Retrospectiva 2007

Na falta da reforma política, Judiciário mudou regras eleitorais

Autor

3 de janeiro de 2008, 11h48

Este texto sobre Direito Eleitoral faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

Na Retrospectiva 2006, iniciamos nossos comentários afirmando que o Direito Eleitoral é um dos ramos que mais tem sofrido transformações. Relembramos também outra passagem, mencionando que o Direito Eleitoral “está em constante formação e evolução. E tem mudado rapidamente, em termos de legislação e jurisprudência, sendo aperfeiçoado a cada pleito” (cf. Lei eleitoral comentada, São Paulo, Quartier Latin, 2006, p. 32).

Em 2007 não foi diferente. Mesmo não sendo ano de eleições, também trouxe inúmeras novidades em matéria eleitoral. Porém, antes de falar delas, necessário lembrar o que não foi feito.

Após o resultado das eleições de 2006, no início de 2007 era grande a expectativa da discussão e votação da chamada reforma política, tida como uma das prioridades pelo Congresso Nacional. No entanto, a disparidade de opiniões dos parlamentares sobre os diversos temas e a falta de consenso sobre algumas matérias impediu que fosse colocada em votação.

O mais grave é que as questões políticas tomaram o lugar da discussão das proposições em trâmite no Legislativo, passando a ocupar todo o ano. Só para relembrar, inicialmente a eleição para Presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro; depois as especulações sobre a reforma ministerial, que se arrastou até maio; e, desde então, as denúncias envolvendo o agora ex-presidente do Senado. Para completar, a tentativa de discussão da possibilidade de um terceiro mandato presidencial e a preocupação com o pleito de 2010.

A substituição dos assuntos legislativos pelas questões políticas gerou não só a perda do ano de 2007 como, praticamente, de toda a legislatura 2007-2010. Explico-me. Quem conhece o Congresso Nacional sabe que o primeiro ano de legislatura é um dos mais proveitosos em termos de trabalho legislativo. Por diversas razões.

Primeiro, porque a nova “safra” de parlamentares chega com grande entusiasmo para trabalhar, tentar crescer e ocupar novos espaços politicamente. Além disto, o refúgio em Brasília é uma forma de escapar da pressão e do assédio dos eleitores e cabos eleitorais, em especial de cobranças de promessas feitas em campanha, entre outras. Segundo, porque o novo governo eleito (ou reeleito) precisa aprovar leis para implementar seus projetos, impondo uma agenda de trabalho ao Legislativo. Por fim, há que se lembrar o próprio calendário político-eleitoral. No primeiro ano de legislatura, o tempo é mais dedicado ao trabalho legislativo. O segundo ano é tomado, em grande parte, pelas articulações políticas, convenções e pela campanha nas eleições municipais. No terceiro ano já começa a corrida rumo ao pleito do ano seguinte. Por fim, o último ano de legislatura é o de eleições para cargos executivos e legislativos federais e estaduais, disputadas pela grande maioria dos parlamentares.

Em razão disto, significativa parcela do trabalho de uma legislatura (talvez quase a metade, aproximadamente) ocorre em seu primeiro ano. Como o ano de 2007 foi muito fraco em termos legislativos, não se recomenda manter muita esperança quanto à atual legislatura. Dificilmente nela serão aprovadas as reformas política, tributária, trabalhista e tantas outras que o país necessita. Quando muito, deverão ser apreciadas algumas questões pontuais sobre tais matérias.

A discussão política atrapalhou e atrapalha o andamento legislativo. Por isto, na falta de regulamentação precisa, partidos e políticos recorreram ao Judiciário, na tentativa de solucionar questões não enfrentadas pelo Legislativo. No ano passado, a decisão a respeito da cláusula de barreira. Neste ano, a questão mais importante diz respeito à fidelidade partidária.

Na ausência da reforma política, partidos recorreram à Justiça na tentativa de reaver os mandatos de políticos que trocaram de partido. O Tribunal Superior Eleitoral, em decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604), entendeu pela aplicação da fidelidade partidária aos mandatários, considerando que o mandato pertence aos partidos políticos e não aos eleitos.

A matéria foi regulamentada pela Resolução TSE 22.610, de 25 de outubro de 2007. Segundo o normativo, deve haver processo próprio para a perda de mandato. Porém é admitida a desfiliação sem perda do mandato em casos de incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal. Assim, os processos judiciais tendem a verificar a ocorrência ou não de justa causa para a troca de partido ou a simples desfiliação do mandatário.

Ocupando o vácuo deixado pelo Legislativo e a pedido de políticos, o Judiciário teve presença marcante em matéria eleitoral. Suas decisões devem contribuir para maior moralização das condutas de mandatários.

O ano de 2007 também marcou o aniversário de 10 anos da Lei das Eleições (Lei 9.504/97). Constantemente aperfeiçoada, firmou-se como lei não temporária, acabando com a edição de uma lei específica para cada pleito, o que gerava diversas oportunidades de casuísmos. Além disto, a atual lei, por conter normas aplicáveis a todas as eleições, permite a consolidação de entendimento jurisprudencial a respeito de suas normas, conferindo maior segurança jurídica. Registre-se ainda a edição da série comemorativa dos dez anos da Lei das Eleições, com sete volumes, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Escola Judiciária Eleitoral, trazendo Instruções e decisões do TSE.

Ainda em relação ao TSE, em 2007 houve decisões importantes, em especial nos casos em que se discute abuso de poder econômico e compra de votos. Destacamos a polêmica causa a respeito do limite de entrevistas a emissora de televisão envolvendo a senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN). Discutiu-se se houve abuso de poder econômico, por uso indevido dos meios de comunicação, pelo fato da então candidata ter aparecido 64 vezes, num período de cinco meses (janeiro a maio), em programas de uma emissora de televisão. Seu opositor defendeu a tese de que tal participação teria sido decisiva, tendo em vista a vitória por pequena margem de votos.

O relator designado para o acórdão, ministro Felix Fischer, reconheceu o poder da mídia, mas afirmou que, apesar da possibilidade da interferência no inconsciente coletivo, isto “não significa necessariamente que tenha tido êxito. Pode também representar desgaste ou influir negativamente ou não ter influência alguma”. Ademais, cuidava-se de disputa polarizada entre duas importantes figuras do estado, o que, naturalmente, atraía o interesse da imprensa. Por fim, ressaltou o relator não ter sido identificado, através de pesquisas, que a aparição na mídia influenciou nas pesquisas (RCED 673).

Mas significativa parcela das pendências judiciais relativas ao pleito de 2006 devem ser apreciadas somente em 2008. Entre elas, demandas envolvendo diversos governadores eleitos em 2006, com possibilidade de perda de mandato.

Para o próximo ano, também são aguardadas novas decisões do TSE, em especial na regulamentação do pleito de 2008. Entre os novos temas a serem analisados, formas de propaganda permitidas, após a edição da Lei 11.300/06 (mini-reforma eleitoral), inclusive através de meios eletrônicos.

Quanto às discussões políticas de 2007, merecem especial atenção os questionamentos da reeleição e do Legislativo unicameral.

O tema da reeleição deve ser bastante discutido na atual legislatura. Há duas posições bem distintas. A dos que querem acabar com o instituto, com alguns defendendo a ampliação do mandato para cinco anos, e a daqueles que simplesmente desejam ampliá-lo, permitindo a reeleição por sucessivos mandatos. Curiosamente, ambas as alternativas favorecem o atual presidente da República.

Outro tema debatido é a extinção do Senado Federal, que passou a ser defendida por muitos, após a decisão pela não cassação de seu presidente. Cuida-se de assunto relevante, embora pareça ser alvo de discussões casuísticas, fruto de insatisfação por uma decisão. Na verdade, o questionamento da existência do Senado é antigo e em muitos países o Parlamento é composto apenas por uma única Casa. Bem antes dos acontecimentos deste ano no Senado, já tínhamos defendido o sistema unicameral em nosso país (cf. Lei eleitoral comentada, cit., pp. 49-50).

Finalizando, frise-se novamente: só não houve maior evolução legislativa do Direito Eleitoral em 2007 em razão da prevalência de questões políticas. Por isto, resta torcer para que os mandatários se preocupem mais em ser estadistas do que com questões políticas quase que totalmente irrelevantes para o futuro da nação.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!