Eleições policiais

Sedimenta-se no TSE uma postura de ativismo judicial

Autor

15 de agosto de 2008, 10h11

Preocupante a linha de raciocínio do ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral. E não só o pensamento calcado no discurso da “segurança”, como os procedimentos preparatórios para a discussão no TSE sobre o envio de tropas federais ao Rio de Janeiro, a fim de “garantir o processo eleitoral”, ou nas palavras do próprio ministro Ayres Brito “a eficácia”, “a eficiência” do procedimento. Preliminarmente, os julgadores giraram sobre a possibilidade de decidir de ofício, com base nos contatos pessoais entre membros do Executivo e do Judiciário. E, na esteira, o Ministério Público reforça a tendência policialesca, ainda que sem qualquer requisição das partes interessadas.

Diz o sub-procurador que “os anseios da sociedade” devam ser ouvidos. Inicialmente, o ministro Ari Pargendler levantou questão de ordem acerca da conveniência da decisão judiciária de ofício. É evidente que contatos pessoais entre julgadores e autoridades executivas não são aptas a, por si sós, autorizarem uma intervenção tão agressiva desta natureza. Ademais, muito menos hábil a aviar tropas armadas são as “sensações” pessoais do julgador ou mesmo notícias lançadas na mídia. Felizmente, foi acolhida a providência cautelar do ministro Pargendler para que o governador do Rio de Janeiro, querendo, solicite ele mesmo o reforço de segurança ao Tribunal Superior Eleitoral.

Mas a preocupação não foi com o resultado da discussão inaugurada pelo ministro-presidente. De forma alguma. Vale a pena desnudar a fala de Ayres Brito e o seu procedimento, no meu entender, profundamente censurável. Na linha evidente do funcionalismo penal, buscando a eficácia e a eficiência processual, a intervenção notória de força policial, como polícia fosse capaz de se postar como contenção palpável ao processo eleitoral eventualmente viciado. Quero crer que a postura pró-ativa do ministro presidente Brito ao se recusar a ser “inerte” e “impotente”, é mais o fruto da ingenuidade e de boas intenções do que o exercício racional de uma opção ideológica.

Decisões de ofício são extremamente excepcionais (e, no meu ponto de vista, condenáveis no sistema democrático). Decisões individuais a serem ratificadas pelo colegiado são, ainda que menos censuráveis, não podem virar regra, recebendo o presidente da Corte “carta branca” com o placet do órgão julgador para negociar direta e abertamente, sem procedimentos formalizados no próprio Judiciário. Muito embora o conservador ministro Menezes Direito tenha se posicionado de acordo com a lei (sempre o legalismo), tenha quase que desprezado a figura das requisições para decidir posteriormente, felizmente venceu o Plenário com a tese divergente de Pargendler.

O ministro Eros Grau chamou especial atenção para a impossibilidade das decisões de ofício, sempre fustigado pelo ministro Direito. De fato, sedimenta-se na Corte Superior Eleitoral uma postura de ativismo judicial, conferindo ao presidente autorizações prévias e abstratas para intervir em assunto tão delicado como é o da segurança pública conjugada ao processo eleitoral. Tais providências são perigosas e sublinham uma responsabilidade sobrecarregada que nem mesmo o presidente do TSE tem. Não é o discurso de que “não estamos ausentes”, “não vamos ficar passivos”, “devemos mostrar que…”, “devemos apoiar o presidente”, enfim, que vai aprimorar o sistema decisório colegiado. O presidente não poderá impor sua legitimidade e sua representatividade numa questão de tal monta.

Parece que as teorias funcionalistas e da prevenção geral positiva estão aportando na Justiça Eleitoral. Então, o “inimigo” de hoje é o crime organizado, entidade nem mesmo definida legalmente, incrustado na favela evidentemente. Pergunta-se: quantos dias ficará a “segurança” alienígena? Um dia antes das eleições, uma semana antes, um mês antes? Fará diferença nas urnas? Os candidatos que não entram na favela vão solicitar à polícia escolta para entrar no gueto? O exército ou a força nacional vai agendar dias para visita de campanha, nas favelas? E quem receberá tais candidatos nas próprias casas ou nas associações da comunidade? Tal pensamento é de um equívoco bem típico do funcionalismo que foi plenamente adotado por Ayres Brito, na expressão toda particular “acréscimo eficacial”, um “plus” de segurança. De plus em plus, vamos colmatando um estado policial e, agora, uma eleição policialesca.

Na prática, contudo, a questão é bem mais rasteira. Trata-se de política pura e, por isso, que entendo ser muito ingênuo Ayres Brito. O governador do Rio de Janeiro esperava que, de ofício, o TSE decidisse para que fosse poupado politicamente de pedir auxílio. Assim, estampava-se a justificativa “o governo estadual não pediu auxílio formalmente, mas o aceita de bom grado”. Essa jogada de comunicação passou ao largo da percepção dos julgadores, encastelados no emaranhado legal.

Por fim, é preciso ter o máximo cuidado não só com contatos pessoais a embasar formulações judiciais, quanto mais as de ofício. Finalmente, preocupante também são as “cartas brancas” do colegiado ao presidente do Tribunal, malferindo o princípio da colegialidade. Ofícios de parte a parte, telefonemas institucionais, audiências especiais de debate, são providências que o TSE pode lançar mão, mas devem ser evitadas como última hipótese. Jakobs com os seus “inimigos” se instalaram confortavelmente nos assentos acolchoados da justiça eleitoral. As coisas não vão bem com o vácuo deixado pelo ministro Marco Aurélio. Saudades de Paulo Brossard, Vicente Cernicchiaro e de Sepúlveda Pertence…

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!