Passado incerto

Decisões retroativas enfraquecem segurança jurídica

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11 de setembro de 2009, 20h11

Se depender dos advogados tributaristas, a recente e ainda tímida tendência do Supremo Tribunal Federal de modular os efeitos das suas decisões — isto é, estipular uma data a partir da qual o entendimento terá efeito — vai não só ganhar corpo na corte como chegar aos outros tribunais superiores. Segundo os defensores da ideia, a segurança jurídica no país depende da irretroatividade das decisões das cortes superiores. O tema foi discutido durante o primeiro dia de debates do IX Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco, que acontece entre os dias 10 e 12 de setembro em Porto de Galinhas (PE).

Segurança jurídica, nas palavras do professor de Direito Tributário Paulo de Barros Carvalho, titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é um valor definido pela característica da não-retroatividade. Essa noção é respeitada tanto pelo Executivo como pelo Legislativo, que só podem editar normas e leis que regulem o futuro, nunca o passado. O mesmo não acontece com a Justiça. “É inexplicável que o Judiciário possa modificar seu entendimento passado, contrariando o princípio da boa-fé”, indigna-se a também professora de Direito Tributário Misabel Abreu Machado Derzi.

Misabel reclama não só de decisões do STF que mudam a jurisprudência e prejudicam quem se baseava no antigo entendimento. Ela também contesta a falta de garantia daqueles que confiaram em um ato legal e, depois, viram esse ato ser descaracterizado pelo Judiciário, tendo de arcar com os prejuízos. A professora cita um exemplo. No Supremo, era pacífico que cabia o uso de créditos de IPI mesmo no caso de produtos fabricados a partir de matéria-prima isenta. Tão forte era esse entendimento que até normas legislativas iam no mesmo sentido, diz. Porém, quando a corte analisou novamente a questão, inverteu seu entendimento, atingindo todas as empresas que se valiam do crédito justamente por causa da decisão anterior do STF.

“O Judiciário também antecipa o futuro”, avalia Misabel. Paulo Roberto Lyrio Pimenta, juiz federal em Salvador, completa o raciocínio. Para ele, ao decidir, a Justiça aponta o que pode acontecer no futuro. Quando essa previsibilidade é alterada, a mudança só deve atingir casos futuros, e não aqueles que se basearam na primeira indicação.

“A segurança jurídica é decorrência do Estado Democrático de Direito”, afirma Pimenta. Misabel acrescenta: “Sem ela, há uma crise de confiança em todo o sistema, o que acaba afastando investimentos estrangeiros”.

Tempos distintos
O Judiciário está em constante renovação e, por tabela, também sua jurisprudência. Basta uma mudança de composição no STF, corte máxima do país, para que uma questão que atinja dezenas de milhares de pessoas possa ser decidida de forma totalmente contrária à que vigorava até então. Se a evolução da jurisprudência é saudável para o país, a instabilidade não. Para resolver o impasse, mais uma vez a irretroatividade das decisões é invocada.

O professor Roque Antônio Carrazza defende que o Judiciário precisa considerar o tempo de forma diferente do tempo material, regido “pelo deus Chronos”. “O tempo jurídico pertence aos homens”, afirma. Por isso, como senhor do tempo, o homem pode suspendê-lo, por meio das liminares, acelerá-lo, como no recolhimento antecipado de tributos submetidos a substituição tributária, ou ainda revertê-lo, como acontece em matéria penal, para permitir que uma lei mais benéfica retroaja. Esse controle do tempo garante a segurança jurídica.

“As leis, atos administrativos e decisões judiciais precisam ter o timbre da irretroatividade”, diz Carrazza. O professor afirma que esse “timbre” deve ser parte integrante de qualquer decisão de tribunal superior — e não só do STF — que modifica jurisprudência consolidada. “Sempre que os tribunais mudam sua jurisprudência, a decisão deve ter efeitos prospectivos ou até diferenciados.” Ele cita como exemplo de uso desses efeitos o mostrado pela corte da Alemanha que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, afirma que ela continua valendo pelos próximos dois anos, por exemplo.

Essa forma alemã de homenagear a segurança jurídica já foi copiada algumas vezes pela corte suprema brasileira. Recentemente, o STF  declarou inconstitucional a contratação sem concurso de profissionais de saúde no serviço público do Espírito Santo, mas manteve temporariamente todos os profissionais no cargo para não causar uma crise no sistema de saúde do estado. O mesmo aconteceu quando o STF considerou inconstitucional a lei que, em 1997, criou o município baiano de Luís Eduardo Magalhães. Embora a norma que colocou a cidade no mapa tenha sido anulada, o município continua a existir até que o Congresso Nacional edite uma lei segundo os parâmetros corretos.

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