Vínculo trabalhista

Contratos com médicos e a relação de emprego

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24 de julho de 2009, 15h18

Antes do advento da Lei de Planos de Saúde, que passou a ter vigência a partir de janeiro de 1999, as empresas que já exploravam este mercado corriam o risco de ver reconhecido, pelo Poder Judiciário trabalhista, uma verdadeira relação de emprego entre o médico credenciado e a empresa. A Lei Federal 9.656/98 trouxe algum embasamento, ainda que não explícito, que começou a dar outros contornos à contratação referida, já que passou a mencionar termos como o de rede credenciada, indicando, ainda que superficialmente, que a relação entre operadoras de planos de saúde e médicos credenciados tinha, assim como tem, natureza essencialmente civil.

Mas foi com a publicação da Resolução Normativa 71, de 17 de março de 2004, que a questão começou a ser devidamente esclarecida. Isso porque a Agência Nacional de Saúde Suplementar passou a regular a relação ora comentada, estabelecendo, por meio desta norma, os requisitos dos instrumentos jurídicos a serem firmados entre as operadoras de planos privados ou seguradoras especializadas em saúde e profissionais de saúde ou pessoas jurídicas que prestam serviços em consultórios.

Com efeito, vejamos o artigo 2º da Resolução 71:

Art. 2º Os instrumentos jurídicos de que trata esta Resolução Normativa devem estabelecer com clareza e precisão as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, aplicando-se-lhes os princípios da teoria geral dos contratos, no que couber.

Referido artigo já deixa claro que deverá ser utilizada na elaboração destes contratos as normas de teoria geral do contrato, devendo, portanto, os instrumentos serem redigidos com lastro nas normas aqui tratadas e também nas diretrizes e previsões do Código Civil Brasileiro, afastando, desta forma, de um modo geral, qualquer relação de emprego, regulada pela Consolidação das Leis Trabalhistas ( CLT ), na contratação de médicos credenciados pelas empresas operadoras de planos de saúde e seguradoras.

Ainda que, a princípio, se vejam configurados e presentes os requisitos do artigo 3º da CLT (Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário), temos que alguns detalhes desta relação contratual serão fundamentais para que as normas trabalhistas não incidam nesta forma de contratação.

O artigo 3º da CLT prevê como requisitos necessários para a configuração da relação de emprego a prestação de serviços realizada por pessoa física, mediante subordinação, pessoalidade, habitualidade e o pagamento do salário. Assim, quem superficialmente analisa a relação médico credenciado — operadora de plano de saúde pode, eventualmente, enxergar aí uma verdadeira relação de emprego celetista.

E isso porque os requisitos, apenas aparentemente, estão presentes. É inegável que a prestação de serviços se dá por pessoa física, nos casos ora tratados. E há uma relativa subordinação do médico para com a operadora já que esta já possui forma rotineira de trabalhos à qual, normalmente, o médico, deve se adaptar, sob pena de ver seu contrato rompido de forma unilateral pela empresa, o que é possível nos termos da própria norma aqui tratada. Não se pode esquecer também que o próprio fato da empresa ser a remuneradora já cria uma situação, na maioria das vezes, de dependência do profissional médico.

Contudo a subordinação, nos termos das leis trabalhistas, fica afastada pela própria autonomia que o médico tem de, por exemplo, fazer a sua agenda por meio de secretária própria ou, ainda que atenda em centros clínicos da própria operadora, por meio da secretária do próprio plano de saúde, desde que esta respeite os comandos do médico credenciado, o que é relevante ser observado pelas empresas do ramo para que estas não imponham, de uma forma ou de outra, a sua agenda ao médico, segundo suas conveniências. E, mais, o médico pode, independentemente de justificativa, recusar o atendimento a este ou àquele paciente usuário da operadora ao qual está vinculado, por questões ou conveniências próprias, sem que a isso possa opor a operadora, o que afasta também a subordinação pura ocorrida nas normais relações de empresa.

E não podemos negar o fato de que a prestação de serviços também se dá de forma não eventual havendo mesmo médicos que, ainda que contratados com cláusula de não exclusividade, por questões de mercado ou mesmo por opção própria, prestam serviços para apenas uma operadora de planos de saúde. Ocorre que esta não eventualidade também não configura, por si só, e pelos argumentos também já postos no presente trabalho, relação trabalhista. Importante, nestes casos, até para cumprirem o determinado pelo artigo 2º, inciso VII, letra f, da Resolução 71, que as operadoras revejam seus contratos para que façam constar dele, expressamente, que não há exclusividade na relação contratual, ficando o profissional médico livre para ser contratado ou firmar contratos com outras operadoras. Aliás, a não inclusão desta cláusula sujeitará, as operadoras, não somente às multas previstas pela ANS no caso de descumprimento das regras previstas na Resolução 71, mas, também, à possibilidade do Poder Judiciário trabalhista reconhecer, num ou noutro caso, a existência de relação de trabalho regulada pela CLT.

Não afastemos o fato de que também há a remuneração direta pela operadora ao profissional médico sendo que independentemente do nome que se confira a este pagamento (salário, honorários, vencimentos etc.), a regra prevista na Resolução 71 afasta, por qualquer ângulo que se avalie, qualquer relação trabalhista entre médico e empresa.

Importante e fundamental, pois, que as empresas sigam as seguintes recomendações para que não fiquem sujeitas a processos trabalhistas movidas por aqueles profissionais ou, em havendo ajuizamento de ações neste sentido, que tenham fundamentos jurídicos que possam efetivamente embasar sua defesa de modo a convencer o juiz do processo:

a) mantenham contrato escrito e com observância à Resolução Normativa 71 com todos os profissionais médicos — pessoa física — credenciados;

b) cumpram, de fato, o que consta do contrato, permitindo que o médico elabore ou controle a sua agenda;

c) cumpram, de fato, a cláusula de não exclusividade, se abstendo de impedir que o profissional médico possa eventualmente firmar contratos com outras operadoras ou empresas de segura saúde.

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