Justiça deve enfrentar questão da candidatura de réus
23 de junho de 2008, 16h28
Cena 2. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, seguido por outros TREs, decide rejeitar candidaturas de candidatos às próximas eleições que tenham antecedentes criminais (Estado de S.Paulo, 2.6.2008, página A6). O Tribunal Superior Eleitoral, por apertada maioria, assume posição contrária. Porém, promete divulgar, através da internet, os candidatos com “ficha suja”. Dias depois, volta atrás. Os TREs, à falta de regulamentação, ficam divididos quanto à posição a ser tomada. Por exemplo, o TRE-PR divulga a lista na sua sede, mas não a coloca na internet (Gazeta do Povo, 20.7.2008, página 15).
Dirá o leitor: mas o que tem a ver a Dona Maria com a eleição de réus? Aparentemente, nada. Na vida real, tudo. Explico.
O número de parlamentares processados criminalmente é expressivo. E o de candidatos, enorme. O impedimento da candidatura esbarra no artigo 5º, inciso LVII, que diz: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Vai daí que essa enorme quantidade de candidatos não pode ser considerada culpada, pois a ação penal está em andamento. E este andamento, com habilidade mediana da defesa, pode durar oito, dez ou 12 anos. Basta saber manejar, com astúcia, a legislação processual (por exemplo, arrolando testemunhas no exterior) e esgotar todos os recursos possíveis. Inclusive o especial ao STJ e o extraordinário ao STF.
O conflito entre a presunção da inocência ou da não-culpabilidade e a realidade não fica limitado à Justiça Eleitoral. Cria outras perplexidades. Por exemplo, o réu condenado pelo Tribunal do Júri que sai livre da sessão de julgamento. Ou o alto executivo que, condenado pelo TRF por crime de evasão de divisas, invoca o direito de não ser a pena executada até que se esgotem todas as instâncias. E se este mesmo réu decidir fazer concurso para juiz de Direito, poderá seu nome ser rejeitado? E um empresário, poderá negar emprego a alguém que responde a duas ações penais por apropriação indébita e uma por estelionato?
De tudo isto, se colhe que o princípio da presunção de inocência, que é absolutamente defensável, encontra no sistema judicial brasileiro, que eterniza o trânsito em julgado das decisões, a sua maior dificuldade de aplicação prática. As decisões judiciais não devem ficar afastadas da vida real. Quando elas se distanciam da realidade, abrem espaço para a incompreensão, desalento, descrédito da Justiça. Em casos extremos, busca de soluções ilegais como o linchamento ou a vingança privada.
Em algum momento, o Poder Judiciário terá que enfrentar esse dilema. A situação dos candidatos às eleições é, dele, apenas uma faceta. O bom senso, que nada tem a ver com cultura, há de prevalecer. Poderá ser considerado não-culpável quem responde ação penal sem sentença condenatória de primeira instância. Ou apenas os que respondem determinados crimes. Ou, até, fixado como limite o acórdão de um TJ, TRF ou TRE, que são as instâncias ordinárias. Não será demais lembrar que na interpretação deve sempre prevalecer a inteligência que faz sentido à que não faz.
Se assim não for, como explicar à Dona Maria (que no caso simboliza todas as pessoas de bem deste país) que aquele candidato que ela conhece, que responde a vários processos penais e goza de má fama, pode vir a ser o próximo prefeito ou vereador de sua cidade?
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