Centro da polêmica

Servidor público deve prestar informações à sociedade

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22 de março de 2007, 15h36

O “Homem da rua”, lembrado pelo advogado Sergio Bermudes em artigo a título de defender o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (Tendências/Debates, do dia 15/3), não deve entender por que um juiz viola os lacres das placas de seus automóveis particulares e os de seus familiares, substitui por placas privativas da polícia (“coisa de bandido”, no dizer de um magistrado) e continua vestindo a toga. Não deve atinar por que o STF considera essa malfeitoria “uma mera irregularidade administrativa”.

O “homem da rua” não deve compreender um ministro que ofende procuradores e outros magistrados: aqueles, por oferecerem “denúncias ineptas”; estes, por “covardia institucional” ao recebê-las. O “homem da rua” não deve imaginar que um ministro em constante atrito com procuradores seja favorável à permanência no cargo de um subprocurador geral envolvido com uma quadrilha, flagrado ensinando um ex-policial a forjar provas.

Já advogados, procuradores e juízes ouvidos por este repórter tinham interesse em saber por que Gilmar Mendes foi relator de um segundo recurso no mesmo Habeas Corpus em que havia sido relator e voto vencido. Esses são fatos de interesse público, merecedores de tratamento pela imprensa. Nada além disso.

Ao contrário do que afirmou o advogado Arnaldo Malheiros Filho, em carta ao jornal, Gilmar Mendes — um defensor da censura prévia à imprensa — não é, nem de longe, alguém “que não pode envolver-se em polêmicas”. Ele sempre esteve envolvido em polêmicas. Em 2000, Sergio Bermudes foi acusado por Gilmar de “prática de chicanas”. O advogado revidou, chamando-o de “insolente” e “grosseiro”. Ótimo que se tenham reconciliado, provando que nem sempre alguma coisa fica depois da maledicência.

Recentemente, o ex-procurador geral da República Claudio Fonteles criticou Gilmar por haver “tisnado” a honra funcional de procuradores sem oferecer um dado consistente sequer.

A sociedade tem o direito de ser informada sobre o acirramento dos ânimos entre procuradores e Gilmar Mendes com a discussão sobre a lei de improbidade administrativa. Como a Folha noticiou, “a origem dessa indisposição é atribuída ao fato de Gilmar ter sido alvo de ações de improbidade, numa das quais é acusado de enriquecimento ilícito”.

A reportagem não discutiu o mérito da acusação nem o perfil do procurador que questionou 451 contratos firmados, sem licitação, entre a Advocacia Geral da União, quando Gilmar era o titular do órgão, e o Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual é citado como sócio cotista, permitindo que subordinados da AGU freqüentassem cursos naquela empresa privada à custa do erário.

Servidor público, pago pelo contribuinte, advogado-geral da União ou magistrado, deve prestar informações de suas atividades à sociedade.

Noticiar fatos para os quais não se obtiveram explicações não é caluniar, como sugeriram os dois advogados. Ao contrário do afirmado por Bermudes, não há “acusação gravíssima” ao STF em listar decisões que contrariaram o Ministério Público Federal.

São fatos de interesse público. Este repórter conversou longamente, por telefone, com Gilmar Mendes. Ouviu o magistrado com respeito e foi tratado com urbanidade. Respeitou o silêncio solicitado, não publicou os comentários nem as acusações que ouviu, algumas ofensivas à honra de procuradores.

No dia seguinte, o jornalista Márcio Chaer, misto de ghost-writer e assessor de juízes, além de editor de um site jurídico, procurou este repórter e tentou obter um relato da conversa. Não conseguiu. Esses procedimentos talvez eliminem as dúvidas do advogado Malheiros sobre os cuidados para se obter o “outro lado”.

Na nota em que o STF defendeu Gilmar Mendes, afirma-se que os ministros do Supremo “não se encontram acima de críticas”. Muito menos os jornalistas. A imprensa erra muito, não gosta de admitir isso, mas os tribunais também falham. Curiosamente, foi este repórter quem alertou o gabinete de Gilmar Mendes para o fato de que um Habeas Corpus havia sido remetido à “seção de baixa de processos” antes de ser julgado. A falha poderia procrastinar, ainda mais, um caso que se arrasta desde 1999.

A nota do STF afirma ainda que os inconformismos “hão de ser manifestados no âmbito dos procedimentos formais”. A recomendação vale para jornalistas, advogados, procuradores e, principalmente, para aquele ministro da mais alta Corte. Como sustenta Sergio Bermudes, no artigo citado, “pela natureza de seu cargo, o magistrado não pode entregar-se a polêmicas e bate-bocas”.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 22/03/2007.

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