Estagiário premiado

Juíza chama Melhores da Advocacia de prêmio “abacaxi”

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17 de outubro de 2007, 0h00

Não foi dessa vez que o promotor de eventos Norberto Leandro Gauer, responsável pelo duvidoso prêmio Melhores da Advocacia, conseguiu obter indenização por danos morais. Ele se sentia prejudicado por a credibilidade de seu prêmio ter sido abalada. Na Justiça, por enquanto, o que obteve foi um apelido para a premiação: “prêmio abacaxi”.

O apelido veio da juíza leiga Maria Luiza Siliprandi Matos, que atua no 4º Juizado Especial Cível de Porto Alegre. Ela negou, nesta terça-feira (16/10), pedido de indenização de Gauer contra o advogado Reinaldo de Almeida Fernandes. Gauer acusava o advogado de ter publicado reportagem na Consultor Jurídico com “teor desabonatório”.

Na reportagem, a ConJur relata que o promotor premiou o estagiário Ricardo S. Cardoso como um dos melhores da advocacia. O prêmio é conhecido por cobrar determinada quantia dos escolhidos. Funciona assim: o escolhido tem de comprar tantos convites para poder participar da premiação e receber seu troféu. No caso de Cardoso, ele tinha de comprar quatro convites, cada um no valor de R$ 360, para receber o prêmio. Ou seja, o estagiário seria homenageado como um dos melhores advogados (ainda que fosse estagiário) se pagasse R$ 1,4 mil.

A ConJur relatou tudo isso e o promotor de eventos acusou o advogado Reinaldo de Almeida Fernandes — proprietário do escritório onde o estagiário trabalhava — de ter divulgado a história e publicado. Mas sua tentativa de ganhar indenização fracassou.

Primeiro, porque a juíza considerou que não foi o advogado quem publicou a notícia na ConJur. “O réu não foi quem publicou a nota no site, nem veio aos autos prova de que ‘mandou’ inserir tal matéria”.

Nesse ponto, a juíza observou que não houve “palavras caluniosas” na reportagem, apenas o relato de um fato: um estagiário foi escolhido como um dos melhores da advocacia. “A matéria não é pejorativa nem deixa antever expressão dúvida, ao contrário, relata a situação real onde um estagiário é ‘convidado’ a ser ‘homenageado’ como melhores na advocacia.”

O segundo motivo é que a juíza não encontrou qualquer prova de que o promotor de eventos Gauer tenha sofrido abalo psicológico. Segundo ela, a ausência do dano pode ser provada pela demora do promotor em pedir a indenização.

Foram quase quatro anos, já que a reportagem foi publicada na ConJur em março de 2004 e ele só ajuizou a ação em julho de 2007. “Concordo que a lei prevê um prazo prescricional médio, mas nem por isso é crível que a parte que espera tanto tempo para ajuizar a ação tenha sofrido tal dano.”

Em tempo

Além do Melhores da Advocacia, Norberto Gauer também promove o Melhores na Medicina. Para receber o prêmio, é o mesmo pré-requisito: tem de comprar os convites da festa. Na internet, ele ainda possui os domínios Melhores da Odontologia, Melhores da TV, Personalidade Feminina, entre outros.

Veja a decisão

4° JUIZADO ESPECIAL CÍVIL

PROCESSO: 30700252574

AUTOR: Norberto Leandro Gauer

R É U: Reinaldo de Almeida Fernandes

Juíza Leiga: Maria Luiza Siliprandi Matos

Vistos estes autos.

Sustentou o autor em ação de reparação de Danos Morais, que desde o ano de 2001 promove o evento “Premio Brasil de Advocacia” cujos profissionais indicados, são fruto de uma pesquisa junto a jornalistas, formadores de opiniões, entre outros.

Ocorre, que o demandado publicou no site jurídico “Consultor Jurídico”, matéria contendo teor desabonatório, fls. 108, intitulada “Estagiário de Direito é eleito para “Melhores da Advocacia””,15.03.2004.

Note-se que o autor nunca enviou a carta convite, tendo a noticia alcance de milhares de pessoas que acessam a injuriosa história narrada pelo réu.

Que o evento se reveste da maior magnitude, com presença de mais de 200 homenageados da área jurídica de São Paulo, porquê haveria de um profissional desprestigiar tal homenagem, publicando tal matéria ofensiva e desonrosa?

Requer, seja o réu condenado aos danos morais a que deu causa, a teor do artigo 944, do Código Civil Brasileiro.

Citado, contestou, fls. 17 usque 34, argüida preliminar de Ilegitimidade Ativa, eis que a ação foi proposta em nome próprio quando o próprio autor declara que “empresa de Norberto Gauer” – Norberto Gauer Eventos internacionais.

Também, vedado ao autor a postulação em juízo, a teor do artigo 8º, $ 1º, da Lei 9.099/95.

Da prescrição.

Tratando-se de “responsabilidade civil”, determina o CCB que a prescrição, segundo art. 206, $3º, V, é em três anos.

O ajuizamento se deu em 10.07.2007, três anos, três meses e 25 dias após o a publicação em 14 de abril de 2004, fls. 37.


Portanto, prescrito o direito do autor, requerendo seja proferida a prescrição, com sentença terminativa, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, IV, do CPC.

No mérito, a improcedência da ação, pois verdadeiras as afirmações, uma vez que o “agraciado” conforme certidão da OAB, fls.46, á época era estagiário, cuja inscrição definitiva se deu em 31.03.2005.

Que o referido estagiário entrou em contato, por e-mail, com a empresa do autor, solicitando o regulamento, o que foi de pronto respondido, onde dizia que deveria depositar R$ 360,00 na conta da empresa do demandado como também adquirir quatro convites no mesmo valor individual para que seus convidados tivessem acesso á premiação.

Uma vez que o “agraciado” na época não era advogado, o contestante apresentou pedido de providências junto ao gabinete do Presidente da seccional da OAB/SC, também noticiados na Revista Consultor Jurídico em 15.03.2004.

Verifica-se que o demandado não é editor de qualquer veículo de comunicação, em momento algum, “publicou” no site consultor Jurídico matéria a respeito do evento promovido pelo autor, limitando-se a pedido de providências junto a OAB/SC.

Diga-se de passagem, que em 2001, precisamente em 23.01.2001, já havia sido apresentada á Comissão de Ética de Santa Catarina processo similar, como também, constata-se que o demandante é autor de várias ações, cujas decisões tem-lhe sido desfavoráveis:

‘Segundo, não há falar em difamação, na medida em que o art.139 do CPC exige que a imputação seja ofensiva à reputação do que se diz ofendido. O fato, por certo, não é ofensivo á reputação do ofendido, mas ao evento por ele promovido”.

Requer, seja acolhida a prescrição, com julgamento de mérito e ultrapassada esta, dado por totalmente improcedente o pedido formulado.

As partes acostaram documentos, arrazoaram, mas não conciliaram.

Na dilação probatória, foi ouvido como informante o estagiário, cujo nome foi indicado á premiação quando ainda inscrito na OAB/SC como estagiário, ata de fls. 71.

È o breve relatório.

Com efeito, não há prescrição a ser acolhida, eis que tipificado no artigo 205 do CCB e não 206, como argüido pelo contestante.

Quanto a preliminar de Ilegitimidade Ativa, melhor sorte não tem o demandado.

Com efeito, o autor litiga algumas vezes em nome pessoal, outras em nome de sua empresa, sendo que esta, em se tratando de ME ou EPP, poderá sim postular perante os Juizados Especiais Cíveis.

No mérito, melhor sorte cabe ao réu, eis que não há dano moral caracterizado a ser indenizado.

Com efeito, o réu não foi quem publicou a nota no site, nem veio aos autos prova de que “mandou” inserir tal matéria.

De outra banda, não vislumbro mesmo que por conta do contestante, matéria desabonatória á pessoa do autor ou sua empresa.

Não foram vinculadas palavras caluniosas, mas comentário de que um estagiário, portanto não advogado, estava sendo “homenageado” como o prêmio “melhores da advocacia”.

Ressalte-se, por oportuno, que este prêmio tem custo, que não barato, onde em resposta á consulta efetuada pelo “homenageado’, ficou evidenciado que deveria “pagar” pela homenagem, de forma simulada, portanto, condicionada na aquisição de quatro convites em valor expressivo.

Constatado nos autos que o autor estriba-se para confortar seu pedido de dano moral, em fatos que não foram pelo autor promovidos, mas de domínio público, não caracterizando nenhuma inverdade, eis que as ações tramitam no site do tribunal de Justiça como também a providência junto ao tribunal de ética , tanto de Santa Catarina como de São Paulo.

Cabe salientar, ata de fls. 71, o depoimento do estagiário, “homenageado”, Ricardo S.Cardoso, e que deu, ao entender do autor, o fundamento de sua ação de danos morais, em face da matéria publicada pelo site “ Consultor Jurídico “, fls. 37, que assim informou:

.“ … Que recebeu um fax da empresa do autor dizendo que poderia receber um prêmio como melhor advogado. Que á época era estagiário. Que enviou um e-mail para saber dos detalhes e, em resposta veio o regulamento como também o depoente deveria mandar um histórico de sua vida pregressa. Que deveria também adquirir 04 convites, que na época ficava em torno de R$ 1.300,00 ou R$ 1.400,00. Que deram por encerrado o episódio, tendo o demando, titular do escritório encaminhado á OAB da sua região, Santa Catarina, a situação. PRA: que o evento se daria no Hotel transamérica, São Paulo”.

Não houve, pela matéria publicada, qualquer ato ilícito que se possa, de leve, acolher o pedido de dano moral. A matéria não é pejorativa nem deixa antever expressão dúbia , ao contrário, retrata a situação real onde um estagiário é “convidado” a ser homenageado” como melhores na advocacia, mas, obviamente com o “pagamento”, via compra de 04 convites para convidados, pelo valor individual de R$ 360,00 mais R$ 360,00 pela inscrição.


Ora, constata-se que se a parte não “comprar” os convites, por certo, poderá ser o mais eminente dos eminentes que não participará do “prêmio”. Mais se presta para prêmio “abacaxi” do que uma real premiação. Inclusive, relatado nos autos que o “homenageado”, deverá enviar o histórico de sua vida pregressa.

Segundo o autor, os homenageados são escolhidos por jornalistas e formadores de opinião. Assim que, as pessoas escolhidas, por seus méritos, já passaram pelo crivo das boas ações e critérios de avaliação, portanto, desnecessário o envio de sua vida pregressa (Currículo), mas somente alguns dados pessoais, tais como data de nascimento, data da formatura, casado com…, filhos…, etc.

Também, não há qualquer caracterização quanto à difamação, seja á pessoa do autor ou a sua empresa, eis que ambas se confundem.

Ressalte-se por excelência, que a própria demora em propor a ação (quase quatro anos) evidencia a ausência de sofrimento psíquico, requisito inafastável à configuração do dano moral.

O fato desencadeante, segundo o autor, que deu ensejo ao evento “dano moral”, deu-se em 2004, março e somente em 10.07.2007 a ação foi distribuída.

Vislumbra-se, no caso em comento, baldadas as alegações do autor quanto a sentir-se prejudicado, pois atingido moralmente, pela demora quanto a distribuição da ação, é a própria contra-prova do dano afirmado.

O dano a que se refere o autor, mais se prestaria para dano material do que dano moral, propriamente dito.

E, em se tratando de dano material ou até lucros cessantes, estes devem ser efetivamente comprovados.

O dano moral deve traduzir efetivo sofrimento psíquico, o que em momento algum ficou caracterizado ou comprovado. Uma das evidências é a pronta demonstração da inconformidade à ocorrência, hipótese que não está presente. Ainda que não prescrita a ação, a quase negligência com que o fato foi tratado pelo ator, quase 04 anos na demora da propositura da ação, “mais se aproxima do oportunismo do que do sentimento de dor”.

Á evidência, o próprio proceder do autor afasta a presunção da ocorrência do dano moral. Na hipótese, então, deveria ter havido a efetiva demonstração do sofrimento psíquico, da dor experimentada. Nada, nesse sentido, veio aos autos.

O autor não se desincumbiu do dever de comprovar o alegado. O dano moral pressupõe prejuízo no íntimo do indivíduo, firmada, a pretensão, em dados concretos, sob pena do Judiciário contribuir para a proliferação da industria do dano moral.

Impossível acolher a pretensão do autor em indenização por dano moral, cujos fatos se passaram quase quatro anos, antes da propositura da ação. Concordo que a lei prevê um prazo prescricional médio, mas nem por isso é crível que a parte que espera tanto tempo para ajuizar a ação tenha sofrido tal dano.

“O direito não pode ficar simplesmente taxando a alegação de dano, sob pena de contemplar o enriquecimento sem causa”.

Ante o exposto,em consonância com o artigo 40 , 5º e 6º da lei 9.099/95 a ação é Improcedente.

Porto Alegre, 16 de outubro de 2007.

Maria Luiza Siliprandi Matos

Juíza Leiga.

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