Audiência pública

Saiba os argumentos contra e a favor da importação de pneu usado

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27 de junho de 2008, 20h13

O Supremo Tribunal Federal fez, nesta sexta-feira (27/6), audiência pública para discutir a importação de pneus usados. A audiência vai servir de base para o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela União para proibir esse tipo de importação. O objetivo do governo federal é cassar as decisões judiciais que permitem a importação sob o argumento de dano ao meio ambiente e à saúde.

A audiência durou quatro horas. Quatro representantes falaram a favor e quatro contra a importação. Antes da exposição das teses contra e a favor da importação, o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, aproveitou para dizer que o que a ADPF pretende é a decretação da inconstitucionalidade das decisões judiciais que favorecem a importação e a declaração de constitucionalidade das leis que a proíbem.

Toffoli aproveitou para fazer um histórico dos atos normativos que começaram a ser editados em 1991, por meio de portaria do Departamento de Comércio Exterior, e salientou que as decisões judiciais que contrariam essas normas violam os dispositivos constitucionais de garantia a um meio ambiente saudável e da proteção à saúde pública — artigos 169 e 225 da Constituição Federal.

As teses contrárias

O grupo que se colocou contra a importação invocou principalmente argumentos ambientais. A coordenadora geral de Gestão da Qualidade Ambiental, da Diretoria de Qualidade Ambiental do Ibama, Zilda Maria Faria Veloso, disse que o Brasil já precisa tratar do descarte de 25 milhões de unidades inutilizadas por ano pelos veículos brasileiros e não deveria ter de lidar com o descarte do produto de outros países. “Além de tratar o lixo gerado aqui, teremos de tratar o que vem de fora”, advertiu Zilda.

“A importação de pneus usados nada mais é que a transferência de um problema de países de sua geração, a maioria desenvolvidos, para os países importadores, já que eles ainda não conseguiram uma solução aplicável ao gerenciamento desse resíduo”, afirmou.

Ela alegou que no mundo são produzidos cerca de um bilhão de unidades por ano, sendo aproximadamente 40 milhões deles no Brasil. “A cada ano a metade desse número torna-se inservível”, comentou. O pneu precisa ser tratado e destinado após rodar de 40 mil a 100 mil quilômetros. Segundo a ambientalista, esse descarte é um desafio, uma vez que o material não é reciclável, como o alumínio ou o papel, por exemplo. “Há um problema ambiental porque o pneu desgastado não pode se transformar em um novo”, destacou.

Zilda contou que o descarte em rios contribui para o assoreamento e facilita a transmissão de doenças nos casos de enchentes. Por outro lado, se for enterrado, ele ocupa espaços e dificulta a decomposição do lixo orgânico. Se queimado, o produto libera componentes químicos pesados e poluentes classificados pelas organizações internacionais como os mais tóxicos já produzidos pelo homem.

Também contrário a importação, o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, Evandro de Sampaio Didonet, afirmou que nem mesmo as melhores técnicas sanitárias evitam que resíduos de pneus favoreçam o surgimento de doenças transmitidas por mosquitos.

A importação de pneus usados também seria um problema de saúde pública. Haroldo Sérgio da Silva Bezerra, assessor técnico da Coordenação de Controle da Dengue da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, falou contra a importação de pneus e disse que um tipo asiático de dengue “muito provavelmente foi introduzido no Brasil por meio da importação de pneus usados”.

Ele disse que o pneu é um excelente criadouro do mosquito transmissor da dengue e que o acréscimo de pneus no Brasil pode agravar muito a proliferação da doença. Bezerra declarou, ainda que o problema da dengue necessita de ações integradas, daí a importância também de cuidar da destinação dos pneus usados.

Barreira comercial

Também contrário, o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, Evandro de Sampaio Didonet, advertiu que o Brasil pode sofrer retaliações comerciais da União Européia e ser multado caso libere a entrada do produto usado ou reformado no país. O risco existe em função de descumprimento das determinações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O embaixador explicou que a União Européia questionou, na OMC, as leis brasileiras que vedam a recepção dos pneus e, pela segunda vez na história, o organismo aceitou a justificativa de danos à saúde pública como razão para dar o ganho da causa comercial — neste caso específico, favorecendo o Brasil.

Como várias determinações judiciais permitem a importação oriunda de países do Mercosul, o Brasil foi advertido pela OMC para que proíba definitivamente o comércio com os vizinhos para que, no âmbito do bloco, não houvesse um viés protecionista e discriminatório em relação aos demais países.

Caso as importações continuem a ser amparadas por decisões judiciais, o Brasil terá diante de si duas opções, ambas indesejáveis: abrir mão da política pública de proteção do meio ambiente e da saúde promovida pela proibição ou cair em ilegalidade perante a OMC com o risco de sofrer retaliações comerciais da OMC e da União Européia em função de descumprimento das determinações do órgão de solução de controvérsias da OMC.

O embaixador enfatizou que o comércio internacional de pneus usados e reformados reduz, naturalmente, a pressão ambiental sobre o país exportador e aumenta o passivo ambiental dos importadores. “Essa equação simples já encontra-se no centro de controvérsias no plano multilateral, na OMC, e regional, inclusive no Mercosul”, disse.

As teses favoráveis

O grupo a favor da liberação da importação dos pneus usados usou argumentos comerciais e ambientais para justificar a pretensão. O presidente do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o engenheiro Vitor Hugo Burko, falou que toda a ação humana gera impacto ambiental. No caso dos pneus usados, ele afirma que “não há outra solução senão incinerá-los. Não podemos permitir que fiquem na natureza”.

Burko acrescentou que, mais do que discutir de onde vêm esses pneus, se eles são usados ou não, é necessário obrigar quem tem lucro com a atividade arcar com as conseqüências ambientais e para a saúde pública, inclusive financeiramente. Segundo ele, a atividade de reforma de pneus usados envolve uma grande cadeia produtiva que envolve cifras bilionárias.

O ex-secretário de Estado da Indústria e Comércio do Paraná Francisco Simeão Rodrigues Neto, indicado pela BS Colway Pneus Ltda e pela Pneus Hauer Brasil Ltda., duas importadoras de pneus usados, para falar na audiência pública afirmou que pneus usados não agridem o meio ambiente e que impedi-la acabará com 18 mil postos de trabalho diretos e outros cerca de 72 mil indiretos caso as fábricas de pneus remoldados sejam fechadas por falta de matéria-prima. O especialista afirmou ainda que, há no Brasil um sistema eficaz e ambientalmente adequado de destruição de pneus inservíveis.

Para ele, “o que se deve fazer é diagnosticar quem não está cumprindo a norma ambiental para que seja imediatamente revogado o seu direito de importar, mas não penalizar quem está cumprindo a norma vigente”. “Não há como sustentar que uma atividade que promove a redução do número de pneus seja lesiva ao meio ambiente”, concluiu.

Cesto de lixo

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, fez discurso contrário a importação afirmando que a legislação brasileira proíbe a importação de pneus usados e reformados oriundo de outros países. Segundo o ministro, o Brasil não pode importar o passivo de pneus usados porque, dessa forma, assumiria “o dever de casa dos países desenvolvidos quando sequer fazem o próprio.”

Na opinião de Minc, há o interesse de um grupo restrito de importadores, mas nem a indústria, nem o meio ambiente, nem a tecnologia nem a saúde reconhecem a vinda desses material como benéfica.

O secretário do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Welber Barral dividiu tempo com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Segundo ele, o Brasil é o maior importador desse tipo de produto em todo o mundo e o único que tem indústria nacional de pneus e, ao mesmo tempo, importa o produto em tão larga escala, a ponto de se criar um passivo ambiental. Ele afirmou que em nenhum outro país do mundo isso ocorre.

Barral também frisou que há interesse dos países desenvolvidos em impor a exportação de produtos de segunda mão, com nível tecnológico mais baixo, aos países em desenvolvimento. Ele falou sobre a tendência atual de diminuição do preço dos pneus importados, com impacto na arrecadação de tributos e na concorrência desleal. Esses são, de acordo com ele, alguns dos “reflexos negativos” da importação de pneus usados por via judicial.

ADPF 101

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