Quinto constitucional

Juiz do quinto não deve estar na lista de candidato a ministro

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12 de agosto de 2008, 17h14

O ingresso via quinto constitucional nos tribunais do país (artigo 94, da Constituição Federal) tem sido assegurado no sentido de garantir ao Poder Judiciário certa transparência social com que se permeia o sistema judicial de diversas visões institucionais como as da advocacia e do Ministério Público. Esse quinto constitui, aliás, um dos argumentos que sempre sustentaram, dentre outras idéias ainda menos transparentes, os opositores do Controle Externo da Magistratura pelo que o consideram tecnicamente impossível.

Um vício do sistema faz com que esses representantes, no ato da posse, perpetuem-se como magistrados, embora não de carreira, e não mais como advogados ou representantes do Ministério Público, segundo suas origens, de cujas funções estariam temporariamente afastados. Gera-se com isso uma estranha perspectiva psico-funcional: o agente nem é mais advogado ou representante do Ministério Público e, conforme tampouco jamais fora magistrado, também passa a exercitar de forma não raramente incomum a judicatura

O grande perigo de aproveitar esse pessoal da forma como presentemente está estabelecido pela Constituição é justamente o de que venha a exercitar a magistratura sendo exímios políticos. Nesse caso, o agente, parecendo juiz, de fato acaba não o sendo para comprometer, ainda mais, a já alquebrantada saúde institucional do sistema como um todo. Despiciendo referir que para esses acessos muitos lobbies são gerenciados no sentido do amesquinhamento da própria instituição judiciária, valendo tais ações tanto para o ambiente dos tribunais da eleição como para um concerto muito largo e complexo de excentricidades políticas de tradição colonial por meio das quais o pretendente passa a atuar por si ou por seus prepostos, sempre interessados em algum tipo de retorno que possa, quando menos, exprimir prestígio e poder.

Em uma abordagem sistemática de que se compadece o Direito Positivo, não parece residir em favor dessa gente a reserva de cargos de Juízes de carreira junto às instâncias superiores (artigos 104, inciso I, e 111-A, inciso I, da CF), pois esses agentes, embora formalmente juízes porque passaram a integrar tribunais locais, comuns ou especializados, pela via do assim denominado quinto constitucional, e não obstante os méritos pessoais com que possam eventualmente vergastar suas Judicaturas de ocasião, não o são de fato, pois jamais vivenciaram uma carreira judiciária como tal reclamada pela própria Constituição.

Maior risco é aquele que se antevê no médio e longo prazos quando, a se consolidar o já notório trato familista com que as coisas no serviço público brasileiro costumam ser conduzidas, os tribunais superiores, que deveriam ser órgãos eminentemente técnico-jurisdicionais, passarem a se guarnecer de composições majoritariamente não de origem judicativa. Então, teremos uma comunidade de advogados e de representantes do Ministério Público a comandar os destinos e a autonomia do Poder Judiciário neste país.

Dessa forma, aqueles que se arredam de defender o Controle Externo da Magistratura cuja expressão embrionária e ainda muito imperfeita é o atual Conselho Nacional de Justiça, até por articulações as mais irascíveis, na verdade são uns contraditórios na medida em que defendem a possibilidade de acesso às instâncias superiores de juízes que acudiram aos tribunais locais e regionais pela via do assim chamado quinto constitucional.

De fato, esse pessoal se transforma magicamente em juiz no momento da investidura, por encanto e ficção se tornam vitalícios desde então, mas não terão empreendido a experiência nem os sofrimentos que todos os magistrados de carreira, que prestaram concurso e, pois, teoricamente, não devem nada a ninguém, senão a Deus, à lei e à própria consciência, tiveram de superar e se vêem, por isso, desprestigiados com a perpetuação da política de resultados e da desigualdade também na emblemática questão das investiduras originárias às cortes superiores deste infelicitado país.

As aberturas à politização das investiduras pretorianas, outrossim, são ainda mais descerimoniosas no trato da composição do Supremo Tribunal Federal, paradoxalmente o órgão que detém a guarda e conservação da Constituição Federal. Todavia, ali todos os cargos são igual e excepcionalmente providos mediante critérios estritamente políticos e não de carreira (artigo 101, CF).

Os juristas de formação genuína e os formalistas, portanto, não devem se iludir. Repetindo Sheakespeare, em Hamlet: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que possa supor nossa vã filosofia!”

Entende-se de parte desta autoria — e isso significa muito pouco — que as listas para acesso aos tribunais superiores em que figurem juízes oriundos do quinto constitucional para vagas destinadas a magistrados de carreira não podem prevalecer do ponto de vista ético-jurídico, pois aqueles de carreira não são, ante o que resultariam premiados politicamente duas vezes, na primeira como na segunda investiduras, em detrimento da dignidade da magistratura como um todo e no desprestígio de tantos magistrados quantos houvessem em condições legais para uma leal e perfeita disputa institucional-corporativa como cabe em casos que tais, e já é difícil garantir pureza institucional mesmo entre os iguais que compõem as Corporações de Ofício nas sociedades periféricas.

Os magistrados de carreira não são de regra guarnecidos de espírito político (pelo menos não deveriam em profusão), não lidam, por ofício, com a política e, portanto, não sabem transitar com facilidade por entre os seus subsistemas (nem seria isso honesto) e tampouco dominam a linguagem com que se comunicam os seus interlocutores ordinários.

A propósito, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional chega ao requinte de proibir ao universo de Magistrados, expressamente, a participação político-partidária, e isso parece mesmo um exagero, se a proibição for analisada em profundidade, pois, conforme possam os Magistrados normalmente votar — e diferente não poderia ser —, também deveriam poder ser votados, observados, por exemplo, os mesmos critérios vigentes para o Ministério Público. Parece muito mais transparente conhecer do magistrado suas idéias, sentimentos e vontades, inclusive do ponto de vista partidário, viabilizando ainda mais adequadamente as insurgências legais contra os atos de decisão, do que fazer supor, em vão, que os Juízes são agentes inteiramente ascéticos do contexto social em que atuam em nome do Estado que também é um sistema dessa mesma Ordem Social.

Por outro lado, o pessoal do quinto constitucional sabe muito bem como administrar a política insinuando-se para o âmago dos tribunais, tanto por que aproveitados de igual forma, enquanto a competição que resulta estabelecida entre uns e outros por cargos mais proeminentes acaba refletindo uma cruel e desigual disputa.

Combater a falta de participação justa e tolerável e a falta de democracia no meio judicial brasileiro não se compadece das interpretações menos avisadas e, por certo, sofismando situações imperscrutavelmente, dado coletar argumentos de discriminação quando tais argumentos estão eivados de ambigüidade e ativados, justamente por isso, para o efeito oposto.

Sem se pretender generalizar, todavia, pois que toda generalização é tão ou mais injusta do que o objeto de sua própria crítica, afirma-se que enquanto o Poder Judiciário no Brasil for assim, a dizer, prenhe de sinuosidades e susceptível a todo componente de influenciação de índole estritamente política, para além do profissionalismo que os Magistrados deveriam exercitar com toda exclusividade, não haverá motivos para que dele a nação se orgulhe plenamente tanto no foco da própria magistratura como no da cidadania em geral.

Por fim e só por amor ao argumento, basta que o Constituinte, sobre manter a velha lógica do quinto constitucional, experimente classificá-la como um exercício temporário e honorífico para de logo se tornar possível avaliar positivamente sua inteira obsolescência, à falta de clientela apta para ocupar essas vagas, estabelecidas, pois, como exercício puramente cívico-participativo (que traduz a essência declarada do instituto) e não profissional, acrescida da vantagem de não se submeter às dores de uma carreira.

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