Caráter punitivo

Multa tributária não visa compensação ou reposição

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1 de maio de 2007, 9h20

Durante muito tempo, a questão das multas tributárias foi relegada a uma posição secundária em nossa doutrina, não ocupando as atenções de nossos juristas. Mais recentemente, com os sucessivos recordes de arrecadação de tributos, incrementados pelas autuações fiscais e as multas tributárias, a questão da juridicidade desta espécie de sanção, seus limites e princípios, alcançou uma nova relevância no campo do direito tributário.

No entanto, como é possível imaginar, ainda é um tema de estudo polêmico, com muito a se fazer para alcançarmos uma doutrina abalizada. A problemática se inicia com a classificação das sanções tributárias e, por mais anacrônico que pareça, a persistente controvérsia sobre a natureza jurídica da multa moratória.

Alguns autores advogam a tese fazendária e ainda insistem de que esta possui unicamente uma finalidade de ressarcimento do Estado pelo atraso do contribuinte, sustentando sua natureza civil reparatório-compensatório. Neste ponto, majoritariamente, nosso direito se inclina a reconhecer que toda multa tributária possui caráter punitivo, portanto, com natureza de sanção penal. Isso porque as multas moratórias, não possuem a função de recomposição do tributo pago em atraso, que pertence à correção monetária, e nem de compensação pela mora, que é a função dos juros. Portanto, só lhe resta a finalidade coercitiva da penalidade.

Depois de paciente evolução, o STF no julgamento do RE 79.625, finalmente, cancelou a Súmula 191, fonte de controvérsias, vindo a editar a Súmula 565, que diz: “A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência”. As multas tributárias, portanto, são penalidades administrativas pela infração de uma obrigação fiscal definida em lei. Em outras palavras é a coerção objetiva que o Estado-Lei impõe ao contribuinte, pela violação de seu direito subjetivo de crédito, positivando o fato ilícito da relação tributária.

Este ponto é de fundamental importância para a defesa do contribuinte, uma vez que permite a aplicação dos princípios balizadores do direito penal, ramo do direito público, primo-irmão do direito tributário, ao caso concreto da infração tributária. Trata-se de um esforço de mediação supletiva, para suprir a inexistência de uma norma geral reguladora das multas tributárias em nosso país.

A perspectiva proposta é a de situar a problemática das multas tributárias como subsistema, dentro do sistema constitucional de nosso direito tributário e, por afinidade, de nosso direito penal. Desta forma, nosso entendimento é que as multas tributárias sujeitam-se também aos limites do poder de tributar, insertos em nossa Constituição Federal, dentre os quais destacamos o não-confisco e a capacidade contributiva, além de outros princípios dispersos, mas com igual densidade normativa, como o da legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, da finalidade, do interesse público, da gradação, da subjetividade, da não-propagação, da pessoalidade, da tipicidade e, como não poderia deixar de ser, da ampla defesa e do contraditório.

Alguns destes princípios encontramos positivados na Lei 9.784/99, que disciplina o processo administrativo federal. Todos, porém, são endógenos de nossa Carta Magna. Este arcabouço jurídico deve ser manejado com ênfase pelos aplicadores do direito no sentido de coibir os abusos comumente praticados pelos agentes fiscais nas autuações e lançamentos de ofício.

Muitos casos, onde circunstâncias supostamente agravantes, elevam a multa de ofício a patamares absurdos de 150, 300 e até 450 por cento, exigem uma detida análise dos elementos formadores da própria sanção aplicada, disposta sobre o caso concreto. Primeiramente, é preciso observar que jus puniendi do direito tributário, não pode ser exercido sem a estrita observância dos princípios e limitações acima anunciados.

O próprio CTN assegura ao contribuinte alguns direitos que o agente responsável pela autuação fiscal, muitas vezes, ignora em seu procedimento. Uma hipótese de flagrante ilegalidade, embora muito comum, é o caso das normas que delegam ao agente fiscal a gradação das multas segundo sua avaliação da gravidade da infração, por ato discricionário.

Trata-se, primeiramente, de uma violação direta ao princípio da indelegabilidade e vinculabilidade, expressamente previsto no artigo 7º e artigo 142, ambos do CTN. É sem dúvida vício de nulidade da própria autuação, pois é vedado ao ente tributante, delegar ao agente fiscal a gradação de multa, que constitui ato vinculado. Ademais, a gradação de multa é matéria reservada à lei, conforme dispõe artigo 97, V do CTN, devendo esta dispor, caso a caso, os elementos do tipo da infração e a respectiva pena correspondente. Lembremos ainda, que o artigo 112 do CTN assegura o in dúbio pro reo, ou seja, uma interpretação mais favorável ao acusado de infração tributária.

Portanto, é preciso atentar que o juízo de tipicidade da infração tributária, muitas vezes, não se resume na mera constatação da não subsunção formal da conduta contribuinte à norma legal. Fundamental examinarmos o delineamento completo do caso e da hipótese sancionatória tributária.

Os elementos materiais, espaciais e temporais da tipificação devem ser cuidadosamente examinados pelo advogado, pois não é incomum a possibilidade de uma satisfatória defesa contra a autuação fiscal, por um deficiente enquadramento aos elementos do tipo. Damos como exemplo o caso de sonegação e/ou fraude, onde o agente fiscal qualifica a multa de ofício, enquadrando-a no inciso II do artigo 44 da Lei 9.430/96, cuja hipótese legal de incidência, está estritamente vinculada aos artigos 71 e 72 da Lei 4.502/64. Com efeito, o elemento subjetivo do tipo, encontra-se subjugado aos “casos de evidente intuito de fraude”.

Por sua vez, o artigo 71 da Lei 4.502/64 também exige “ação ou omissão dolosa”, para configurar o ilícito fiscal. Obviamente, trata-se de um ônus de prova da autoridade fiscal, provar o dolo o contribuinte, porém é facilmente afastada a hipótese do animmus fraudandi, por parte do contribuinte se nenhum obstáculo ou subterfúgio utilizar para omitir ou manipular suas informações financeiras, colaborando com a autuação fiscal.

Demonstra, assim, que inexiste a tipificação dolosa e sim a ocorrência de “declaração inexata”, a exigir a requalificação da multa de ofício para setenta e cinco por cento, conforme previsto no inciso I do artigo 44 da Lei 9.430/96. É o que enuncia a Súmula 14 do Primeiro Conselho de Contribuinte: “A simples apuração de omissão de receita ou de rendimentos, por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício, sendo necessária a comprovação do evidente intuito de fraude do sujeito passivo.” (DOU, Seção 1, dias 26, 27 e 28/06/2006, vigorando a partir de 28/07/2006).

Existem, ainda, os casos em que a multa tributária aplicada põe em risco a própria existência do contribuinte ou compromete seriamente sua atividade econômica. Nestes casos é possível buscar judicialmente a redução proporcional da multa cominada, por ofensa ao princípio da capacidade contributiva, do não-confisco, da não-propagação e da proporcionalidade, em que o exame da ofensibilidade objetiva da conduta atípica atribuída ao sujeito passivo. Mesmo porque, no irracional turbilhão que se tornou o sistema tributário brasileiro, existem inúmeras obrigações acessórias, os chamados deveres instrumentais, que oneram o contribuinte, muitas vezes sem qualquer praticabilidade, em que a multa por descumprimento, erradamente, possui como base de quantificação a obrigação principal.

A razoabilidade exige que a multa por descumprimento de obrigação instrumental deva possuir base fixa e valor objetivo, relacionados estritamente à materialidade da própria infração, independente do fato gerador subjacente ou da obrigação tributária principal. Portanto, é preciso encarar a questão das multas tributárias sob o prisma dialético da moderna evolução do pensamento jurídico, rompendo com o dogmatismo positivista que lhe tornava matéria indevassável a qualquer questionamento.

Para concluir, vale citar o entendimento do ministro Celso de Mello, como relator do RE 374981/RS: “A prerrogativa institucional de tributal, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direito de caráter fundamental, constitucionalmente assegurado ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da Própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculados em diplomas normativos por este editados”.

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