Torre de Babel

AGU processa advogado que criticou chefe argentina

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31 de outubro de 2008, 23h00

Um advogado da União se deu mal ao reclamar na Justiça da sua chefe. Por conta da grita, a Advocacia-Geral da União abriu procedimento administrativo contra ele. Recentemente, o juiz Enio Laércio Chappuis, da 22ª Vara Federal do Distrito Federal, concedeu liminar para suspender o processo. O juiz considerou que o advogado não foi intimado quando da instauração do processo administrativo contra ele e não poderia ir às audiências porque está se recuperando de duas cirurgias.

Tudo começou quando o advogado da União, que atua em São Paulo, contestou administrativamente a criação de cargos de chefia não previstos na lei orgânica da AGU, nas legislações que regulam o órgão e nas normas internas. Ele também relatou situações que chamou de abuso de poder. Sem sucesso, foi para a Justiça. A AGU reagiu e abriu procedimento contra ele sob a seguinte alegação: ter se referido desrespeitosamente à superior ao dizer que ele não entende o que ela fala — a chefe é argentina naturalizada brasileira.

O advogado, então, de autor passou para réu. Ele pediu Mandado de Segurança para trancar o Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Alegou não ter sido notificado quando foi instaurado o processo. Disse também que não podia comparecer às audiências porque estava de licença médica e que não praticou qualquer ato que justificasse o PAD. O que ele fez foi relatar “situações práticas de usurpação de poder”, disse.

A nulidade motivada pela falta de intimação e da dispensa da audiência por motivo de doença foi fundamentada na Constituição Federal (princípio da ampla defesa) e no Código Civil (o artigo 217 livra o doente em estado grave de ser citado). “Nula de pleno direito a notificação da data de realização da audiência, nulidade essa insanável, pois configurada pela ausência de comunicação legal acerca da existência e conteúdo do processo, fato que macula inexoravelmente a comunicação para comparecimento do acusado às audiências”, afirmou a defesa.

“A inexistência de intimação da instauração do PAD, que em verdade corresponde à citação, impede a correta instalação da relação jurídica processual, impedindo o exercício da ampla defesa, garantia constitucional”, argumentou.

Para justificar o suposto ato de indisciplina, a defesa do advogado da União trouxe para o processo os incisos IV e VI, do artigo 5º, da Constituição Federal, que tratam da livre manifestação do pensamento e liberdade de consciência, e o Estatuto do Idoso (o advogado da União tem 67 anos), que, no artigo 10, parágrafo 1º, inciso II, diz: “É obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: opinião e expressão”.

Outra alegação foi a de que a Advocacia-Geral da União desrespeitou o Decreto 4.553/02, que dispõe sobre a preservação de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública federal.

Isso porque a comissão responsável pelo processamento do PAD violou o sigilo tanto do procedimento correcional contra a chefe do advogado da União como o Processo Administrativo Disciplinar por deixar disponível na internet dados de ambas ações, diz o advogado. O artigo 5º, parágrafo 3º, do Decreto 4.553/02 diz que “são passíveis de classificação como confidenciais dados ou informações que, no interesse do Poder Executivo e das partes, devam ser de conhecimento restrito e cuja revelação não-autorizada possa frustrar seus objetivos ou acarretar dano à segurança da sociedade e do Estado”.

“Diante dessa ilegalidade, o nome e a condição de acusado do impetrante vem circulando há meses na rede mundial de computadores, face do descuido da comissão, causando situações vexatórias e constrangedores”, observou a defesa.

A tese de defesa ainda foi baseada nos parágrafos 2º e 3º, do artigo 10, do Estatuto do Idoso, segundo o qual “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

O juiz Enio Laércio Chappuis não entrou no mérito dos argumentos por se tratar de análise de liminar, mas reconheceu que o processo administrativo deveria ser suspenso para garantir o contraditório e a ampla defesa. O PAD fica pendente até que o advogado da União volte ao trabalho, seja intimado e compareça às audiências. A aplicabilidade do Estatuto do Idoso para o caso discutido será analisada no julgamento do mérito do pedido de Mandando de Segurança.

A Advocacia-Geral da União disse que ainda não foi intimada da decisão do DF.

Processo 2008.34.00.030684-1

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