Decisões monocráticas aceleram julgamentos no Rio
15 de novembro de 2010, 7h57
As estatísticas levantadas pelo Conselho Nacional de Justiça por meio do programa Justiça em Números fazem mais do que informar ao público o desempenho do Judiciário na prestação de seus serviços. Agora, os números são usados também para medir o impacto de reformas processuais no andamento das ações, o que transforma a pesquisa em uma ferramenta extraordinária a serviço do Legislativo.
A experiência veio a público com o trabalho da pesquisadora Leslie Shérida Ferraz, professora da graduação e do mestrado da Escola de Direito da FGV, a GVLaw. No livro Decisão Monocrática e Agravo Interno: Celeridade ou Entrave Processual? – A Justiça no Estado do Rio de Janeiro, a professora avalia, com base nos números do CNJ, os efeitos reais da possibilidade de relatores de recursos nos tribunais deferirem ou rejeitarem monocraticamente liminares e apelações, com base apenas na jurisprudência.
Foram as Leis 9.139, de 1995, e 9.765, de 1998, que aumentaram o poder dos relatores. Se a versão original do Código de Processo Civil, de 1973, dava ao julgador a autonomia para indeferir, sozinho, agravos considerados "manifestamente improcedentes", as novas versões do artigo 557 do CPC, dadas pelas leis dos anos 1990, permitiram que ele usasse a jurisprudência como referência tanto para negar seguimento quanto para deferir monocraticamente os pedidos.
A ferramenta tem sido largamente usada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que reduziu boa parte do seu estoque de recursos com esse método. Foi o que afirmou à ConJur o desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do TJ-RJ, em entrevista publicada em outubro. "Isso aumenta o tempo das câmaras para julgamentos em que há divergências", disse o desembargador. "Funciona como uma maneira informal de recurso repetitivo." Segundo ele, não há mais estoque em seu gabinete desde setembro graças à possibilidade de soluções monocráticas.
Esse é um dos motivos que tornam o tribunal fluminense o mais rápido do país, de acordo com o Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2010. É o que também mostra o livro de Leslie Ferraz, publicado pelo Centro de Justiça e Sociedade da GVLaw do Rio, em 2009. Segundo a obra de 96 páginas, as decisões monocráticas com base no artigo 557 cresceram 241% entre 2003 e 2008. O tempo médio de tramitação para um acórdão é de 121 dias. Já para uma decisão monocrática, é de 51 dias para Apelações e 38 para Agravos.
Isso levou a modalidade de julgamento a responder por 40% das decisões da corte em 2008, enquanto 60% foram colegiadas. Em relação apenas a Agravos de Instrumento, a quantidade de decisões solitárias é maior do que as colegiadas. A proporção é de 54% para 46%. Como o índice de recorribilidade dessas decisões é baixo — apenas um terço é contestada por agravo interno —, a maioria das demandas se encerra com apenas um voto.
Mas se proporciona maior celeridade, o método também atropela o devido processo legal. É o que criticam debatedores da pesquisa, cujas opiniões foram comentadas no livro. Fizeram parte do time de processualistas Ada Pellegrini Grinover, José Carlos Barbosa Moreira e Kazuo Watanabe, Leonardo Greco e Sérgio Bermudes. A elite contou ainda com os professores Joaquim Falcão, Mairan Gonçalves Maia Junior, Sérgio Guerra, Paulo Eduardo Alves da Silva e a própria Leslie Ferraz, além do juiz Luiz Roberto Ayoub, supervisor do Centro de Justiça e Sociedade da FGV.
Segundo eles, esse meio de julgamento causa restrições ao contraditório, não observa o princípio da publicidade — já que julgamentos de agravos contra decisões monocráticas são feitos "em mesa", sem agendamento na pauta — e ofende a transparência e a imparcialidade, por haver decisões tomadas, na verdade, por assessores dos julgadores. Além disso, de acordo com o professor Joaquim Falcão, que prefacia a obra, o índice de reversão de decisões monocráticas pelos colegiados é de apenas 1%, o que torna o agravo às câmaras uma mera formalidade, ou uma "falsa colegialidade", segundo Leonardo Greco.
Falcão chama a atenção para a importância do trabalho que, segundo ele, é uma "homenagem que a Escola de Direito-Rio faz a todos os que no Conselho Nacional de Justiça criaram e implantaram o Justiça em Números. É dessas informações que precisamos", diz o ex-conselheiro do CNJ. "É com elas que o direito processual pode cumprir seu destino: ser eficiente, a favor do devido processo legal, implantando o Estado Democrático de Direito."
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