Abuso das escutas

É necessária uma readequação judicial dos grampos telefônicos

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23 de maio de 2008, 17h22

A regra geral no Direito brasileiro é a inviolabilidade do sigilo das comunicações, que pode ser quebrada, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses e na forma que a lei estabelece.

O juiz precisa perceber indícios razoáveis da autoria e da participação do investigado em infração penal. Além disso, para a quebra de sigilo, a interceptação telefônica deve ser imprescindível às investigações, por impossibilidade de outros meios disponíveis.

Como não poderia deixar de ser, a lei exige uma investigação detalhada, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados. Por outro lado, os juízes são obrigados, pela Constituição, a fundamentar suas decisões, sob pena de nulidade.

A enxurrada de requerimentos feitos pela autoridade policial e pelo Ministério Público atenuou o rigor legal, a ponto de chegarmos a 409 mil escutas em 2007, segundo dados da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga os casos — a CPI do Grampo.

Infelizmente, essa banalização teve aprovação do Poder Judiciário, identificando-se, inclusive, inúmeros pedidos de quebra durante o plantão judicial, como se fosse possível cumprir a ordem de interceptação à noite ou durante os finais de semana.

Outra questão é a falta de preenchimento dos requisitos previstos na lei, tanto por quem reivindica quanto pelo magistrado, conforme apurou o corregedor do Tribunal de Justiça do Rio, Luiz Zveiter, que acaba de determinar aos juízes fluminenses a padronização e a centralização dos procedimentos.

Atitudes corajosas como essa geram grande insatisfação e acirradas discussões entre os magistrados, por suposta ofensa às suas competências e prerrogativas. No entanto, alguma providência merecia ser tomada, pois o Poder Judiciário também é responsável por chegarmos a este ponto.

No STJ, (re)discutem-se os limites temporais da quebra e a possibilidade de prorrogação das escutas por tempo indeterminado poderá ser revista. Trata-se de Habeas Corpus impetrado por sócios do Grupo Sundown, grampeados durante mais de dois anos por força de investigação originada do caso Banestado. O curioso é que os crimes aos quais respondem esses empresários não são os mesmos revelados pelas escutas.

Mais uma vez, uma interceptação deflagrada com um determinado objetivo investigatório atinge outro que nunca se cogitara. O relator, ministro Nilson Naves, concedeu a ordem, entendendo que as mais de 50 prorrogações ferem o princípio da razoabilidade, são policialescas e constituem atentado à liberdade.

Faz-se necessária uma readequação judicial da quebra do sigilo telefônico, que sempre deverá ser deferida por decisões judiciais fundamentadas na lei, respeitando-se o processo legal.

[Artigo originalmente publicado no jornal O Globo desta sexta-feira]

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