Investigação independente

Promotor do caso Celso Daniel lança livro sobre investigações

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28 de maio de 2007, 15h18

A investigação do assassinato do ex-prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, vai ser evocada pelo Supremo Tribunal Federal, em breve, para a discussão sobre limitação dos poderes investigatórios do Ministério Público. A previsão é do promotor natural do caso Celso Daniel, José Reinaldo Guimarães Carneiro. Estrela do MP paulista, à frente do Gaeco, ele acaba de lançar a obra “O Ministério Público e suas Investigações Independentes” (238 páginas, Malheiros Editores). Segundo ele, o caso “tem todos os ingredientes para se transformar em um assunto do plenário”.

O autor do livro afirma que quem passou a atacar o MP, nos últimos cinco anos, “são os corruptos, os colarinhos brancos, as pessoas que de alguma forma deixam as organizações criminosas atuarem, se omitindo em postos do Estado. São os empresários que cometem delitos bárbaros, que trazem milhões e milhões de prejuízo financeiro para o Estado e para a população. E que acabam fazendo a destruição completa das investigações”.

José Reinaldo Guimarães Carneiro recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico, em seu gabinete, para explicar os motivos da obra, nascida de uma tese de mestrado.

Leia a entrevista:

Conjur — O seu livro aborda os dois aspectos da questão: quem é a favor da investigação pelo Ministério Público e quem é contra. Hoje, como o senhor avalia o fato de o julgamento do Remi Trinta ter saído de pauta do Supremo e como está a questão?

Quem vai dar a palavra final a respeito das investigações independentes produzidas no Ministério Público é, sem sombra de dúvida, o Supremo Tribunal Federal. E essa palavra final virá quando os onze ministros votarem a questão. O caso Remi Trinta, eu defendo isso no livro, na verdade, já saiu da pauta do Supremo porque ele era um deputado federal do Maranhão que perdeu a prerrogativa de função e o caso voltou para o Estado de origem. Agora, vai ter de ser criado um julgamento de Plenário para um novo caso que esteja em andamento no Supremo. Pode ser inclusive o caso Celso Daniel. Eu sustento isso no livro porque esse é um caso que tem todos os ingredientes para se transformar em um assunto do plenário. Se isso acontecer, quando os onze ministros votarem, nós vamos saber se promotor pode ou não investigar no Brasil.

Conjur — Por que o caso Celso Daniel é paradigmático para julgar o poder de investigação do Ministério Público?

Porque muitas questões atacadas no caso Celso Daniel, em diversos pontos pelos advogados, foram parar no Supremo. Então, a primeira questão era justamente essa: saber se os promotores de Santo André podiam ou não investigar. A segunda questão, que está no Supremo também, é referente a uma alegação de parte dos defensores de Santo André que diziam o seguinte: os promotores que investigaram não poderiam ter oferecido a denúncia. Essa é uma outra questão que já foi rejeitada no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça. Agora, está no Supremo. Então, pela quantidade de questões ligadas ao tema da investigação no caso Celso Daniel, considero que esse é um tema que vai chegar no plenário de qualquer forma. Então, se isso acontecer, vamos ter uma posição final. Agora, o livro retrata as duas correntes mesmo. Ele foi concluído levando em consideração o posicionamento daquelas pessoas que são contrárias à investigação independente, a jurisprudência e as decisões dos tribunais. As questões foram tratadas com muito cuidado e respeito. Eu tive o auxílio contínuo de uma advogada e de um delegado da Polícia Federal, que são contrários até pela própria postura institucional. Mas isso não impediu, no final das contas, que o trabalho redundasse numa conclusão que é minha e que é absolutamente segura. Eu estou muito convicto de que a investigação independente do Ministério Público, como outra forma de investigação penal, é hoje imprescindível no estado democrático brasileiro. Nós corremos o risco de sofrer um retrocesso democrático extraordinário, se elas forem barradas no Supremo. A população civil sabe disso assim como os pensadores do direito, os cientistas políticos e a imprensa. Enfim, é uma questão que vem na verdade centralizando opiniões desde 2002 e 2003, quando as primeiras decisões num sentido ou no outro começaram a sair nas cortes superiores.

Conjur — O senhor trata no livro também de temas pétreos sobre como o promotor e o procurador devem investigar. À luz de todas essas discussões, no caso Remi Trinta e Celso Daniel, qual é o novo paradigma para o promotor investigar?

Não há um livre script só para promotor de justiça. Eu tive sempre isso em mente. Há um livre script para promotor de Justiça, para delegados da Polícia civil e federal, enfim, para todos os militantes de direito, para os estudantes, para os advogados. Ele traz um anexo ao final que é uma coletânea das disposições legais das investigações independentes. Então, aquelas críticas que as investigações dos promotores costumam sofrer reiteradamente são exploradas para poderem ser balizadas. Ele traz a resolução última do Conselho Nacional do Ministério Público, que dá o parâmetro nacional para as investigações dos promotores. Parâmetro assim: a defesa tem de ser respeitada, tem de ter acesso aos autos da investigação e o investigado tem de se pronunciar perante o promotor de Justiça com a sua versão, como ele faria se a investigação fosse em um inquérito policial. Você não pode distribuir uma investigação que não tenha o controle de uma entidade superior. Por exemplo, nós defendemos com muita veemência, que promotor que abre uma investigação tem de submetê-la ao crivo do controle do Poder Judiciário. Ou, senão, ao crivo constante nos Conselhos Superiores do Ministério Público. Então, não é aquela investigação de gaveta, excusa, com fins ruins, que normalmente a gente sustenta. E se acontecer o abuso? Se acontecer o abuso por parte do promotor ou de um procurador da República, ele tem de ser punido. Nós temos mecanismos para isso.

Conjur — O senhor é a favor de que o promotor investigue sozinho?

Eu sou absolutamente favorável que o promotor investigue sozinho em casos onde a Polícia não pôde investigar até pela sua própria limitação de estrutura ou pela falta da independência dos seus delegados. O promotor tem garantias constitucionais muito poderosas. Ele é inamovível. Então, nada mais natural do que ele poder, quando necessário, investigar sozinho. Agora, não deve ser a regra da investigação criminal. O Estado precisa de uma investigação que seja casada entre organismos variados: Polícia Federal, Polícia Civil e outras entidades mais que prestam esse serviço muito precioso. Nos casos especiais de corrupção, colarinho branco e organizações criminosas, o promotor deve investigar. O processo penal busca a verdade real. Que verdade real é essa que só uma, duas ou três entidades poderiam lançar mão dela? Então, todos têm que ter acesso à verdade. Todos. E a verdade redunda no resultado da investigação.

Conjur — Nas operações da Polícia Federal, levantamentos feitos no ano passado mostram que 94% dos presos foram soltos. As pessoas que vão se defender do inquérito montado pelo Ministério Público estadual ou federal dizem que quando vão degravar uma fita, vêem que é editada só a parte que interessa para a acusação. Se tem algo que absolve o investigado, não vai para o inquérito. O senhor considera que o Ministério Público, à luz do que chega da Polícia, revisa a íntegra das fitas ou já pega aquela edição pronta e pratica o in dubio pro societate?

Depende da investigação e do caso concreto. Agora, se existe um crime que é colocado uma interceptação telefônica num diálogo apenas, é óbvio que a acusação no exercício da defesa social, por conta do cometimento do crime, vai buscar aquele ponto específico. A investigação produzida pelos promotores não pode se balizar só em produção de provas da acusação. Isso é uma outra questão que eu destaco no livro: promotor deve investigar e deve, claro, como resultado da sua investigação, se constatar que o fato não procedeu e que a autoria não está definida. Ele deve promover o arquivamento da sua investigação perante o Poder Judiciário, como se fosse qualquer outra investigação. Esse é o parâmetro.

Conjur — O senhor considera que os promotores têm consciência hoje mais do que nunca de que se ele não oferece uma denúncia bem construída e ela não vai para frente, fica mal pra eles? Ou seja, aumentou a consciência do promotor de que a peça dele é muito importante, talvez mais que tudo, porque ele é o primeiro juiz no caso?

Não só importante como fundamental. A construção da acusação tem parâmetros muito definidos no Código do Processo Penal e devem ser absolutamente seguidos. Então, todo promotor de Justiça hoje tem que ter em mente que a sua acusação deve estar embasada em indícios bastante seguros. E isso é feito no Ministério Público brasileiro com muita excelência. É claro que isso não significa que uma ou outra acusação não possa eventualmente ser rejeitada. A rejeição também é um instrumento do processo penal. E ela, por si só, não significa uma má atuação do promotor. Porém, uma visão do Poder Judiciário sobre aquele caso específico. Nós temos um sistema de pesos e contrapesos que fazem o processo penal seguir o rumo que tem que seguir. Agora, seu eu alijar do Ministério Público o poder de investigar sozinho quando ele precisar fazer isso, o processo penal fica capenga. Na verdade, quem é que ganha com isso? Quem é que é contra a investigação do Ministério Público atualmente?

Conjur — Quem são os agentes que passaram a atacar o Ministério Público nos últimos cinco anos? São políticos e advogados, esses atores sociais?

Não minto para você. São aquelas pessoas que ordinariamente, no passado, o processo penal não atingia. São os corruptos, os colarinhos brancos, as pessoas que de alguma forma deixam as organizações criminosas atuarem, se omitindo em postos do Estado. São os empresários que cometem delitos bárbaros, que trazem milhões e milhões de prejuízo financeiro para o Estado e para a população. E que acabam fazendo a destruição completa das investigações. São essas pessoas que são contrárias. É muito difícil você ver uma pessoa que só pela ideologia é contrária à linha de investigação. Não tem sentido ser.

Conjur — Como o senhor prevê que vai ser o ponto final em relação a essa questão do poder do Ministério Público? Por que não acabou essa discussão?

Não acabou porque ela, na verdade, está apenas começando. Hoje, as investigações produzidas pelo Ministério Público são uma das maneiras de coibir a história de impunidade que havia no Brasil. Então, quando essa história de impunidade começou a ser contrariada, parte das elites brasileiras, inconformadas com esse tipo de posicionamento, é que fez construir essa discussão que hoje foi desaguar no Supremo Tribunal Federal. Para você ter uma noção, outro dia houve uma matéria a respeito de investigações no New York Times e o jornalista americano, o Larry Rother, esteve conosco. Ele comentou aqui numa roda de promotores: “Essa questão de investigação eu não posso nem traduzir para o leitor americano. Essa parte não vai entrar porque o leitor americano não entenderia que um promotor, agente político do Estado, com força institucional que tem o Ministério Público, não pode investigar. Lá eles investigam todo dia”. Então, sem sombra de dúvidas, com uma limitação aqui, com um aparo ali, com uma correção acolá, a tendência do Supremo Tribunal Federal é de valorizar o Ministério Público e as suas investigações legítimas como mais um dos instrumentos da busca da verdade real do processo. Eu tenho muita fé que os tempos futuros trarão essa possibilidade, inclusive à luz das decisões do Supremo Tribunal Federal.

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