Contribuição indeviva

Decreto que onera aviso prévio é inconstitucional

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19 de janeiro de 2009, 10h59

Através do Decreto 6.727 o presidente da República resolveu que o aviso prévio indenizado passa a ter incidência das contribuições previdenciárias. Com isso onera mais as demissões sem justa causa para manter empregos.

Ainda que à primeira vista a intenção seja muito boa, trata-se de mais um dos enormes equívocos que o Poder Executivo comete.

Esse decreto é inconstitucional e não resiste a qualquer exame perante o Judiciário. O nosso Presidente é inteligente e protegido dos deuses.

Não por acaso ele é o supremo mandatário da Nação. Mas os mandantes somos nós, o povo, desde o milionário que deu o golpe na bolsa de valores ou o cidadão humilde que depende da assistência oficial para comer. Lula representa todos os brasileiros, mesmo os que nele não votaram, mas não é o nosso Rei. Seu poder tem limites e ele sabe disso.

Deve o Presidente fazer uso de seus poderes e dispensar o seu Ministro da Fazenda, cuja assinatura está no mesmo documento, pois a este não favorece qualquer atenuante. Um torneiro mecânico que não lê jornais pode assinar qualquer coisa, mas isso não se permite a um professor universitário. Talvez o presidente devesse dispensar também o Ministro do Trabalho, aparentemente o inspirador da “coisa”…

O decreto não passou pelo exame da assessoria jurídica do governo que, ao que parece, ainda está em férias….

Diz o malsinado decreto:

 “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e na Lei no 11.457, de 16 de março de 2007, DECRETA:

Art. 1  Ficam revogados a alínea “f” do inciso V do § 9o do art. 214, o art. 291 e o inciso V do art. 292 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999.

Art. 2o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.”

 O decreto 3.048/99 – Regulamento da Previdência Social – no artigo 214, parágrafo 9º, inciso V, alínea “f”, — (a primeira norma que se diz revogada) — garante que não integra o salário de contribuição o aviso prévio indenizado, ou seja, sobre tal verba não incidem os encargos sociais, nem para o trabalhador, nem para as empresas.

 Já o artigo 291 do mesmo Regulamento da Previdência Social, trata apenas de atenuante face a possível penalidade aplicada ao contribuinte e o inciso V do artigo 292 do RPS trata apenas de redução de multas.

Vê-se, portanto, que enquanto o primeiro dispositivo (artigo 214) cuida da questão da incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio, os demais pretendem agravar penalidades e excluir atenuantes. Ou seja: passa a ser exigida contribuição que estava fora da incidência e pretende que seja mais gravemente punido quem não concordar com isso…

Ao invocar o artigo 84, inciso IV da Constituição para tentar encontrar amparo para o decreto, comete-se outro erro. O texto constitucional diz presidente só pode regulamentar leis, não alterá-las. E o decreto 3.048 é o regulamento da lei previdenciária. Decretos presidenciais podem servir para nomear Ministros, liberar verbas do orçamento, declarar guerra, etc., mas não podem alterar leis.

O caput do decreto 6.727 diz que ele foi feito tendo em vista o disposto na Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, e na Lei 11.457, de 16 de março de 2007.

 Ora, se houvesse necessidade de modificar a lei, isso teria que ser feito por projeto de lei, não por decreto. Portanto, o decreto não foi baixado tendo em vista o texto da lei, mas ao arrepio dessa lei.

A Lei 11.457/2007 trata apenas da Administração Tributária, nenhuma referência fazendo ao aviso prévio. Refere-se apenas à questão de multas e a possibilidade de sua eventual dispensa ou redução. Quanto às multas, o decreto também é ilegal e inconstitucional, pois multas não podem ser confiscatórias.

Embora a Constituição (artigo150, IV,) faça referência apenas ao tributo quando proíbe sua cobrança com efeito de confisco, a jurisprudência e a doutrina entendem perfeitamente aplicável às multas o mesmo princípio. Tal questão já foi examinada em outro artigo aqui no Consultor Jurídico, quando mencionamos a decisão do TRF-1 (DJU de 20/8/99):

 “A multa, a pretexto de desestimular a reiteração de condutas infracionais, não pode atingir o direito de propriedade, cabendo ao Poder Legislativo, com base no princípio da proporcionalidade, a fixação dos limites à sua imposição. Havendo margem na sua dosagem, a jurisprudência, com base no mesmo princípio, tem, no entanto, admitido a intervenção da autoridade judicial.”

Esse decreto é tão absurdo, tão ilegal, tão visivelmente inconstitucional, que a Receita Federal encarregou de divulgá-lo um assessor que de forma equivocada afirmou que o decreto seria para “facilitar o trabalho de arrecadação” e para “harmonizar a legislação previdenciária com a legislação tributária”. A arrecadação vai bem, obrigado, e a Receita Federal é muito eficiente nisso, como o demonstram os sucessivos recordes de arrecadação. Se cair, não será por falta de “trabalho de arrecadação” mas por eventual queda do PIB, que não se aumenta com multas e decretos ilegais, mas com redução de impostos , com diminuição de juros e outros mecanismos de incentivo, não de punição.

A legislação tributária, por outro lado, sempre tratou como isento o aviso prévio indenizado até para efeito de imposto de renda, como se vê no Regulamento (Decreto 3.000, artigo 39, XX).

O aviso prévio indenizado é uma indenização pela perda que o empregado sofre com a despedida imotivada. Indenizações, como regra, não se sujeitam a encargos, posto que não são remuneração, lucro ou ganho de capital. Servem para recompor o patrimônio que foi afetado. Isso é que justifica a não cobrança de tributos e contribuições previdenciárias sobre as indenizações pagas a ex-presos políticos, as decorrentes de sinistros, as relativas a desapropriações, danos morais, etc.

Louve-se a preocupação de toda a sociedade e especialmente do presidente da República, com a questão do desemprego. Mas isso não pode ser usado para facilitar o trabalho de arrecadação ou resolver o problema de caixa da previdência social ou do sistema de seguridade social. Para cobrir esses gastos existem as contribuições (PIS, Cofins, CSSL).

O que poderia ajudar o fluxo de caixa da previdência seria a venda dos ativos inúteis do INSS, como, por exemplo, os prédios abandonados, um deles aqui em São Paulo, na Avenida Nove de Julho, em pleno centro da cidade.

Tentar punir a empresa que está cumprindo a lei é uma besteira sem tamanho. Dizem que muitas lucraram demais, mas isso é bom. Se exploram o trabalhador, deve o poder constituído adotar medidas de proteção, aumentando o salário mínimo, por exemplo.

A previdência e a seguridade no Brasil sempre tiveram problemas e sempre terão, mas não por causa do aviso prévio. Vejam-se as fraudes, os desvios, os prédios suntuosos, os gastos excessivos do poder público, os cargos de confiança para acomodar incompetentes ou gente que perdeu a eleição, etc.

Já passou da hora de se fazer uma reforma previdenciária verdadeira. Um bom começo seria acabar com aposentadoria por tempo de serviço, ficando apenas as de idade e invalidez. Também seria útil fazer o pessoal do INSS levar o trabalho a sério, o que poderia reduzir os mais de 5 milhões de processos na Justiça apenas para reclamar da previdência.

Outra idéia que o presidente poderia adotar seria proibir a contratação de funcionários públicos aposentados. Se já recebem boa aposentadoria (alguns possuem mais de uma…) deveriam ceder o lugar para concursados.

O anúncio do decreto deveria ser feito pelo ministro ou por um secretário geral. Colocar um assessor para isso foi mais uma maldade que chefes fazem com subordinados.

Foi ridícula a afirmação de que se poderia cobrar retroativamente a indevida contribuição. Tudo bem que alguém não leia jornal, mas qualquer do povo tem o dever de ler a Constituição, que proíbe cobrança retroativa. Mesmo que a empresa tenha despedido empregados poucos dias antes, isso é o chamado “ato jurídico perfeito”, que nem mesmo a lei pode modificar…

Também é falsa a afirmação de que, ao liberar parte dos depósitos compulsórios para os bancos, o governo os teria beneficiados. Isso nada tem a ver com as dispensas de funcionários de determinado banco, por exemplo, pois empresas que adquirem outras visam lucros e estes são tributados regularmente. Ao reduzir IPI, não se deu dinheiro a empresas, mas apenas se permitiu a redução do preço do produto. Por isso é que os veículos novos estão um pouco mais baratos.

Cortar vagas de trabalho temporário é inerente a esse sistema de contratação, que a lei permite e regula. O trabalhador temporário sabe que pode se tornar efetivo, mas não existe nenhuma obrigação em relação a isso. Temporário, senhores assessores, é o que tem limite no tempo. Estáveis, por enquanto, são só os funcionários públicos e isso deve acabar um dia, embora seja razoável que se garantam meios de defesa para evitar a politicagem rasteira que nas estatais permite dispensar concursados celetistas para a acomodação de apadrinhados.

Essa mania idiota de encarar trabalhadores como coitadinhos não faz mais sentido hoje. Ressalve-se o caso do trabalho escravo, crime já atribuído até mesmo a alguns integrantes dos poderes constituídos, banqueiros, fazendeiros e usineiros e que vem sendo seriamente combatido no país.

Os trabalhadores hoje são bem mais informados. Podem ignorar muitas coisas, podem não ler jornais, mas conhecem os seus direitos. Para isso é que existem os sindicatos, os sindicalistas e os meios de comunicação de massa. Aliás, já existem até alguns que se transformam em reclamantes profissionais, contando com a cumplicidade de juizes acomodados, que pensam que a justiça do trabalho é simples balcão de negócios onde apenas se deve fazer acordo.

Em vez de tentar xingar os empresários, criticar os advogados, desqualificar os jornalistas, seria mais prudente que as autoridades, num raro momento de lucidez e humildade, reconhecessem que erraram. O Presidente não é Rei, nem Papa. Tem o direito de errar e o dever de dizer ao Ministro que o levou ao erro, parafraseando o filme “Tropa de Elite”: pede para sair.

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