Tão logo promulgada a Emenda Constitucional 66/2010, conclui que o instituto jurídico da Separação Judicial havia sido por ela extinto. Dessa opinião compartilham vários especialistas de Direito de Família (Sílvio Venosa, Flávio Tartuce, Zeno Veloso, Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias).
Tendo refletido um pouco mais, penso que a resposta deve ser outra: a Separação Judicial não foi extirpada do ordenamento jurídico nacional, de modo que é juridicamente possível o pedido de casal que, não desejando se divorciar, quer apenas se separar para dividir formalmente seus bens e extinguir a sociedade conjugal, desobrigando-se de cumprir os deveres matrimoniais (fidelidade, assistência, coabitação).
O primeiro argumento em defesa dessa nova tese é normativo: surge da leitura comparada da redação anterior da Constituição e da atual (§ 6º do art. 226); ela nos permitirá concluir que o texto da Emenda 66 limitou-se a excluir do parágrafo a referência à Separação (judicial ou de fato) como requisito para se obter o Divórcio. Mas, isso não significa dizer que a Separação desapareceu do mundo jurídico.
O segundo argumento é de ordem teleológica: qual a finalidade da Emenda? Como está claro nas exposições de motivos do projeto, o objetivo foi o de facilitar o divórcio. E o Congresso Nacional atingiu esse objetivo ao extinguir o único requisito que persistia para decretação do divórcio: o “tempo de separado”. Assim, não há mais ‘tempo de separado” a ser cumprido: uma pessoa pode se casar hoje e se divorciar amanhã. O propósito da alteração constitucional não era acabar com a Separação Judicial, mas sim com o período de tempo em que as pessoas deveriam permanecer separadas para que pudessem se divorciar. Vale dizer, a Separação (judicial, extrajudicial ou de fato) deixou de ser aquele “estágio probatório” que o casal deveria cumprir antes de requerer o divórcio.
O terceiro argumento tem a ver com a liberdade; como se sabe, o Direito Civil, ao contrário de outras áreas do Direito, procura ser o reino da liberdade, tanto é que um de seus princípios fundamentais é o da Autonomia da Vontade. Desse modo, as normas de Direito Civil devem ser interpretadas com o cuidado necessário para se restringir o mínimo possível os interesses privados. Por que concluir que um casal não poderia se separar consensualmente sem se divorciar? A que bem maior, a que interesse social essa interpretação restritiva atenderia? A nenhum. Como a Constituição não extinguiu expressamente o direito de se separar, e considerando que a manutenção desse direito no sistema não traz mal nenhum, ao contrário, atende a um interesse do casal (motivo religioso, econômico, esperança de voltar a conviver junto) a conclusão é a de que ainda é juridicamente possível a Ação de Separação, especialmente, mas não unicamente, quando for consensual.
Comentários de leitores
2 comentários
QUEM PROCURA ACHA O BOM CAMINHO, A VERDADE!
Citoyen (Advogado Sócio de Escritório - Empresarial)
Pois é, houve momentos, desde a EC do DIVÓRCIO, que eu me dizia: você não sabe nada! __ A Lei Civil foi revogada e você ficou sem saber. __ Em outros, eu também me dizia: ih, cara, quem entende não considera a Lei de Introdução ao Código Civil, portano, ela tembém deve ter sido revogada!
Finalmente, com esse objetivo e conciso pronunciamento, vejo que QUEM PROCUROU ACHOU o que eu já tinha sustentado até mesmo aqui no Consultor Jurídico.
Os "juristas de plantão" para a mídia, já disseram de tudo, inclusive que, agora, qualquer Cônjuge podia entrar em um Cartório e sair divorciado, sem a presença do outro Cônjuge!
Era o tal divórcio potestativo, como apelidaram!
Mas o que está ocorrendo, lamentavelmente, no DIREITO, é que os "juristas de plantão", ainda que possam ser respeitados no meio acadêmico em que vivem, perderam de vista o OBJETIVO e a MENS LEGIS - eu não disse LEGISLATORIS! - e saem a compor, com qualquer texto e em qualquer condição, a melodia que suas convicções sociais determinam.
Pintam-nas com as cores do populismo, e disseminam a discórdia.
Por que, até hoje, não escreveram algo sobre a revogação do Código Civil ou da Lei de Introdução ao Código Civil, para lastrearam suas convicções?
Será que elas não eram "tão convictas" assim?
Parabéns ao Articulista, que "curto e claro", com sua Autoridade de Professor, faz um pronunciamento realístico e concreto, trazendo ao Direito sua real e consistente, além de didática, interpretação!
A separação judicial não se extinguiu e não deveria
Leopoldo Luz (Advogado Autônomo - Civil)
Pois é, professor. Nesse caso, alguns juristas, de alma essencialmente liberal,leram na norma constitucional o que queriam que estivesse escrito e não o que de fato estava.
O texto constitucional não cuida da separação judicial, mas apenas da eliminação de pré-requisito para o divórcio direto.
Impor o divórcio direto ao casal, seria, no mínimo, conduzir os milhares de casais ao ano que, separados de fato mas ainda indecisos quanto à extinção ou não do vínculo conjugal, a uma situação jurídica precária, no que concerne à sociedade conjugal.
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