Suspensão Condicional só depois da defesa preliminar
26 de março de 2009, 9h15
O instituto da Suspensão Condicional do Processo surgiu com o advento da Lei ordinária federal 9.099, de 26 de setembro de 1995, lei que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Referida lei regulamentou e operacionalizou a concretização do comando do artigo 98, inciso I, da Constituição de 1988, relativamente ao Juizado Especial de Pequenas Causas, instituindo medidas despenalizadoras e de economia processual, como alternativa à jurisdição penal, permitindo, assim, que a Justiça cuide com mais zelo dos crimes mais violentos. Tal instituto tem previsão expressa no artigo 89, caput e parágrafos 1º ao 7º da lei supramencionada.
Em linhas gerais, é cediço que, para que o acusado seja beneficiado com a suspensão condicional do processo, o delito em tese imputado deverá ter a pena mínima igual ou inferior a um ano, requisito este objetivo, abrangido ou não pela Lei 9.099/95 — ou seja, todos os delitos que disponham dessa pena mínima — e reunir as condições de não estar sendo processado ou não ter condenação por outro crime. Também devem estar presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena, a exemplo, não ser reincidente em crime doloso, dentre outros previstos no artigo 77 e incisos do Código Penal.
É de se notar que eventual processo contravencional ou até mesmo uma condenação com trânsito em julgado não teria o condão de impedir tal instituto, pois o legislador somente tratou do crime e não das contravenções. Também o fato de existir tal instituto, como já mencionado, tem um caráter despenalizador e não poderia o intérprete da norma estender sua aplicação para prejudicar o acusado, que se vê processado por uma contravenção.
Para alguns doutrinadores, como por exemplo Luiz Flávio Gomes e Ada Pelegrini Grinover, em Suspensão Condicional do Processo Penal e Juizados Especiais Criminais Comentários à Lei 9.099, de 27.09.95 — ambas as obras editadas pela Editora Revista dos Tribunais —, se trata de um direito subjetivo do acusado. Uma vez preenchidos tais requisitos, deverá receber o benefício, também chamado de direito público subjetivo, o que também compartilhamos.
Já para outros, como Fernando Capez em Legislação Especial Penal 2, esse é um pedido que deve ser feito exclusivamente pelo Ministério Público, não podendo haver imposição de ofício pelo juiz, pois implicaria em ofensa ao princípio da inércia jurisdicional, colocando o magistrado na posição de parte. Assim, não seria um direito subjetivo do réu.
Ainda de acordo com o dispositivo legal supramencionado, após o juiz receber a denúncia — e aceita a proposta pelo acusado e defensor —, este poderá suspender o processo, submetendo o acusado ao período de prova, qual seja o período de dois a quatro anos, bem como nas condições da proposta, podendo ainda o magistrado especificar outras de acordo com a realidade fática e a situação pessoal do acusado.
É mister trazer uma breve passagem do ilustre doutrinador Damásio E. de Jesus em Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, atualizada de acordo com a Lei 10.259, de 12/07/2001, página 115: “Na suspensão provisória do processo não há apreciação judicial do mérito da acusação, sobrestando-se o feito, em regra, no pórtico da ação penal, quando do recebimento da denúncia”.
Poderíamos aqui relacionar inúmeras páginas sobre este instituto, pois sabemos que o tema não se esgota apenas em breves conceitos aqui trazidos. Para não fugirmos do assunto, passamos analisar a questão da sua aplicação em face da nova sistemática processual trazida pelas Leis 11.719/08 e 11.690/08, em especial na Lei 11.719, de 23 de junho de 2008.
A Lei ordinária federal 11.719, de 20 de junho de 2008, trouxe algumas alterações no que tange aos artigos 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 538 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e acrescentou o artigo 396-A.
O cerne da questão está evidenciado nos artigos 396, bem como no artigo 399, pois restaria saber qual o momento em que a denúncia seria efetivamente recebida, para assim, determinar a citação do acusado e posteriormente designar a audiência de suspensão condicional para os casos em que couber.
Em um primeiro momento, poderíamos dizer que a denúncia seria recebida quando não ocorresse uma das hipóteses dos incisos do artigo 395. Porém, após a leitura do artigo 396, é possível concluir que se houvesse o recebimento da denúncia, este seria liminar, sendo apenas para determinar a citação do acusado, que deverá responder a acusação que lhe é imputada no prazo de até 10 dias. Este é o novo prazo para a defesa prévia, ou preliminar, conforme dispõe o artigo 396-A, e tal defesa teria o condão de impedir o recebimento da denúncia, facultando à defesa a arguição de tudo que lhe interessar, juntando documentos e justificações, na tentativa de obstar a formação de um processo contra o suspeito, que poderíamos até chamar de investigado ou indiciado, pois ainda não houve tecnicamente o recebimento da denúncia.
Isso nos parece mais lógico no processo, pois após a apresentação da defesa prévia e analisando o artigo 397 e 399, o juiz poderá absolver sumariamente. Se, porém, receber a denúncia, designará a audiência una, nos termos do artigo 400 do CPP, em 60 dias para o procedimento ordinário e 30 para o procedimento sumário, assim iniciando a “persecutio criminis in juditio”.
Mas onde entraria a audiência de proposta de suspensão condicional do processo, prevista na Lei 9.099/95? No momento do artigo 396 e antes da resposta escrita? Ou após a resposta escrita e depois do recebimento previsto no 399?
Vale ressaltar que antes do advento da Lei 11.719/2008, quando oferecida à denúncia com proposta de suspensão condicional do processo, havia o recebimento da denúncia, a citação do réu e a sua intimação. Ocorrida a audiência de proposta de suspensão condicional do processo e, em caso de não aceitação, se procedia o interrogatório do acusado.
Alguns juízes faziam somente a proposta de suspensão e outros a faziam apenas após o interrogatório, seguindo o rito, na intenção de ouvir a versão do réu para o caso de ele foragir. Dessa forma, o defensor poderia, ao menos, saber qual seria a sua tese defensiva.
Alguns doutrinadores acreditam haver somente o recebimento da renúncia quando analisada a admissibilidade da acusação, ou seja, após a resposta escrita, por ocasião do artigo 399 do CPP, o que também comungamos.
Já outros entendem que isso deve ocorrer no momento do artigo 396, pois acreditam que o legislador não utilizaria o termo "recebê-la-á" no artigo 396 do CPP se não fosse para o recebimento legal da peça, e não meramente físico. Isso é reforçado pelo argumento de que haveria um erro de interpretação no artigo 399, o que não nos parece correto entender. Se entendermos assim, teríamos de chamar a defesa preliminar ou defesa prévia de alegações finais da defesa, pois qual seria a outra finalidade desta peça senão a de impedir o recebimento da denúncia e evitar um desgaste pessoal e processual para o suspeito e para o Estado, que poderia se preocupar com delitos de maior gravidade?
Outros também sinalizaram pela possibilidade de recebimento nos dois momentos, sendo ambas suficientes para interromper e recomeçar a contagem do prazo prescricional. Porém, também não compartilhamos dessa idéia, já que seria prejudicial ao acusado, o que também convém abordar em outra oportunidade.
A interpretação que nos parece mais razoável, até mesmo para o cabimento da suspensão condicional do processo, seria um recebimento “liminar”, nos termos do artigo 396, apenas para citar o investigado a apresentar sua defesa preliminar e tentar obstar, assim, o recebimento da peça acusatória. Não obstada, sendo esta recebida, a ação penal teria início, e o agora acusado seria intimado para participar da audiência de proposta de suspensão condicional do processo. Ela poderá ser feita antes do prazo da audiência una, ou até mesmo na própria audiência, mesmo não havendo tal previsão. Em se tratando de direito subjetivo do acusado, prejuízo algum traria ao processo.
Nesse sentido, é mister trazer os julgados do Supremo Tribunal Federal: RHC 7.796, 5ª Turma, rel. Ministro Gilson Dipp, j.3-9-1998, DJU, 28 de setembro de 1998, p.85 e STF, plenário; e HC 74.305, j.9-12-1996, rel. Moreira Alves, informativo STF, 57:1 e 3, 18 dez. 1996. Uma das finalidades da Lei 9.099/95 é desviar o processo do rumo da pena privativa de liberdade. É possível, em qualquer momento posterior à denúncia e antes da sentença com trânsito em julgado, a admissibilidade do sursis processual.
Por outro lado, se o investigado ou suspeito for submetido à audiência de proposta de suspensão condicional do processo sem que lhe seja dada a oportunidade de apresentar sua defesa preliminar, além de contrariar os preceitos processuais, isso cercearia o direito subjetivo do então acusado, que ficaria impedido de utilizar sua defesa preliminar em troca do instituto em tela. Poderia até mesmo, com a defesa, impedir a ação penal e não precisar se submeter ao longo período de dois a quatro anos, de acordo com a gravidade do delito.
Portanto, também somos da corrente do respeitável Paulo Rangel — Direito Processual Penal, 15 ed. rev. ampl. e atual. RJ, Lumen Juris Editora, 2008. p. 495 —, que menciona haver o recebimento da renúncia quando analisada a admissibilidade da acusação, ou seja, após a resposta escrita, por ocasião do artigo 399 do CPP e não na do artigo 396, apontada por outra parte da doutrina.
Assim, entendemos que a audiência de proposta de suspensão condicional do processo deverá ser realizada após a apresentação da defesa prévia e não antes, ocasião em que o magistrado poderá afirmar também que não estão presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a absolvição sumária. Antes de designar a audiência una, procederia com a proposta de suspensão, salvo se o acusado já houvesse se manifestado por escrito na defesa preliminar pela não aceitação da proposta.
Acreditamos que essa forma seja mais benéfica para o acusado apresentar sua defesa escrita e ser absolvido sumariamente, do que, como já dito, se submeter a eventual período de prova por até quatro anos.
Devemos lembrar também que, para suspender o processo, é necessário que ele exista, e como nos declinamos pelo momento do artigo 399, nos parece razoável a designação de audiência de proposta de suspensão após esse efetivo recebimento da denúncia.
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