Canudo de papel

Entrevista: Fernando Capez, deputado estadual em São Paulo

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24 de novembro de 2007, 23h01

Fernando Capez - por SpaccaSpacca" data-GUID="fernando_capez.jpeg">O Exame de Ordem mostra que a maior parte dos bacharéis em Direito tem o diploma na mão, mas não está apta a trabalhar como advogado. Os índices de aprovação são baixíssimos. No último exame unificado, o estado que mais aprovou foi o Ceará, onde 45% dos bacharéis se tornarão advogados. Em São Paulo, o índice de aprovação na última prova foi de apenas 16%.

Para muitos advogados e estudiosos do ensino jurídico, a realidade é preocupante. Para o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), não. A função da faculdade é formar cidadãos com consciência jurídica, e não apenas advogados, acredita. “Um bacharel em Direito que não passe no Exame de Ordem pode se tornar um taxista com mais consciência jurídica e mais propenso à solução pacífica dos conflitos.”

Capez defende que não há por que se criticar as faculdades privadas de Direito. Para ele, estas suprem um vácuo deixado pelo estado. Como o ensino público não é suficiente para atender todos aqueles interessados na vida universitária, resta apenas optar pelas faculdades privadas.

Para o deputado — que já foi diretor da Uniban — usar os resultados do Exame de Ordem para criticar as escolas não é correto. As faculdades privadas têm bons professores, mas recebem alunos cansados, que trabalharam o dia inteiro e já têm um déficit de ensino na escola, afirma. “A avaliação do Exame de Ordem não é injusta. Injustos são os critérios e as conclusões que se extraem a partir disso.”

Fernando Capez foi um dos privilegiados que conseguiu estudar em faculdade pública. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1986. Em janeiro de 1988, tornou-se promotor no Ministério Público paulista. Em 2006, decidiu se licenciar do MP para ingressar na vida política. Eleito deputado estadual pelo PSDB, ele garante que, na Assembléia Legislativa de São Paulo, continua agindo como representante da Justiça. Luta pela autonomia financeira do Judiciário e para que todos comecem a olhá-lo como prioridade. Hoje, ele preside a Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o deputado falou também sobre as limitações do poder de legislar dos deputados estaduais, discutiu o orçamento do Judiciário e apontou caminhos para tentar solucionar a morosidade da Justiça.

ConJur — Há uma indústria de escolas de Direito?

Fernando Capez — Eu diria que há um mercado extremamente interessante do ponto de vista econômico que está sendo explorado. Não há mal nisso. Para mim, as universidades particulares que oferecem ensino com baixo custo prestam um serviço social da mais alta relevância. Ocupam o vácuo deixado pelo poder público, que deveria oferecer vagas suficientes para qualquer um que quisesse fazer faculdade. Aquele que não teve condições de pagar um colégio particular provavelmente não vai conseguir vaga em escola pública. Aí a função das escolas particulares com mensalidades mais baixas. Elas oferecem à população de baixa renda uma oportunidade que o Estado não deu. É lógico que aqueles que entram em uma universidade pública têm mais preparo do que aqueles que vão para as particulares. Por isso, acho uma absoluta injustiça e falta de conhecimento criticar uma universidade privada com base em seu rendimento em exames. A privada remunera bem os professores, oferece oportunidade de estudo, mas recebe um estudante cansado, que já trabalhou o dia inteiro e já tem déficits de ensino do colégio.

ConJur — Ou seja, a deficiência analisada nos estudantes universitárias é anterior à universidade?

Fernando Capez — Faço duas perguntas. A primeira: a função de uma faculdade de Direito é só formar advogados ou formar cidadãos com consciência jurídica? Um bacharel em Direito que não passe no Exame de Ordem pode ser tornar um taxista com mais consciência jurídica e mais propenso à solução pacífica dos conflitos. Quanto maior o grau de escolaridade, menor a tendência para a prática de crimes. A segunda: será que os maiores críticos das universidades privadas passariam se prestassem hoje o Exame de Ordem?

ConJur — Como, então, avaliar uma escola de Direito?

Fernando Capez — Os exames de avaliação da qualidade de ensino no país são importantes, assim como o Exame de Ordem. Mas é importante lembrar sempre que não dá para dizer que uma universidade é ruim porque seu índice de aprovação no exame é baixo. As universidades privadas aprovam quantitativamente um número muito maior, enquanto as universidades públicas aprovam percentualmente mais. As duas prestam uma função social. A avaliação do Exame da Ordem não é injusta. Injustos são os critérios e as conclusões que se extraem a partir disso.


ConJur — O senhor acha que só deveriam ser abertos cursos de Direito com a autorização da OAB?

Fernando Capez — Sou um dos deputados que mais defende a figura do advogado. Se não fosse o advogado, não haveria antítese, só haveria tese e o Estado se transformaria em um Leviatã acusatório. A OAB teve um papel social importante na época da ditadura e ainda hoje, na defesa dos ideais democráticos. Deve ser ouvida sempre. Mas não acho que seu parecer deve ser terminativo. Tem de ser apenas opinativo. A verdadeira democracia se obtém a partir do sistema de freios e contrapesos. A decisão absoluta nunca deve ser deixada para um órgão, ainda que seja a Ordem dos Advogados do Brasil.

ConJur — Vamos falar de leis. Levantamento publicado pelo Anuário da Justiça 2007 mostrou que 75% das leis julgadas pelo Supremo Tribunal Federal foram consideradas inconstitucionais. As três leis paulistas analisadas pelos ministros em 2006 foram derrubadas. Isso não mostra que a qualidade das leis produzidas é ruim?

Fernando Capez — É muito difícil a situação dos deputados estaduais. A competência estadual para legislar é muito restrita. Ao contrário dos Estados Unidos, que é uma federação com estados com grande autonomia, o Brasil é uma federação altamente centralizada. A União concentra quase toda a competência legislativa. Um pouco fica com os municípios e, para os estados, sobra uma parcela ínfima, que ainda tem de obedecer a princípios federais. Isso engessa a atividade legislativa estadual. A competência dos deputados estaduais é restrita e sujeita a todo tipo de questionamento. Se o deputado não quiser ficar na mesmice, tem de ter inteligência e ousar.

ConJur — Se há tão pouco para fazer, por que ser deputado estadual?

Fernando Capez — Ao deputado estadual cabe a fiscalização dos atos da gestão do Executivo. Ele também tem um poder que nenhum outro agente público tem, que é o de movimentar as instituições. O deputado pode, por exemplo, levar uma escola a determinado local onde os cidadãos não têm acesso à educação ou proibir a venda de bebida alcoólica onde há muito homicídio. Mesmo com o campo restrito, há muito para o deputado estadual legislar. A Assembléia Estadual de São Paulo também está fazendo um trabalho importante que é o da consolidação das leis. Já foi feita a consolidação das leis do idoso e do deficiente físico. Agora, será feita a da legislação ambiental, que é muito importante para os investimentos no estado.

ConJur — Quantas leis serão enxugadas no processo de consolidação?

Fernando Capez — Até agora, foram revogadas mais de 20 mil leis. Havia lei, por exemplo, que proibia o tráfego de carro de boi pela avenida Paulista e ainda outras anteriores à Lei Áurea, que estabeleciam posturas discriminatórias.

ConJur — O senhor trabalha para que a Assembléia Legislativa de São Paulo aprove um Código de Procedimentos. O que é esse código?

Fernando Capez — De acordo com a Constituição Federal, é competência exclusiva da União legislar sobre o processo civil e penal. Aos estados, cabe legislar complementarmente, ou seja, nos detalhes. Por exemplo, em São Paulo, mais de 80% do tempo que se leva para julgar um processo é gasto fora das mãos do juiz — fica na prateleira ou indo de um lugar para outro. A idéia da Assembléia Legislativa de São Paulo é ouvir advogados, juízes e promotores para saber onde, principalmente, o processo demora mais. A partir daí, apresentar medidas e regras para resolver isso. Esse seria o Código de Procedimento, que valeria tanto para a área cível como criminal. A idéia é procurar uma Justiça mais ágil, moderna e menos dispendiosa.

ConJur — Em que pé está a elaboração do código?

Fernando Capez — Estamos na fase de colher manifestações. Devemos ouvir mais um professor constitucionalista e, depois, montar uma comissão dentro da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia para fazer o texto do projeto. Meu mandato como presidente da CCJ é de dois anos. Pretendemos elaborar o código dentro desse prazo.

ConJur — Em São Paulo, o Judiciário não tem total autonomia financeira. Os emolumentos vão para os cofres do estado que, depois, repassa para a Justiça. Isso não é ruim?

Fernando Capez — O artigo 98, parágrafo 2º, da Constituição Federal diz que o produto da arrecadação de custas e emolumentos deve ser destinado a arcar com as despesas da Justiça. Em São Paulo, o repasse direto ao Judiciário foi estabelecido por meio de resolução do Tribunal de Justiça. O Supremo Tribunal Federal suspendeu a resolução por entender que o repasse tem de ser determinado por meio de lei estadual. Agora, resta editar uma lei para que a Justiça passe a ser praticamente auto-sustentável. Isso seria bom tanto para o estado, que não precisaria mais destinar recursos para o Judiciário, como para a Justiça, que conseguiria se estruturar melhor. No Rio de Janeiro, já é assim.


ConJur — Mas se falta apenas a lei, porque a Assembléia ainda não liquida o caso?

Fernando Capez — Existem três frentes parlamentares em andamento: uma pela autonomia do Poder Judiciário, outra do Ministério Público e outra da Defensoria Pública. Todas lutam pela elaboração dessa lei. O Executivo também tem de ser chamado para participar da discussão porque, além de ser ele quem sanciona a lei, vai deixar de receber esses recursos.

ConJur — Esse projeto de lei tem de ser iniciativa de qual dos Poderes?

Fernando Capez — Há uma discussão sobre isso. Uns sustentam que é iniciativa do Poder Judiciário, mas há um entendimento do Executivo de que é iniciativa dele. Parece-me que é, de fato, iniciativa do Executivo, já que ele vai ter de abrir mão de recursos. Renúncia à receita tem de partir necessariamente do Executivo.

ConJur — Os juízes seriam bons administradores dos recursos?

Fernando Capez — Eu defendo a autonomia financeira da Justiça e, paralelamente, o profissionalismo na gestão desses recursos. Juízes, promotores e procuradores, normalmente, não são bons administradores. Eles não têm formação para a administração.

ConJur — Seria legal ou juridicamente possível contratar administradores profissionais para gerir o Judiciário?

Fernando Capez — O Judiciário pode contratar pessoas para fazer os seus serviços auxiliares. É muito melhor ter um administrador profissional para gerir a Justiça. Se não existem os cargos, eles podem ser criados por lei. Um administrador gabaritado deveria ganhar como um desembargador. É preciso começar a modernizar a mentalidade em reação à prestação da Justiça. É um serviço público e tem de ser regido pelo princípio constitucional da eficiência.

ConJur — Os juízes resistem à contratação de profissionais para administrar a Justiça?

Fernando Capez — Não existe mais essa resistência hoje. O Poder Judiciário está consciente de que os juízes servem para a solução de conflitos, e não para a administração de recursos financeiros. Presumo que isso seja um desejo comum.

ConJur — O orçamento da Justiça paulista nunca chega nem perto do valor pedido pelo Judiciário ao Executivo. Como a Assembléia pode ajudar a melhorar isso?

Fernando Capez — O caixa do estado é um só para atender aos mais variados segmentos. No Legislativo, é natural que haja um embate das forças mais variadas, cada um defendendo determinado segmento. Pela minha formação, me considero representante da Justiça e acho isso uma prioridade. Vivemos em uma sociedade com tanta violência e tantas tensões sociais justamente porque os conflitos demoram para serem resolvidos, seja no âmbito judicial cível, criminal ou na administração pública.

ConJur — Qual seria o orçamento ideal?

Fernando Capez — A lei de responsabilidade fiscal prevê 6% para o Poder Judiciário e 2% para o Ministério Público. Se chegasse a isso, já estava bom. Mas o ideal mesmo é que toda a arrecadação proveniente de custas e emolumentos vá direto para o Judiciário e que ele a administre.

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