Comunicação do povo

Governo deve reservar freqüências para TVs comunitárias

Autor

  • Ericson Meister Scorsim

    é advogado doutor em Direito pela USP autor do livro “Televisão Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios” e mantém o site www.tvdigital.adv.br

11 de outubro de 2007, 0h00

Um dos elementos do sistema de radiodifusão público previsto no artigo 223 da Constituição Federal é a televisão comunitária. No entanto, sequer existe na realidade normativa; há tão-somente as rádios comunitárias que enfrentam sérios problemas para sua consolidação democrática em nosso País, principalmente em razão da demora da administração pública em apreciar os pedidos de autorizações para funcionamento. Por enquanto existem apenas projetos de lei relativos à criação e à operação de televisões comunitárias e a experiência das televisões comunitárias no âmbito do serviço de TV a cabo.

Em respeito ao princípio democrático que exige a democratização do setor audiovisual, impõe-se a extensão do regime aplicável às rádios comunitárias, com as óbvias e necessárias adaptações, à organização do setor de televisão por radiodifusão de âmbito comunitário.

Tal modalidade televisiva constitui um instrumento a serviço da realização de direitos fundamentais, dentre outros: a liberdade de expressão, direitos culturais, liberdade da informação, comunicação, etc.

De acordo com a Lei 9.612/98, o serviço de radiodifusão comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, sendo os seus objetivos os seguintes: dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário; contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas com a legislação profissional vigente; e permitir a capacitação dos cidadãos ao exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível.

Contudo, a atividade de radiodifusão desempenhada pelas associações de cidadãos não pode ser qualificada pelo legislador como um serviço público. É que esta noção está intimamente ligada à figura do Estado. Ora, a atividade realizada pela administração pública não se confunde com o exercício de direitos fundamentais, mediante os serviços de televisão por radiodifusão. O serviço público é uma das atividades assumidas pelo Estado, servindo precipuamente à concretização dos direitos fundamentais. Todavia, ele, em relação à televisão comunitária, deve limitar-se à realização das atividades de fomento e de polícia administrativa.

Em relação às televisões comunitárias há uma incompatibilidade congênita entre o modo de exercício direto de direitos fundamentais pela atividade de distribuição de sinais de TV para a comunidade com a noção de serviço público. Os direitos fundamentais não são objeto de delegação estatal; situação totalmente diferente é a exigência de uma autorização administrativa para permitir o acesso à atividade de radiodifusão e, por conseqüência, viabilizar o seu respectivo exercício. Em outras palavras, não deve ser confundido o suporte técnico para a realização direta dos direitos fundamentais pelos próprios cidadãos (serviço de televisão por radiodifusão) com a atividade estatal.

Além da necessária previsão legislativa, evidente que a implantação do serviço de TV Comunitária depende de sua viabilidade técnica e econômica. Certamente, haverá mais espaço no espectro eletromagnético para a sua instalação fora das capitais brasileiras, eis que estas encontram-se bastante congestionadas. Daí porque, provavelmente ela encontrará terreno propício para florescimento nas cidades de médio e pequeno porte.

Deve-se definir o âmbito de cobertura de seu sinal de modo adequado e proporcional, com a proteção contra as interferências de outros sinais, sob pena de não ser alcançada a sua finalidade substancial que é a de assegurar a comunicação social de alcance comunitário. Ainda, deve-se garantir um regime de financiamento, com a possibilidade de publicidade comercial atrelada às receitas advindas do comércio local, juntamente com fundos públicos de apoio ao seu desenvolvimento.

O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a necessidade de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário composto por diversos representantes da comunidade local, independentemente de entidades religiosas, familiares, governamentais e político-partidárias ou comerciais, nos moldes das rádios comunitárias. Nesse caso, deve ser proibida a participação de representantes do poder público em sua gestão e controle, razão pela qual não pode ser qualificada como televisão comunitária uma organização social, eis que ela, por força da legislação, necessariamente há de contar com agentes estatais.

Como fato novo, a aplicação da tecnologia digital permitirá a criação de novos espaços para a difusão de canais comunitários, vez que ocorrerá a otimização do uso do espectro eletromagnético. Por sua vez, o Decreto 5.820/06 trata do Canal da Cidadania, cujo objeto é a transmissão de programação das comunidades locais. Ocorre que, também, o mesmo diploma dispõe que o mesmo canal serve para a divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal.

Defende-se que o Canal da Cidadania deve ser dedicado exclusivamente para a efetivação das televisões comunitárias, reservando-se outros canais para a realização da televisão estatal, esta sim destinada à transmissão de atos e fatos relacionados aos poderes públicos.

Enfim, é necessário um novo marco regulatório das comunicações brasileiras a ser discutido no Congresso Nacional que devidamente contemple a reserva de freqüências para a efetiva realização das televisões comunitárias, tudo em conformidade com a vontade da Constituição do Brasil.

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