Segunda Leitura

O relacionamento entre magistrados e servidores

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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31 de outubro de 2010, 6h01

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Os que procuram a Justiça veem-na por fora. O Fórum é um sinal exterior por excelência. Porteiros e telefonistas estabelecem a primeira conexão entre quem está dentro e quem está fora. Cartórios (ou secretarias) e salas de audiência, ainda que no interior do prédio, são vistos com o olhar de quem pertence ao mundo externo.

O visitante, seja parte, advogado ou agente do Ministério Público, tem uma visão externa e dificilmente saberá o que dentro se passa. E, no entanto, internamente, existem práticas, costumes, regras não escritas, amizades e inimizades, fatores múltiplos que acabam influenciando na efetividade do órgão judicial.

Entre esses fatores está o relacionamento entre magistrados e servidores. Dele depende muitas vezes o bom ou o mau andamento de uma vara ou gabinete no tribunal. Isto pode influir direta e imperceptivelmente no tempo de duração de um processo. Exatamente. Uma ação pode fluir rápida ou lentamente, a depender das relações humanas na unidade judiciária. No entanto, este é um assunto desprezado dentro do Poder Judiciário e ignorado fora dele.

Uma vara ou um gabinete de desembargador tem um magistrado à sua frente. Ele é, queira ou não, o líder, o gestor. Não vive isolado nem julga mais sozinho, como nos anos 1970. Agora, administra uma equipe que dá suporte à sua ação, seja auxiliando-o nas decisões (v.g., pesquisando jurisprudência), seja tomando as medidas necessárias ao seu cumprimento.

A boa relação entre estes partícipes é requisito básico da efetividade da prestação jurisdicional. Exatamente como em uma empresa, é preciso harmonia entre o chefe e sua equipe. Vejamos as várias espécies de magistrado e as consequências da posição assumida.

a) Líder: é participativo, transparente, não centraliza as decisões, confia, delega mantendo o controle, é solidário, incentiva os servidores e dá o exemplo ao dedicar-se ao trabalho de corpo e alma, com isto alcançando excelente rendimento.

b) Confuso: é aquele que trabalha das 9h às 21h, vive cansado e não produz nada, certamente por ter um sistema de trabalho desordenado, que gera insegurança nos servidores e reduzida efetividade.

c) Egoísta: preocupado com seus projetos pessoais, faz de tudo para promover-se, utiliza ideias de seus servidores e não divulga o verdadeiro autor, bajula os que estão acima na hierarquia e reprime os que estão abaixo.

d) Minucioso: é aquele dos pontos e vírgulas, que tudo examina e reexamina, risca o que está escrito várias vezes, troca “porém” por “todavia”, muito embora isto não altere o mérito da decisão judicial, preocupa-se com detalhes (v,g., quer os processos sempre do lado direito da mesa e com a folha de despacho aberta), enfim, julga-se o único a levar a sério o Poder Judiciário do Brasil.

e) Hierárquico: discute apenas com o diretor (ou escrivão) ou, no tribunal, com o chefe de gabinete, negando acesso aos demais servidores; com isto, não sabe o que se passa, torna-se uma figura ausente, não auxilia nem é auxiliado.

f) Autoritário: exerce um modelo superado, critica os servidores em público ou por decisão nos autos, não elogia jamais, exige submissão, que é algo muito diferente do respeito.

g) Carente afetivo: supõe que desdobrando-se em afagos, distribuindo beijinhos, será querido e respeitado, o que é um engano, pois os servidores não querem um papai ou mamãe bonachão, mas sim alguém que os respeite, trace normas claras de procedimento e lhes dê segurança.

h) Desconfiado: vítima da chamada “teoria da conspiração”, cerca-se de mil garantias, tranca os armários, promove varredura nos telefones, faz exigências que prejudicam as partes (p. ex., requerimento para obter cópias do processo!), atemoriza seus servidores, e com isto cria um clima de pânico no qual ninguém assume qualquer tipo de responsabilidade e os serviços, evidentemente, não fluem como seria desejável.

i) Jovem demais: juiz aos 25 ou 26 anos, aparentando 21, sem experiência maior do que um estágio, assume sozinho uma vara ou comarca e depara com antigos e experientes funcionários. O precoce magistrado não deve querer impor-se pelo cargo, com cara de mau. Não funciona. Se der o exemplo pela dedicação ao trabalho (cultura já provou ter pela aprovação no concurso), interesse em conhecer as rotinas da vara, franqueza em expor as dificuldades e humildade (o que não significa diminuir-se), certamente conseguirá impor-se em pouco tempo.

j) Saudosista: nos tribunais existem alguns desembargadores, via de regra, bons e dedicados, mas com os olhos voltados para o passado. Não aceitam o auxílio dos servidores. Nos votos, fazem questão de mostrar erudição, discutem detalhes inúteis (v.g., se na parte dispositiva do Mandado de Segurança deve constar denegado ou improcedente!!!) e apresentam voto divergente por isto ou aquilo, obrigando o vencedor a aguardar o demorado julgamento de Embargos Infringentes. Recusam-se a aderir à tecnologia, redigem o voto com a velha caneta tinteiro e não adotam a assinatura digital. É triste, mas a estes resta apenas o caminho da aposentadoria, pois pertencem a outro tempo e estão prejudicando terceiros.

k) Energético: é raro, pois a magistratura não é o local sonhado por este tipo de pessoa. Todavia, se bem aplicada a vitalidade desse tipo de ator, em sintonia com o pessoal de apoio, excelentes iniciativas podem ser adotadas para aprimorar os serviços judiciários. Estes são os protagonistas que apresentam bons projetos nos concursos de novas técnicas e que, com o tempo, atuam em associações de classe ou são convocados para comandar novos projetos. São úteis e positivos, mas não devem esquecer-se, e nunca omitir, que trabalham em equipe e não sozinhos.

Estes são alguns tipos de magistrados e as consequências que suas condutas e relacionamento com os servidores geram na administração e efetividade da Justiça. O outro lado da moeda é a análise dos tipos de servidores, como veem os magistrados, tema, da mesma forma, desprezado. Mas, como dizia um apresentador de seriado na minha infância, “… mas isto é uma outra história, que fica para uma outra vez”.
 

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