Espírito de barbárie

Congresso Nacional superlota prisões

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25 de dezembro de 2009, 8h29

Instituir crimes para condutas socialmente reprováveis é papel do Congresso Nacional, tanto quanto dosar proporcionalmente a quantidade e tipo de pena a ser imposta aos condenados por práticas delituosas.

Os direitos não nascem em árvores. Menos ainda os deveres prestacionais do Estado, dentre os quais o da segurança pública a abrigar uma série de atividades estatais que implica gastos elevados, constituindo parcela importante do orçamento na alocação de recursos humanos e logística para enfrentar a criminalidade.

Sendo assim, indaga-se: por que o Brasil é tão pródigo em instituir crimes e estabelecer penas privativas de liberdade? Será por que os parlamentares ciosos cada vez mais de aparecerem bem nas telas das TV’s e dos computadores desconfiam que os juízes são benevolentes e mandam pouca gente para o cárcere, adotando medidas alternativas ao aprisionamento e privação da liberdade?

Pode parecer desalentador saber que muitos criminosos progridem de regime prisional após o cumprimento de 1/6 da pena, passando do regime fechado para o semi-aberto e deste para o regime aberto. Em se tratando de crimes hediondos ou equiparados, como tráfico de drogas, o tempo para progressão varia de 2/5 a 3/5, conforme o condenado seja ou não reincidente.

O Congresso Nacional acaba de tornar mais rígida a progressão de regime prisional. Se tal projeto – que reúne o PLS 30/2008 e PLS 421/2008 – vier a ser aprovado e depois sancionado pelo Presidente da República, o apenado somente poderá progredir de regime após o cumprimento de, pelo menos, 1/3 da pena. Isso é justo? Em tese parece que é. Pois, quanto mais recluso mais o preso tem oportunidade de estudar e trabalhar. Sabemos que os estabelecimentos prisionais estão competindo fortemente com as universidades e escolas técnicas…

Também parece coerente o projeto de lei (PLS 227/09) de autoria do Senador Gerson Camata, que restabelece a pena privativa de liberdade para o usuário de drogas.

O único problema em tais proposições legislativas é que os senhores e senhoras parlamentares não se preocupam muito com o tamanho do gasto público e com a efetividade das medidas adotadas. De onde sairá tanto dinheiro para abrigar mais e mais presos e apenados por tempo redobrado? Talvez seja o caso de cortar as verbas da educação. Ou mesmo de transferir de vez o sistema educacional para dentro dos estabelecimentos prisionais.

E quanto ao restabelecimento da pena privativa de liberdade para o usuário de drogas, que tal cortar a verba anunciada – apenas anunciada após mais de uma década que o governo federal discursa sobre prevenção e redução de danos em matéria de drogadição – de cerca de R$ 100 milhões e mandá-la direto para os estabelecimentos prisionais?

O fato é que os congressistas, salvo honrosas exceções, estão a reboque das manchetes de jornais. Em vez de uma discussão aprofundada que vá à raiz dos problemas dessa sociedade consumista e desigual, preferem sempre e sempre aplicar o velho veneno de mais penas, mais cadeia, a incrementar o espírito de revolta, de incivilidade, de barbárie que se apodera dos campos de concentração institucionalizados por uma política criminógena e nem um pouco racional.

Sei que estas palavras são escritas em vão. Muita gente mais abalizada do que este humilde articulista já se debateu sobre as mazelas do sistema criminal.

Com relação ao tráfico de drogas, com a devida vênia de Antonio Maria Costa, diretor-executivo do escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), gostaria muitíssimo de ser convencido por argumentos fundamentados na realidade latino-americana de que a guerra às drogas e suas variantes mais ou menos repressivas, com ou sem prisão de usuários, representa a única saída legítima.

Entre acreditar na inevitabilidade da guerra às drogas apregoada em tom diplomático por Maria Costa e na infalibilidade do papa, eu prefiro esta última. Pelo menos, quem sabe, a gente assegure um lugarzinho no purgatório antes que o Congresso Nacional com a cumplicidade da ONU transforme tudo num inferno de almas e corpos apenados.

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