Sob sigilo

Imprensa também deve respeitar o devido processo legal

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30 de outubro de 2007, 13h43

Já virou rotina nos noticiários da televisão, nas páginas do jornal e das revistas semanais, ouvir ou lermos trechos de conversas privadas de pessoas importantes na sociedade, quase sempre oriundas de gravações realizadas com autorização judicial, em processos que teriam que ser por força de lei, sigilosos.

Porém, são tão hábeis e velozes na obtenção dessas informações, que quase paralelamente com as ações policiais, ganha grande destaque na mídia o teor dessas investigações. É verdade que a imprensa quer noticiar, afinal esse é o seu papel, que está dentro do espírito da liberdade de imprensa. E, ademais, existem muitas pessoas que querem consumir essas notícias, pois o escândalo com pessoas importantes, em regra, rende bastante interesse.

Os advogados desses investigados, quase sempre, tomam conhecimento dos fatos pelo que foi noticiado na mídia, muito antes do que, talvez um dia, terão acesso no processo.

E assim ergue-se um novo processo paralelo – o da mídia, cujas regras são do “Vale-Tudo”, em que nem sempre se aplicam os fundamentais princípios da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, inadmissibilidade das provas ilícitas, e tantos outros relevantes. Aliás, os advogados, enquanto crepitam as “prisões espetaculares e midiáticas” e necessitam de informações para orientarem seus trabalhos, normalmente não as conseguem nos andamentos processuais nas páginas oficiais dos tribunais que mantêm consulta processual na internet, e assim recorrem, primeiramente, aos sites de notícias, pois lá a informação chegará primeiro.

Assim, são estimulados a fazer suas defesas também pela mídia, e alguns cedem à tentação, ao glamour dos holofotes e à pressão de darem uma resposta rápida, que o processo legítimo não é capaz de oferecer. Porém, esquecem que a mídia, com seus repórteres habilidosos, com sua grande rede pulverizada em todo o mundo, com seu poderio econômico, busca confirmar ou detonar as versões apresentadas. E quando detonam as versões, isso é útil aos órgãos policiais ou acusatórios, funcionam quase como uma delegação de atribuições que lhes seria própria.

Se a mídia se utiliza dos fatos e das versões para dar sentido ao seu jornalismo e ao humor que satiriza os acontecimentos, por outro lado, é óbvio que muitos têm se utilizado dela para atender a seus interesses, nem sempre legítimos, ou ingenuamente acreditar que atenderão aos seus interesses.

Não seria possível a exposição de informações sigilosas, se não fosse, é claro, a conivência e a convergência de interesses de certas pessoas que são fontes dessas informações, que, por dever de ofício, tiveram acesso às informações, ou teriam que preservá-las reservadas, mas que no fundo desejam que as informações sejam expostas, por razões diversas.

Também não é raro ver que muitos inquéritos ou denúncias estão, em grande parte, baseados em notícias divulgadas na mídia. Assim, recortes de jornais e revistas, DVDs e CDs de áudio são cada vez mais utilizados nos processos oficiais, os legítimos, para referendar argumentos de parte a parte, em regra, os argumentos incriminatórios. É uma singela demonstração de que o processo paralelo começa a ganhar validade no processo oficial. É o “drible da vaca” na máxima de que o que não está nos autos, não está no mundo, pois levam aos autos o que foi produzido sem legitimidade fora dele. E assim não incomoda se o fruto teve ou não origem na árvore envenenada.

Claro que essa exposição e as conclusões precipitadas que a ela se seguem, em regra, são catastróficas para a imagem e vida de muitas pessoas de algum modo relacionadas com a investigação oficial. Mas, isso, de fato, não importa! Pois, nessa lógica que, infelizmente, parece predominar, os fins justificam os meios, e muito mais vale que alguns justos paguem pelos pecadores, se assim teremos a certeza que muitos pecadores pagarão também.

Há muito que se refletir! É ético ou lícito que alguém que detenha uma informação confidencial, a informe para pessoas não autorizadas, e ainda, sabedor de que ganhará o conhecimento geral com sua atitude? E se a obtenção foi clandestina, é ético divulgá-la?

A presunção de inocência e o caráter reservado do inquérito e das investigações, com acesso restrito a certas pessoas, têm razão de ser. Conclusões açodadas em nada são úteis ao estabelecimento da verdade. A execração pública e precipitada de pessoas é mal que transcende às pessoas referidas, afeta toda a sociedade, e macula a democracia. O devido processo legal deve ser respeitado. Se quisermos ética, sejamos éticos na preservação das informações sigilosas, na investigação, no processo e no julgamento.

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