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É preciso adequar a TV comercial à realidade brasileira

Autor

  • Ericson Meister Scorsim

    é advogado doutor em Direito pela USP autor do livro “Televisão Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios” e mantém o site www.tvdigital.adv.br

8 de outubro de 2007, 17h41

Existem fortes razões jurídicas para a flexibilização do modelo de concessão de serviço público aplicado como regra geral no âmbito dos serviços de televisão por radiodifusão (sistema privado), o que se afirma a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, em conformidade com a evolução histórico-social.

Na interpretação clássica, a finalidade da concessão de serviço público é a de transferir uma atividade estatal potencialmente lucrativa à iniciativa privada, para que a mesma por sua conta e risco, mediante a cobrança de tarifa dos usuários, execute a prestação dos serviços ao público em geral; contudo, no serviço de televisão por radiodifusão não há essa cobrança de preço diretamente dos usuários.

A concessão do serviço público de televisão por radiodifusão não se amolda ao instituto clássico da concessão, pois a existência de prerrogativas administrativas em favor da organização, da disciplina e da fixação do conteúdo do serviço, naturais à concessão, é incompatível com o exercício da liberdade de comunicação social pelas emissoras de televisão. Em sendo o poder público o titular do serviço público, em caráter exclusivo, na concessão há o poder de fixar o conteúdo da prestação material, disciplinando inclusive a organização interna da gestão, daí a referida incompatibilidade congênita entre a concessão e o serviço de televisão por radiodifusão no âmbito do sistema de radiodifusão privado.

Além disso, tome-se, por exemplo, a hipótese de uma ação de indenização por danos morais (ofensa aos direitos da personalidade) proposta contra a União por ato de veiculação de programa televisivo veiculado por “concessionária”. É legítimo e razoável condenar a União pelos atos das emissoras de televisão comerciais que violem direitos da personalidade? Sustenta-se que não, pois é razóavel essa responsabilização quando se trata de televisões estatais e televisões educativas, mas não em relação às televisões privadas que estarão submetidas ao sistema privado de radiodifusão em um novo marco regulatório.

Ademais, cuida salientar que a Lei de Concessões de Serviços Públicos não se aplica aos serviços de radiodifusão porque há disposição expressa nesse sentido (artigo 41 da Lei 8.987/95). Ora, o serviço de televisão por radiodifusão, em sendo objeto de concessão administrativa, não deveria se submeter à lei geral das concessões de serviços públicos? Mesmo em se tratando de uma “concessão especial” os serviços de radiodifusão deveriam estar contemplados na lei geral sobre concessões, contudo não o foram.

Poder-se-ia objetar que, ao invés da superação da concessão de serviço público de televisão, o melhor seria o seu aperfeiçoamento e sua reestruturação, mediante um controle eficaz, com o estabelecimento de novas regras e a fiscalização eficiente de sua aplicação ao setor de radiodifusão. Porém, como aqui se propõe a qualificação legislativa dos serviços de televisão do sistema de radiodifusão privado como uma atividade econômica em sentido estrito, a aplicação da figura da concessão de serviço público torna-se com ela incompatível.

A referida categoria jurídica é fruto de um determinado contexto histórico no qual foi construída, bem como utilizada em setores econômicos relacionados à infra-estrutura material do País (ex: ferrovias, portos, transportes, geração de energia elétrica, estradas, etc.). O setor de comunicação social por radiodifusão tem natureza especial porque trata de aspectos imateriais relacionados à soberania nacional, à identidade cultural, à educação, à informação, à afirmação da cidadania etc., totalmente dissociados do uso clássico que se fez da concessão administrativa.

Daí porque em nossa tese de doutorado defendemos a utilização do instituto da autorização, aos serviços de televisão por radiodifusão na modalidade TV comercial, algo mais adequado à realidade normativa brasileira, e com a característica de ato administrativo vinculado, oferecendo a segurança necessária aos investidores do setor.

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