem para o país, melhor será para nós. A Petrobras nos últimos 10 ou 11 anos cresceu, enormemente, por causa da experiência que adquiriu com as outras empresas. É muito comum na indústria do petróleo atuar em condomínio com outras.
ConJur — Por que?
Luiz Antonio Lemos — Porque é área de muito risco. Não adianta ter 100% do bloco, porque terá também 100% do risco. O ideal é ter 30 ou 40%. Se houver um problema com o bloco, a empresa estará dividindo o risco com as outras. A Petrobras pode fazer isso com as empresas que vierem ao país, reduzindo sua exposição ao risco e também aumentando sua participação em outras áreas no exterior. A Petrobras se internacionalizou muito por conta disso. Foi extremamente benéfico para a empresa.
ConJur — Mas com essa mudança na regulação nas áreas do pré-sal, a Petrobras terá que ficar com 100% de alguns blocos, não?
Luiz Antonio Lemos — Não é bem assim. Na verdade, o governo, quando definir o processo de licitação, pode estabelecer que tal bloco ficará 100% para a Petrobras. Caso a empresa não concorde, vai ter licitação, sendo que a Petrobras terá, no mínimo, 30%, que é o que está estabelecido na lei para ser uma operadora. Evidentemente que ela poderá participar sozinha ou em consórcio com outras empresas para adquirir mais percentagem. O problema da Petrobras, que acho que é muito arriscado, é um dos critérios do processo de licitação.
ConJur — Qual critério?
Luiz Antonio Lemos — Há o cost oil e o profit oil. O cost oil é tudo que está relacionado ao custo de investimento aportado no bloco. O que gerar acima disso é o profit oil. O governo vai estabelecer o mínimo de profit oil que ele quer. Se o governo determinar o mínimo e a empresa conseguir bem mais do que isso será uma maravilha. Mas pode ser que não consiga. Na lógica das empresas que atuam no setor, elas sabem até onde podem ir. Mas não é a mesma lógica, por exemplo, de empresas que sejam controladas por governos e com outros interesses que não sejam apenas o aspecto econômico de retorno.
ConJur — Pode exemplificar isso?
Luiz Antonio Lemos — O risco é a China, por exemplo, oferecer um percentual absurdo de petróleo para o governo e a Petrobras ser obrigada a acompanhar. Ela já é obrigada, pois tem, no mínimo, 30%. Pode ser que ela não tenha o retorno que esperava, porque, no caso de uma oferta absurda, o governo vai ficar com a maior parte do profit oil. O que vai prevalecer é a melhor oferta para o governo. A própria Petrobras pode sofrer prejuízos enormes, considerando que é uma empresa de economia mista, mas com uma visão empresarial, com ações na bolsa de valores.
ConJur — Há países que também convivem com regimes de concessão e partilha simultaneamente?
Luiz Antonio Lemos — Na Rússia, também há a concessão e o PSA. Lá a partilha não funcionou. Eles entendiam que o regime utilizado para locais onde houvesse maior dificuldade ou não interesse das empresas pelo bloco seria o de partilha. É o inverso do Brasil. Aqui, como há uma riqueza clara, o risco geológico é pequeno. Melhor para o estado que seja o regime de partilha. Lá pelo risco ser maior se usa a partilha, aqui por ser menor se usa a partilha. A aplicação desse regime é utilizada por razões inversas em cada Estado. Cada um tem uma visão diferente sobre o regime de partilha.
ConJur — O que senhor acha que deveria ter melhorado no modelo de concessão?
Luiz Antonio Lemos — Quando falei do sucesso da concessão é porque a maior característica dela é a adaptabilidade. Ela se adaptou muito bem nos diversos países onde se instalou, atendendo as particularidades históricas desses lugares. Por isso é um modelo de sucesso. Não existe uma regra específica. Por exemplo, nessa parte de receita, eu diria que a gente perdeu muito tempo. Já teríamos recebido muito dinheiro através de bônus em antecipação a essa riqueza futura que vai ser gerada. Nós já estaríamos com dinheiro em caixa, o que seria importante. O país não pode perder tempo.
ConJur — Esse bônus não existia antes?
Luiz Antonio Lemos — Existia. Só que a vantagem do bônus no regime de concessão é que ele é variável, vai depender da oferta. Pode-se fixar um valor mínimo de bônus e o céu é o limite. Bastavam pequenos ajustes na legislação, que não dependeria da aprovação do Congresso. Na parte de royalties e participação especial, por exemplo, já há uma previsão para calcular o valor por volume ou por rentabilidade. Se a questão era de que a riqueza poderia ser tão grande que o volume não representaria a apropriação adequada dessa riqueza, bastava uma mera mudança do critério para o de rentabilidade. Isso poderia ser feito através de decreto. E se resolvia a questão da receita.
Marcelo Romanelli de Oliveira — Basicamente, pode-se atingir o mesmo resultado financeiro tanto com o regime de partilha como com o regime de concessão.
Luiz Antonio Lemos — Na verdade, a partilha é para controlar o regime de produção. Mas, na Noruega, pelo menos por duas vezes, houve um decreto do rei determinando a suspensão da produção por conta de situações adversas do mercado internacional em relação ao petróleo. Eles pararam de produzir. Se é uma questão de controlar o ritmo de produção, há mecanismos para isso. Basta criar uma lei específica prevendo tais casos. Já existe uma lei específica para abastecimento do mercado nacional. Poderiam criar uma lei para definir o ritmo de produção desse petróleo em função até do volume maior que vai ser gerado com o pré-sal. Isso poderia se fazer ao longo do tempo, mesmo porque a entrada dessa produção vai demorar. Juridicamente falando, é possível ter os mesmos efeitos.
ConJur — A mudança, então, foi política?
Luiz Antonio Lemos — A questão teve um viés muito mais político do que econômico. Mas essas consequências em relação à escolha são teóricas. Não critico o regime de partilha. O regime pode funcionar. Entretanto, só saberemos isso no futuro, já que criamos um regime diferente e vamos ter que aprender a conviver com ele. Nós não aproveitamos adequadamente a experiência internacional. Estamos saindo do zero. Nós podemos ter grandes benefícios, mas podemos ter malefícios. Só o futuro dirá se a escolha foi acertada ou não. Os exemplos que dou são de possibilidades que poderiam ter acontecido no regime de concessão do ponto de vista meramente técnico.
ConJur — A questão ambiental ganhou ainda mais destaque depois do vazamento no Golfo do México. As pessoas questionam muito até onde vai essa proteção ambiental – ou falta dela – quando se trata de exploração de petróleo.
Luiz Antonio Lemos — Esse não é um problema só da área do petróleo. Toda a atividade de infra-estrutura no Brasil sofre, hoje, percalços com isso. A licença prévia para esses projetos é fundamental. Teve uma época em que os pedidos de licença ambiental eram feitos depois dos contratos de licitações. Isso acontecia na área de energia como um todo. A empresa ganhava a licitação, e, como já aconteceu, não conseguia a licença. Hoje, é preciso ter licenças prévias para poder oferecer algo em licitação. Com isso, o risco foi um pouco mitigado. Mesmo assim tem todo um procedimento, com licenças de instalação e depois de operação. É muito emblemático o que aconteceu com a BP, no Golfo do México. Isso, sem dúvida, mostra que por mais que nós tenhamos desenvolvido tecnologias para exploração em água profunda, há um risco de falha de equipamento ou operacional. Quando tem uma situação como essa, e no Brasil algo assim talvez seja pior, porque é mais longe da costa, muito mais fundamental nesse processo ter controle para evitar dano ambiental.
ConJur — Há diferença entre os regimes nesse aspecto ambiental?
Luiz Antonio Lemos — Há uma grande diferença. O regime de concessão transfere para os concessionários a responsabilidade na atividade. Eles são donos do produto. O estado pode até ser responsabilizado, mas tem o direito de regresso. Já na partilha, há uma empresa do Estado, a PPSA, que, perante a Constituição, tem responsabilidade ambiental, porque está tendo benefício econômico. Por mais que digam que a empresa não tem responsabilidade, ela tem. Acho que essa mudança no projeto de partilha, de uma certa forma, aumentou a exposição do Estado brasileiro ao risco ambiental. É óbvio que, no regime de concessão, mesmo com a responsabilidade direta dos concessionários, o Estado não poderia se abster de certa responsabilidade de ajudar e de cobrar depois das empresas caso acontecesse um desastre ambiental.
ConJur — O Estado também é responsável pela fiscalização e mesmo pela concessão de licença ambiental. Ciente desse risco, que passa a ser maior até para o próprio Estado, há expectativa de que agências e órgãos que atuam na área ambiental sejam mais rigorosos para concessão das licenças?
Luiz Antonio Lemos — Eu acho que são questões autônomas. A nossa consciência ambiental, hoje, é muito diferente de 30 anos atrás. Eu trabalhei na Petrobras. Na época, a questão ambiental não tinha importância. A gente não se preocupava nem com o que ia acontecer na Lagoa Rodrigo de Freitas. Hoje, há uma mudança de comportamento. O mundo está preocupado, o Brasil está inserido nesse processo e a sociedade tem sido mais cuidadosa. Isso repercute, óbvio, no processo de licenciamento. Os órgãos têm mais responsabilidades. Eles têm que tomar certos cuidados. As exigências para obtenção de licença são cada vezes maiores. Por outro lado, a gente percebe que os órgãos ambientais, principalmente o Ibama, estão carentes de recursos humanos. Eles vão precisas investir muito. Se há perspectiva de maior desenvolvimento, eles vão ter que estar capacitados para dar atendimento dentro do prazo necessário.
ConJur — Há rigor por parte da concessão dessas licenças?
Luiz Antonio Lemos — Não é um rigor. De um modo geral, há atrasos significativos na concessão de licença. Muitas vezes, por causa do volume, mas também pelo despreparo e pelas exigências que são feitas.
ConJur — As agências reguladoras no país costumam ser bastante criticadas pela ineficiência. Com a ANP acontece o mesmo?
Luiz Antonio Lemos — A ANP é uma agência ainda em formação, apesar de já ter 10 ou 11 anos. No início, ela tinha um quadro técnico muito bom, mas, como eram temporários, foi obrigada a mandar embora e contratar funcionários via concurso. Isso gerou uma certa perda do ponto de vista de qualidade técnica da agência. Mas acho que já foi recuperada. Sua autonomia é que foi bastante reduzida, principalmente com o pré-sal. Mas, sem dúvida, ela já tem um cabedal de conhecimento, é repositória de informações geológicas do país. O que é muito importante, pois, antigamente, isso ficava só com a Petrobras. Hoje, a agência tem um banco de dados e um nível de conhecimento muito grande das bacias. Talvez, o grande desafio que a ANP tem pela frente é o modelo de contrato do PSA que ela vai adotar.
ConJur — Mesmo com o regime já definido, o modelo de contrato pode fazer toda a diferença?
Luiz Antonio Lemos — Pode.
Marcelo Romanelli de Oliveira — Inclusive as indústrias estão esperando muito por esse contrato até pelas inconsistências do projeto de lei. A ideia é que algumas imperfeições que a lei acabou trazendo sejam corrigidas. Essa é a esperança.
ConJur — Essa mudança na regulação pode ser discutida no Judiciário?
Luiz Antonio Lemos — Tudo isso pode ser questionado. Tenho por mim que não haverá um questionamento com relação ao regime em si, a não ser pelo aspecto dos royalties e perda de receita. A finalidade dos royalties é exatamente servir de compensação financeira pela atividade exercida pela indústria nos estados e municípios onde estão situados os blocos. Não há dúvida de que, onde há atividade de petróleo, vários problemas sócio-econômicos são gerados. A perda de receitas é uma preocupação grande, que provavelmente vai chegar aos Tribunais.
ConJur — Mesmo com o veto do ex-presidente em relação à mudança da distribuição dos royalties para todos os municípios, ainda assim há uma perda?
Marcelo Romanelli de Oliveira —Ele vetou e já propôs uma nova distribuição, em que a perda não será tão ruim quanto era antes do veto. Mas vai haver uma perda, porque entraram no bolo da distribuição outros estados e municípios que, antigamente, não faziam parte da divisão.
ConJur — Pela experiência da sua equipe, principalmente com o mercado externo, empresas de quais países já estão procurando o Brasil para exploração?
Luiz Antonio Lemos — Todas. O Brasil é a bola da vez. Estou falando da visão das empresas de petróleo que fazem a operação. Mas, quando se considera a indústria em torno dessa atividade, os prestadores de serviços, os fornecedores de equipamentos, o fluxo de entrada dessas empresas no país é cada vez maior. Tem um lado benéfico do pré-sal que a gente já está observando. As empresas estão se movimentando para se estabelecerem no Brasil. A tendência é a questão do conteúdo local ser determinante.
ConJur — A infra-estrutura que precisa ser montada, não só para extrair o óleo, mas toda a cadeia produtiva é muito grande. O país está preparado para esse tipo de boom industrial, para atender essa demanda?
Luiz Antonio Lemos — Não. Há grandes dificuldades. Não temos engenheiros nem técnicos suficientes. Tem a questão do cronograma das obrigações de investimentos no âmbito dos contratos de concessão. Muitos blocos, na área do pré-sal, estão sob regime de concessão. E há prazos a serem cumpridos. Tem o problema do gargalo industrial, porque nós ainda não temos empresas. Estamos desenvolvendo vários centros de pesquisa, exatamente, para começar a produzir equipamentos adequados para nossa realidade. Mas não estamos preparados. Sem dúvida vamos sofrer várias dificuldades, inclusive de recursos técnicos, humanos, financeiros. Somos carentes em todos esses aspectos.
ConJur — E como está o mercado jurídico na área de óleo e gás? Há poucos profissionais especializados na área?
Luiz Antonio Lemos — Sem dúvida. Mas isso é mundial. Em algum momento na década de 80 e início de 90, o mercado de petróleo não era atrativo. Até porque houve uma recessão no Brasil e, lá fora, não houve nada tão significativo. Tivemos um período em que a área não era interessante para os que estavam se formando. Há profissionais muito bons da minha idade em diante e profissionais bem mais jovens. Houve um gap nesse período que também gerou um gap na formação de profissionais com experiência nesse setor. O normal é ter gente de todas as faixas etárias para ter um caminho adequado de desenvolvimento. Aliado a isso, houve um crescimento substancial significativo do setor. É difícil encontrar profissionais com boa qualidade. A maioria dos profissionais que trabalham comigo foram meus estagiários, porque é difícil encontrar gente preparada no mercado.
[Texto alterado, no dia 1/2, para correção no trecho em que diz que a China já emprestou 10 bilhões de dólares para a Petrobras, e não 10 milhões como havia sido publicado]
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