Caminho certo

Secretaria da Receita Federal começou bem sua gestão

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26 de agosto de 2008, 0h00

Lina Maria Vieira, ocupando há menos de um mês a chefia da Secretaria da Receita Federal, está com sua agenda bastante complicada. Isso a impediu de comparecer à Câmara Federal para o tradicional encontro mensal com deputados quando, além de analisar os dados da arrecadação do mês de julho, seriam discutidas possíveis mudanças nas alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas.

Bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie de São Paulo, Lina teve uma sólida formação jurídica, o que já teve oportunidade de demonstrar ao longo de sua brilhante carreira no serviço público, como Auditora Fiscal da Receita Federal, aprovada no concurso de 1977. Trata-se, portanto, de pessoa altamente qualificada para o elevado cargo que agora ocupa.

Talvez tentando desqualificá-la, surgiram comentários de que sua indicação teria sido feita pelo Nelson Machado, integrante da carreira de Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo (concurso de 1979), hoje cedido ao Governo Federal e que todos afirmam ser militante do Partido dos Trabalhadores.

Todavia, não existe qualquer impedimento para que funcionários públicos participem de partidos políticos. O que se pode questionar é se, no exercício do cargo, pratiquem eles atos ilícitos em benefício de sua ideologia ou da sua agremiação. Política é, num Estado Democrático de Direito, uma das mais elevadas atividades a que um cidadão pode se dedicar.

A nova Secretária da Receita Federal começa muito bem sua gestão. Em uma de suas primeiras manifestações mostrou sua preocupação com a qualidade do atendimento que o contribuinte recebe nas repartições. Eis uma demonstração inequívoca de boas intenções, pois há certos setores do Fisco em que os serviços são péssimos.

Por outro lado, a questão das alíquotas do IRPF também é assunto que ocupa a agenda da autoridade, pois a tabela precisa com urgência ser revista.

O imposto de renda, por expressa determinação constitucional (artigo 153, parágrafo 2º) deve ser progressivo. Com apenas duas alíquotas, como está hoje, a progressividade não é plenamente alcançada, além de gerar inúmeras injustiças e distorções.

Na década de 60 o IRPF tinha alíquotas que começavam em 5% e chegavam até 45%. Com um número maior de alíquotas e com os necessários ajustes a serem feitos nos limites de isenção e também nas deduções, pode-se chegar a um regime justo de tributação, o que não ocorre atualmente.

Mesmo antes de rever as alíquotas, a Receita Federal deve atualizar o limite de isenção. O imposto deve incidir sobre a parcela de renda que resta ao contribuinte, depois de atendidas as suas necessidades básicas.

A Unafisco (Sindicato dos Auditores do Fisco) já divulgou inúmeros estudos demonstrando que o limite atual de isenção está defasado em pelo menos 50%, pois não tem sido incorporada a inflação. Com o limite de isenção fora da realidade cobra-se imposto de quem deveria estar isento. Há dois problemas nisso: quem ganha menos sofre uma tributação injusta e por outro lado aumentam-se os casos de restituição.

Só existe restituição do imposto retido na fonte porque houve um pagamento a maior, que não deveria existir.

A restituição, além disso, implica num custo administrativo para a União, além do próprio custo financeiro, pois é comum formarem-se filas de pessoas que procuram as repartições por causa de restituições que atrasam.

Diversas outras questões importantes e urgentes ocupam a agenda de Lina Maria Vieira. Uma delas é a necessidade de reestruturação da Receita Federal, para que sejam corrigidos os problemas decorrentes da fusão com a Previdência. Há muitos funcionários sobrecarregados com excesso de trabalho e parte desse trabalho talvez possa ser eliminado.

Questão que por certo preocupa a nova chefe da Receita relaciona-se com a questão da famigerada “terceirização” no serviço público. Ainda recentemente estive numa repartição e constatei que um funcionário “terceirizado”, isto é, que não faz parte da carreira pública, tinha acesso aos computadores do Fisco e aos processos fiscais. Tal anomalia deve ser eliminada, pois coloca em risco a segurança dos dados dos contribuintes e viabiliza a prática de atos ilícitos. Processos fiscais e computadores do Fisco só podem ser acessíveis a funcionários públicos de carreira, pois sujeitam-se ao sigilo previsto em lei.

Todos vimos que de tempos para cá tem havido sucessivos “recordes” de arrecadação. Um ex-Secretário, que nem era servidor de carreira, afirmava que o crescimento da receita significava eficiência do seu comando. Em artigo aqui publicado pudemos demonstrar que os “recordes” eram conseqüência principalmente do aumento dos tributos. A suposta eficiência era uma farsa, alimentada por uma excelente assessoria de imprensa.

Com a Receita Federal agora sob comando de Lina, os contribuintes certamente viverão uma fase onde poderá haver alguma harmonia. Os sonegadores certamente serão combatidos, a arrecadação crescerá, mas o relacionamento entre fisco e contribuinte deverá melhorar. Não só pelo que se sabe da carreira da nova chefe do Fisco, mas também porque os próprios servidores perceberão que é prejudicial ao país um ambiente de animosidade e de conflito nas relações entre eles e os cidadãos que, direta ou indiretamente, espontânea ou obrigatoriamente, são afinal, os seus patrões.

Finalmente, também seria de muita utilidade que todos nós deixássemos de lado essa besteira de chamar o Fisco de “leão”. Afinal, como se sabe, o leão é um animal irracional, estrangeiro, selvagem e preguiçoso. A Receita Federal do Brasil não merece nenhum desses adjetivos. O serviço público é uma missão, uma atividade respeitável e não pode e nem precisa impor medo.

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