Advogado para quê?

Advogados podem acabar em 100 anos, diz professor inglês

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26 de outubro de 2007, 23h01

Assim como a doença não existe para dar emprego aos médicos, a lei não existe para dar emprego aos advogados. O autor desta premissa instigante, lançada em 1996, faz agora uma pergunta não menos intrigante: os advogados existirão daqui a 100 anos? Ele é Richard Susskind, professor e consultor inglês em tecnologia da informação, que fez da dúvida cruel o tema de um livro chamado The End of Lawyers? (O Fim dos Advogados?). Segundo Susskind, a tecnologia e a mercantilização da função tornarão os advogados cada vez menos necessários.

O especialista, que é professor de Direito do Gresham College, na Inglaterra, e conselheiro de Tecnologia da Informação do Lord Chief Justice (principal autoridade judicial do país), argumenta que a profissão de advogado como a conhecemos hoje está ameaçada de extinção — ou, pelo menos, “à beira de uma transformação fundamental”.

A mudança se dá por dois fatores, segundo ele. O primeiro é a expansão da tecnologia da informação, que permitirá a qualquer bom leitor entender os meandros da lei. O segundo é a mercantilização da profissão, que fará com que a preparação das peças jurídicas seja terceirizada para mão de obra mais barata.

Com isto, os tradicionais postos de trabalho dos advogados serão substancialmente diminuídos. Ele lembra que, da mesma forma que as pessoas se sentem confortáveis hoje em uma agência bancária, se sentirão à vontade em uma sala de tribunal.

A tese de Susskind não está finalizada. O advogado publicará seis resumos do livro no site do jornal The Times (clique aqui para acessar). A intenção é incorporar ao livro os possíveis argumentos e contra-argumentos que o polêmico debate gerará.

Este livro é a seqüência da obra The Future of Law (O Futuro da Lei), que criou grande celeuma na Inglaterra. Nele, Susskind faz uma análise que, em certa medida, contradiz a Constituição brasileira: “O advogado é indispensável à administração da Justiça”. Neste livro, o professor faz sua formulação radical: assim como a doença não existe para dar emprego aos médicos, a lei não está aí para dar sustento aos advogados.

O novo livro foi provocado também por uma percepção recente. Segundo o professor, os advogados cada vez mais parecem negar que são advogados. “Minimizam seu trabalho”, diz. Esquecem que são, além de tudo, terapeutas, confidentes, conselheiros e gerentes.

Já em seu primeiro resumo do novo livro, Susskind explica que a obra não é um tiro no pé e não tem a intenção de fazer agressões gratuitas. Ele diz que pretende pensar a profissão para melhor receber as grandes mudanças pelas quais o Direito certamente passará neste século. Na sua visão, as escolas não se preocupam com as próximas gerações de operadores de Direito.

“O desafio que se estabelece para os advogados é perguntar, com as mãos no coração, quais elementos do seu trabalho podem ser feitos de uma maneira diferente, o tornando mais barato, eficiente e de melhor qualidade”, argumenta.

Para o autor, os advogados não devem se desenvolver por meio de um cartel. Os organismos da classe precisam se engajar de forma mais criativa para contribuir melhor com a sociedade. Susskind diz que o mundo corporativo tem bons exemplos disso e cita um grupo estudo criado pela General Electric no momento em que se formou a bolha da internet.

No primeiro momento, este pessoal era chamado de destroyyourbusiness.com (destruindo seu negócio). Ao longo do tempo, o nome da equipe passou a ser growyourbusiness.com (crescendo seu negócio). Eles tinham concluído que a internet oferecia mais oportunidades do que ameaças. Em vez de ficar na defensiva, eles se tornaram pró-ativos. O caminho para os advogados deve ser o mesmo.

Outro lado

Controvertida, a tese do professor não é bem aceita entre os mais importantes operadores de Direito do Brasil. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, classifica tal idéia como “utopia maior”. Ele lembra que a Justiça tem como principal meta defender o cidadão do Estado. “Grande número dos processos são desta ordem. Não se pode imaginar uma harmonia entre os dois sem o Judiciário e os advogados”, argumenta o ministro. Segundo Marco Aurélio, dificilmente o direito brasileiro virará o de costume como o britânico. “Nosso direito é positivo, é vinculado, é um ato de vontade. Isto faz parte de nossa cultura”.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, também discorda do professor inglês. “O Direito é técnico. É muito difícil acabarem os advogados”, diz reiterando que a tese não passa de um exercício de futurologia. Para o ministro, a tendência do direito no século XXI, na verdade, é a sua internacionalização. As constituições nacionais tendem a ser mais homogêneas. Os tratados internacionais se tornarão normas cada vez mais importantes, argumenta o ministro. “Temos hoje um maior diálogo entre os países”, afirma.

Para o desembargador José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o advogado é imprescindível para se fazer Justiça, já que o Direito é uma ciência eminentemente social.

Ele argumenta que as modificações da sociedade sempre geram este tipo de idéia. “Não se falou que os livros iriam acabar”, questiona. Ele cita ainda o caso dos jornalistas. O fim da profissão foi decretada por estudiosos com a internet. “E isto não se concretizou”, diz. Na sua visão, a tendência neste século é uma assimilação maior da boa-fé. O juiz não será mais apenas um aplicador cego da lei, mas alguém que tende a ver as especificidades de cada caso.

Globalização

No evento de lançamento do livro A Evolução do Direito no Século XXI — Estudos de Homenagem ao Professor Arnoldo Wald, na sexta-feira (26/10) São Paulo, o advogado Arnaldo Wald também se manifestou em discordância com o professor inglês. Para ele, os advogados sempre serão necessários, inclusive para consultorias. “Uma grande fusão financeira, por exemplo, é organizada pelos economistas, mas na hora de redigir o contrato o trabalho é preciso dos advogados”, argumenta Wald ao reiterar a necessidade de se conhecer as normas jurídicas para este tipo de ofício.

Apesar disso, Wald diz que existe hoje em dia uma “concorrência desleal”. “Muitos pensam que podem ser advogados. O que não é verdade”, diz. O Direito tende a ser humanizar e se flexibilizar, afirma. Para o advogado, existirá uma mudança de mão dupla no Direito. Ao mesmo tempo que ele se tornará mais globalizado, também se virará para as necessidades locais das pessoas.

O professor e jurista Ives Gandra da Silva Martins não poupa palavras: “os advogados acabarão só quando a civilização ocidental terminar”. Para ele, a profissão fortalecerá já que há um clima para diminuir as garantis individuais. “O papel do advogado é exercer esta defesa”, lembra.

A mudança, na opinião de Ives Gandra, também é a internacionalização. Um dos pontos mais importantes é a questão do Direito de Guerra. “Temos focos de conflitos locais, mas com armas cada vez mais devastadoras”, diz. Para ele, é preciso regulamentar este assunto de forma mais humanitária. “Trata-se de algo que mexe com a segurança dos estados”, afirma o advogado. Os próximos 50 anos serão também decisivos para o Direito Constitucional. “Depois de 200 da revolução francesa e da independência americana, os conceitos constitucionais passarão por nova mudança”, declara Ives Granda.

Visão européia

Já os europeus concordam em parte com a tese do teórico inglês. O professor português José Joaquim Gomes Canotilho, um dos maiores constitucionalistas do mundo, admite que os advogados correm o risco de não serem no futuro o que são hoje. Ele cita a mudança na União Européia que passou a considerar a profissão de advogado não mais como liberal, mas como prestador de serviço.

Os advogados, segundo o professor, não serão mais necessários em causas pequenas em que o entendimento já está pacificado. “A velha banca do advogado de porta aberta — geralmente ligado a valores da República — não haverá mais. Não existirá o bom e velho Direito que aprendemos na escola”, argumenta. No entanto, não será fácil uma Justiça sem a presença dos advogados.

O Direito como uma entidade principalmente estatal também perderá força. As Constituições serão documentos históricos que representarão a soberania estatal. No entanto, o grosso das demandas será regido por esquema de regulação com normas supra-estatais. “No Direito Desportivo, quem é o responsável pelo futebol, por exemplo? A Fifa, que não é uma entidade do Estado”, lembra Canotilho. As normas da Fifa são supranacionais e supraconstitucionais. Ou os estados membros as acatam, ou são excluídos do esporte. A aviação e a medicina passam por um processo de intercionalização parecido. “Os procedimentos médicos podem se tornar mais universalistas”, diz.

Segundo o professor, a tendência é haver mais tribunais de conciliação e câmara de arbitragem. Os tratados internacionais também terão mais peso. Um caso emblemático é a mudança pela qual a Constituição portuguesa teve que passar depois da criação do Tribunal Penal Internacional, cujo tratado foi aprovado pela ONU em 1998. “Depois que se assinou o tratado, alguns itens eram inconstitucionais. A alteração da Constituição foi necessária, já que o acordo estava feito”, afirma.

Na mesma linha segue outro professor português, Diogo Leite de Campos, um dos autores do livro A Evolução do Direito no Século XXI. Para ele, não é possível pensar no fim dos advogados. “Eles continuarão importante para a defesa de seus clientes”. No entanto, ele enxergar uma grande reviravolta na forma em que funciona o Judiciário, traçando um cenário igualmente arrasador ao desenhado por Susskind.

Campos acredita que os juízes de Estado poderão acabar com o presença mais marcante das câmaras de arbitragem. Para Leite de Campos, advogados, juízes e promotores poderão seguir existindo por muitos e muitos anos ainda. Mas terão outras atribuições e desempenharão papéis muito diferentes daqueles que cumpriram até agora.

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