Conflitos sem fim

Justiça não é assunto para ser tratado apenas pelo Judiciário

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26 de abril de 2008, 0h01

O fato de os Juizados Especiais Federais terem em seus estoques mais ações que a primeira instância da Justiça Federal revela o aumento do consumo no país, o maior acesso à informação e a descoberta dos direitos pelos cidadãos. Por outro lado, mostra que a população enxerga o Judiciário como a única alternativa para colocar fim aos litígios.

A Justiça brasileira precisa de ajuda para enfrentar toda a demanda. Aumentar o número de juízes e varas não parece ser suficiente para colocar os processos em dia. É preciso que a administração pública resolva por lá mesmo os seus conflitos com o cidadão e respeite a lei e a jurisprudência vigente entre juízes e ministros. No caso dos Juizados, o INSS é o maior litigante.

“É mais fácil para o INSS negar o benefício devido ao cidadão do que deferir e se arriscar a um processo administrativo. Se a pessoa quiser garantir o direito, ela vai ter que recorrer à Justiça”, critica o juiz federal Jorge Maurique, membro do Conselho Nacional de Justiça. Segundo ele, o Estado brasileiro está transferindo os seus problemas para o Judiciário, quando atende mal os cidadãos.

Quando os Juizados Especiais foram criados, de acordo com Maurique, pensava-se que as demandas em massa acabariam e que o INSS seria mais criterioso para negar benefícios. Não foi isso que aconteceu. O conselheiro explica que toda a demanda reprimida — por conta da lentidão do Judiciário — começou a chegar. “Os Juizados Especiais são vítimas do seu sucesso”, afirma.

Segundo o ministro Gilmar Mendes, os Juizados Especiais foram projetados nos anos 1990 para atender uma demanda então calculada em 200 mil casos. Hoje eles já lidam com mais de 3 milhões de processos.

Uma sugestão para reduzir o número de processos que ainda aguardam análise e para evitar a chegada de mais ações ao Judiciário seria a formação de grupos de trabalho, integrados por procuradores das autarquias e juízes.

Maurique conta que um grupo formado por membros do CNJ, do Superior Tribunal de Justiça e do Ministério da Previdência teve como resultado a diminuição de quase 100 mil ações. “Um recurso ao Judiciário tem de ser a última tentativa. Do contrário, os juizados vão se tornar quase uma repartição do INSS.”

A presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros, lembra que já existe uma boa solução para o problema. A Advocacia-Geral da União tem súmulas administrativas que, se cumpridas no âmbito da administração pública, impedem que conflitos cheguem ao Judiciário. Para evitar conflitos entre autarquias, há câmaras instaladas na própria AGU como forma de mediar esse tipo de litígio e impedir que a discussão chegue à Justiça. Mas este trabalho ainda está no começo.

Como defendeu o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao Consultor Jurídico, o advogado Márcio Silva diz que é preciso mudar a cultura que impera no país de que qualquer tipo de disputa pode ser levado ao Judiciário. “Temos que aliar uma cultura de que a Justiça não precisa influenciar em tudo com um reforço na estrutura física da instituição”, declarou.

Na sua opinião, deve haver um aumento significativo na demanda e que o país precisa correr para se aparelhar. O advogado lembra que os institutos da Repercussão Geral e Súmula Vinculante podem contribuir para o alívio desse quadro.

Celso Mori, sócio do Pinheiro Neto Advogados, entende que as soluções administrativas podem solucionar parte dos conflitos que entopem o Judiciário, o que seria de grande utilidade para a sociedade. “Imaginar que é possível criar uma estrutura judiciária que dê conta de todos os conflitos no tempo em que precisam ser resolvidos é ilusão”, disse. Para ele, as formas alternativas de solução de litígios, como tribunais de mediação e até juiz de paz, devem ser incentivadas.

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