Auxílio-voto

CNJ usa dois pesos ao criticar TJ-SP e não o STF

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29 de maio de 2009, 12h40

O auxílio remuneratório de qualquer espécie não regulado em lei aos magistrados é ilegal a todas as luzes, como ilegal é o status que o suportou materialmente no caso do “auxílio-voto” da Justiça de São Paulo — convocações fora de toda previsão legal e constitucional, conforme se pode verificar no artigo 107 da Lei Orgânica da Magistratura, e o artigo 95, parágrafo único, incisos I e IV, da Constituição Federal.

No entanto, tais ilegalidades que não se apagam pelo fato das circunstâncias conjunturais — e são todas elas apenas circunstâncias de um fato injurídico que não se pode legitimar magicamente. São reflexos de outras tantas que partem da “exemplaridade” das cúpulas. O próprio Supremo Tribunal Federal inventou um tal tipo de requisição — a que eu denomino de insólita[1] — na forma do que "preceitua" a Emenda Regimental 22/07, pelo que se assegurou a possibilidade de requisitar juízes para funções de "auxílio" junto aos gabinetes dos senhores ministros da Suprema Corte.

Ora bem, como condenar o Tribunal de Justiça de São Paulo sem condenar-se o Supremo também? Afinal, se é de Estado de Direito que estamos a cogitar em nossa quadra, comporta submeter-se ao seu próprio Ordenamento Jurídico, sistema que o define como uma unidade de sentido, como um corpo normativo que não admite "antinomias” (no sentido de Norberto Bobbio), orgânico e temporal.

O pagamento ou não de remuneração específica é apenas um corolário desse fenômeno. Lá no Supremo também, embora não se conheça pagamento de vantagens específicas, certamente se bancam os juízes contemplados com as tais requisições insólitas com diárias e ajudas de custo, porque do contrário não poderiam se manter no Distrito Federal durante o tempo, geralmente indeterminado, para o exercício regimental de funções de "Juiz Auxiliar" de ministro. E como essas diárias e ajudas de custo constituem ônus do Erário para fim diverso do que a lei pontifica, logo se vê que há idêntica ilegalidade nesses desencaixes do dinheiro público.

Agrava que os espaços anteriormente ocupados por aqueles que costumam ser agraciados pelo fisiologismo clientelista das assim denominadas requisições insólitas, cuja etiologia inusitada tampouco permite a construção de uma criteriologia, sobre continuarem regularmente remunerados (requisições sem prejuízo de vencimentos e vantagens etc), acabam sendo supridos por outros tantos magistrados que passam a suportar uma carga redobrada de serviço e para o que já não são remunerados.

Se esse quadro, pois, não constituir uma grave injustiça funcional, uma verdadeira distorção do sistema público conducente à inconstitucionalidade, então nada mais o será, e viva o Brasil.

Sobre isso, a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil já foram instados a se pronunciar sobre a possibilidade de dedução, a seu juízo, de uma Ação Direta Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) da norma regimental em foco, que traduz uma manifesta inconstitucionalidade e gera uma grave distorção no serviço público judicial brasileiro.

Esse quadro, aliás, parece realmente contraditório, tumultuário, capaz de erodir o sistema jurídico interno e prorromper um sem número de crises institucionais, consoante se verifica do atual momento vivenciado pela Justiça bandeirante.

Cumpre advertir à imprensa, sobretudo, que não se deve tomar o senhor presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo — ordenador de despesa — como o “bode expiatório” da vez. Essa atitude fica mal aos acusadores em face do caráter seletivo da imputação, dado que situações semelhantes não têm sido igualmente pilhadas por alguma razão.

Aliás, o Conselho Nacional de Justiça, desde cedo, insiste que não lhe cabe a responsabilidade de fiscalizar os atos administrativos e de gestão financeira do Supremo Tribunal Federal e de seus ministros. Expedientes há, no seu âmbito de atuação, em que seu pronunciamento foi no sentido de obstar o exercício do controle externo porque a jurisdição do Supremo já terá sido provocada ao mesmo tempo (p.ex.: PCA 631). O CNJ, desse modo, ignorou a autonomia da tripla esfera de responsabilidade jurídica (criminal, funcional e patrimonial). Em sua óptica, o STF e os seus ministros são infensos ao controle externo preconizado pela Constituição Federal que, aliás, não faz acepção de instância e nem excepciona juízo algum (art. 103-B, § 4º).

Então, pode-se concluir que, na prática, temos pelo menos duas ordens constitucionais igualmente ativadas no sistema jurídico brasileiro, sendo que os congressistas, quanto a isso, nada ou pouco fazem. Antes, ouvem muito positivamente as sugestões que vem do outro lado da Praça dos Três Poderes até para sugerir-lhes indicações subjetivas que lhes competem com exclusividade, porque, afinal, são julgados pelo Supremo nos seus crimes comuns (art. 102, inc. I, al. "b", da Carta Política).

A história republicana brasileira é mesmo uma ciclotimia de contradições e reciprocidades, nada obstante os seus atores de momento. As crises que derivam do avanço, ainda que envergonhado, do Conselho Nacional de Justiça — que não é o que deveria ter sido, segundo a sua concepção de servir a um autêntico controle externo, social e democrático do Poder Judiciário entre nós —, traduzem apenas a ponta de um imenso iceberg que, desvelado, abalará as estruturas de nossa tradição tupiniquim, e por cujas fissuras os novos ventos da liberdade e da participação popular poderão, enfim, vicejar, consoante o prorromper de um amanhã realmente republicano e sério.

Por enquanto, continuamos em “banho-maria” cívico.

Que Deus salve o Brasil! Louvado seja Deus!


[1] http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/emenda-stf-invade-competencia-poder-legislativo

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