União só pode ser responsabilizada na falta de zelo
15 de janeiro de 2011, 6h16
Ao contrário do que acontece na iniciativa privada, uma decisão do Supremo Tribunal Federal definiu que o Estado não é responsável pelas obrigações trabalhistas das empresas terceirizadas que contrata. Somente a falta de zelo por parte da administração pública poderá fazer com que responda solidariamente pelas empresas contratadas, como concluiu o Plenário ao analisar a Ação Declaratória de Constitucionalidade 16. O entendimento da corte em relação ao artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/1993, muda a relação entre as duas partes.
No centro da discussão que se desenrolava desde março de 2007 até o final de novembro de 2010, quando o Supremo decidiu, está a chamada Lei das Licitações. O dispositivo em questão prevê que a inadimplência de um contratado pelo Poder Público em relação a encargos trabalhistas, fiscais e também comerciais não transfere à administração pública a responsabilidade por seu pagamento, tampouco onera o objeto do contrato ou restringe a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Em seu voto, o ministro Ayres Britto concordou em partes com os demais ministros. Ele explicou: como só há três formas constitucionais de contratar pessoal, seja por meio de concurso público, de nomeação para cargo de comissão ou por contratação por tempo determinado, com a finalidade de suprir uma necessidade de um determinado momento, quando há terceirização, o assunto merece outro tratamento. Segundo ele, embora a prática seja largamente utilizada, não encontra amparo na Constituição Federal. Por isso, quando a administração pública escolhe fazer uso dela, deve também arcar com as consequências que daí advenham, como responder pela inadimplência de obrigações trabalhistas do contratado.
A ADC 16 foi proposta pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, mas, tão logo ganhou notoriedade, contou com o apoio de diversos estados e municípios. Na tentativa de contribuir com o andamento do processo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins, apenas para citar alguns desses entes, ingressaram com pedido de amicus curiae.
O procurador-geral do DF, Marcelo Galvão, explica que o Tribunal Superior do Trabalho, em seu Enunciado 331, adotava um posicionamento contrário ao entendimento da Lei das Licitações — daí a necessidade de uniformização da legislação. De acordo com inciso IV do texto, "o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial".
A ADC comenta o enunciado: "em que pese a administração pública envidar todos os esforços para bem fiscalizar a execução da obra e/ou prestação do serviço, e haver diligenciado da forma prevista em lei para poder proceder à contratação, o inciso IV, do Enunciado 331 pretende, na verdade, realizar uma responsabilização objetiva do Poder Público, adotando-se, para tanto, teoria do risco integral, no qual basta existir o dano para exsurgir a necessidade de o Poder Público reparar, ainda que para tanto não tenha dado causa e ainda que tenha tentado a todo custo evitar a insurgência".
O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, alerta que o Poder Público não está impedido de ser reconhecido como responsável pelos encargos "com base nos fatos de cada causa". Como ele explicou, a omissão culposa da administração em relação à fiscalização — se a empresa contratada é ou não idônea, se paga ou não encargos sociais — gera responsabilidade da União.
"As empresas se sentiam muito à vontade sabendo que o órgão público respondia subsidiariamente", conta o procurador-geral do DF. E acrescenta: "Diante do entendimento do STF, nós esperamos que o TST modifique também seu entendimento sobre a responsabilidade objetiva. Estamos muito felizes com a repercussão que a ADC causou".
Debates no Plenário
Ajuizada em março de 2007, a ADC não teve seu pedido de liminar reconhecido por Peluso. Para ele, a matéria era complexa demais para ser decidida individualmente. No ano seguinte, em setembro, foi posta em julgamento. Naquela ocasião, o então ministro Menezes Direito pediu vista dos autos.
Em novembro, a matéria foi levada de volta ao Plenário pela ministra Cármen Lúcia, uma vez que o sucessor do ministro Direito, o ministro Dias Toffoli, estava impedido de participar de seu julgamento, pois atuou neste processo quando ainda era advogado-geral da União.
Na retomada do julgamento, o presidente do STF e relator da matéria, ministro Cezar Peluso, votou pelo seu arquivamento. Segundo ele, não havia controvérsia a ser julgada, uma vez que o TST, ao editar o Enunciado 331, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666.
Ainda segundo o ministro, o presidente do TST, solicitado a prestar informações sobre o caso, relatou que aquela Corte reconhece a responsabilidade da administração com base em fatos, isto é, no descumprimento das obrigações trabalhistas, não com base na inconstitucionalidade da norma discutida na ADC. "Como ele não tem dúvida sobre a constitucionalidade, não há controvérsia", concluiu o ministro presidente.
Mas, segundo o presidente do STF, isso "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa". "O STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público", observou em outra intervenção. Ainda conforme Peluso, o que o TST tem reconhecido é que a omissão culposa da administração em relação à fiscalização de seus contratados gera responsabilidade.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia divergiu do ministro Peluso quanto à controvérsia. Segundo ela, o enunciado do TST ensejou uma série de decisões nos Tribunais Regionais do Trabalho e, diante delas e de decisões do próprio TST, uma série de ações, sobretudo Reclamações, junto ao Supremo. A ministra se pronunciou pelo conhecimento e pelo pronunciamento da Suprema Corte no mérito.
O ministro Marco Aurélio observou que o TST sedimentou seu entendimento com base no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que define o que é empregador, e no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, que responsabiliza as pessoas de direito público por danos causados por seus agentes a terceiros.
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