Concorrência leal

Fusão que resultou na Ambev não é abuso de poder econômico

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11 de junho de 2007, 18h14

A fusão das duas maiores empresas de cerveja do Brasil, Antártica e Brahma, não ficou caracterizada como abuso de poder econômico. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou o pedido de indenização por danos morais e materiais pela Comercial de Bebidas Moro.

A empresa alegou ter existido violação à livre concorrência por cauda da disputa desleal na distribuição de refrigerantes Pesi-Cola e cerveja Brahma após a criação da Ambev. Argumentou, ainda, que, além de as fabricantes distribuírem a bebida, os produtos são comercializados com valor inferior, não possibilitando à Comercial competir com base no preço.

Segundo o relator, desembargador Odone Sanguiné, a empresa não conseguiu comprovar irregularidade na concorrência. A “ausência de provas quanto a atitudes lesivas à concorrência ou manipuladoras do mercado, não permite constatar a concorrência desleal e enseja a improcedência do respectivo pedido de indenização”, afirmou.

Além disso, de acordo com o desembargador, a fusão da Antártica e da Brahma foi submetida à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Para isso, o órgão determinou algumas condições. Entre elas, uma que prevê a possibilidade de a Ambev distribuir diretamente sua produção. “Neste passo, não há ilicitude na conduta da demandada em passar a distribuir diretamente os produtos por ela fabricados.”

A Câmara considerou, ainda, que a empresa tem liberdade para vender diretamente suas mercadorias a quem pretende. “Visto que inexiste qualquer determinação legal ou administrativa no sentido da ré não vender os seus produtos na área de atuação da autora”.

O desembargador destacou também que a imposição de preços desiguais ao mercado só configura ilegalidade caso haja prática predatória, com aumento arbitrário de lucros e prejuízo à livre concorrência. “Nem um nem outros restaram configurados no caso vertente.”

Para ele, o mercado de bebidas mudou, devido ao surgimento de novas marcas, da globalização e da disputa que pode ser observada pelas campanhas publicitárias. “Não se pode querer perpetuidade na forma negocial praticada nos anos 80 e 90”, concluiu.

Leia a decisão

Apelação Cível 70.018.077.529

Nona Câmara Cível

Comarca de Porto Alegre

APELANTE COMERCIAL DE BEBIDAS MORO LTDA

APELADO COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMERICAS – AMBEV

APELADO PEPSI COLA ENGARRAFADORA LTDA

APELADO COMPANHIA BRASILEIRA DE BEBIDAS

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a prefacial contra-recursal e desprover o recurso de apelação, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida, inclusive no tocante aos ônus de sucumbência.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente) e Des. Tasso Caubi Soares Delabary.

Porto Alegre, 09 de maio de 2007.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

1. Trata-se de apelação interposta por COMERCIAL DE BEBIDAS MORO LTDA contra sentença prolatada nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, ajuizada em face de AMBEV – CIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS, PEPSI COLA ENGARRAFADORA LTDA e CIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ÁGUAS CLARAS DO SUL, perante a 11ª Vara Cível do Foro CentraL da Comarca de Porto Alegre, que julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do patrono das requeridas, estes fixados em R$1.500,00 (fls. 832/836).

2. Em razões (fls. 909/953), o apelante sustenta a presença de violação à livre concorrência e a prática de atos concorrenciais abusivos na forma da Lei nº 8884/94, que qualifica a conduta como “prática concorrencial predatória”. Diz que a apelada ingressou no mercado concorrencial de distribuição de suas próprias bebidas, reservando para si preços especiais e abusivos, com os quais a apelante não pode concorrer, daí decorrendo seu aniquilamento como empresa e a violação da livre concorrência. Alega que a inexistência de contrato de distribuição formal entre as partes em nada influi o fato de que a apelante é distribuidora de refrigerantes e cervejas Pepsi-Cola e Brahma desde o ano de 1980, em Alvorada, RS. Destaca que, ao concorrer diretamente com a empresa apelante na distribuição de bebidas de sua própria fabricação no varejo, as apeladas praticam preços abusivos de venda no varejo, ou seja, vendem os mesmos produtos por preços inferiores ao preço que ela (Pepsi) permite à apelante, o que configura abuso concorrencial e manipulação do poder econômico. Afirma que os distribuidores autônomos terminaram por ser excluídos do mercado em decorrência da conduta da apelada. Tece considerações sobre o direito da concorrência, disposto na Lei nº 8884/94 e os pressupostos de sua aplicação no presente caso, em que a apelada, usando abusivamente do seu poder de mercado, manipulou os preços, reservando para si o preço vantajoso e excluiu a apelante do mercado, passando a controlar também os canais de distribuição dos produtos. Alega que a concorrência abusiva está sob investigação perante a Secretaria de Direito Econômico, no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE). Sustenta a incidência da regra geral da responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02, bem como a aplicação da regra de responsabilidade civil objetiva, previstas no art. 20 e no art. 29, da Lei nº 8884/94, dada a prática de preços discriminatórios em abuso de posição dominante. Assevera a incidência dos artigos 208, 209 e 210, da Lei nº 9279/96, que prevê a indenização pelos prejuízos advindos da concorrência desleal, consubstanciada no emprego de meio fraudulento para desviar a clientela e de preço manipulado. Anuncia a abusividade da cláusula contratual que coloca a parte em desvantagem exagerada, incompatível com a boa-fé e a eqüidade. Sustenta que a prova testemunhal confirma que os funcionários da apelada eram orientados a efetuarem vendas diretas dos produtos aos clientes, bem como a praticarem preços mais baixos. Sustenta a presença de danos patrimoniais, refletidos na perda de mercado de distribuição dos produtos Pepsi, na demissão de funcionários, na cobrança indevida de amarração, desamarração das lonas e da carga nos caminhões que descarregam vasilhames vazios ou refrigerantes, e, ainda, na formação de uma clientela e fundo de comércio próprio e na cobrança de “garrafas bicadas”. Afirma a existência de danos morais, consistentes no abalo de sua credibilidade do mercado. Pede a procedência dos pedidos iniciais. Nestes termos, requer a procedência do recurso.


3. Nas contra-razões (fls. 957/968), a apelada requer, preliminarmente, o não-conhecimento do recurso, porque não ataca os fundamentos da sentença, limitando-se a reproduzir peças anteriormente apresentadas. No mérito, rebate os argumentos recursais e pugna pelo desprovimento da apelação.

4. Subiram os autos e, distribuídos, vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes colegas.

5. Em preliminar, a apelada sustenta a falta de impugnação específica dos argumentos lançados na sentença, com a reprodução dos termos já deduzidos em petições anteriores.

6. Por mais semelhança que os argumentos recursais guardem com aqueles já lançados ao longo da instrução probatória, não se pode dizer que se trata de mera reprodução de teses já aventadas a ensejar o não-conhecimento do recurso. Com efeito, o recurso devolve a matéria sentenciada a esta Corte, de maneira adequada, enfrentando os fundamentos da sentença e permitindo a este órgão fracionário a exata compreensão da irresignação. Conclusão diversa conduziria à ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

7. Desse modo, rejeito a preliminar contra-recursal e conheço do recurso de apelação, passando ao exame do mérito.

8. Pois bem, a criação da AmBev – Companhia de Bebidas das Américas foi anunciada em 1º de julho de 1999, como resultado da associação das duas maiores empresas brasileiras do setor: Companhia Antarctica Paulista e Companhia Cervejaria Brahma. A partir deste momento, em 19 de abril de 2000, com a aprovação do pedido de fusão perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), houve uma alteração da política de distribuição dos produtos das requeridas, que, segundo a autora, caracteriza abuso de poder econômico e concorrência desleal, ensejadores de indenização por parte da requerida pelos prejuízos materiais e morais sofridos pelo autor.

9. Com efeito, narra a autora que, a partir da criação da AMBEV, as demandadas AMBEV, PEPSI COLA ENGARRAFADORA LTDA, e CIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ÁGUAS CLARAS DO SUL, passaram a vender diretamente aos consumidores os produtos, em idêntica zona de atuação da autora, praticando preços abusivamente baixos, comumente abaixo do custo de produção, para ganhar o mercado, o que levou ao declínio demasiado nas suas vendas, eliminado-a do ramo, restando caracterizada a concorrência desleal. Desta forma, a parte autora pleiteia (a) o pagamento de danos morais; (b) danos materiais consistentes em lucros cessantes e danos emergentes, além de indenização pelo fundo de comércio que criou e as requeridas se apoderaram, por todo o estoque de vasilhames de vidros e caixas/pallets que teve que adquirir compulsoriamente, também o valor de 0.5% sobre as compras realizadas referente às garrafas “bicadas”; (c) ressarcimento pela cobrança das amarrações e desamarrações, enlonamento e deslonamento dos caminhões que transportavam os vasilhames, bem como pelas despesas rescisórias que teve com a demissão de funcionários ocasionada pela queda das vendas.

10. Importa verificar, nesta instância recursal, se restou efetivamente caracterizada ou não a prática da concorrência desleal por parte das demandadas.

11. De início, convém frisar que a liberdade de contratar não se confunde com a liberdade contratual. A primeira refere-se à iniciativa particular de contratar ou não, bem como ao momento oportuno e com quem contratar, enquanto a segunda dirige-se ao objeto e estipulações do contrato, conforme se extrai das lições de ARNOLDO WALD (in Obrigações e Contratos, 12a. edição, Editora Revista dos Tribunais):

“A autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e da liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato” .

12. Mesmo vigente a liberdade contratual, esta pode sofrer restrições por parte do Estado, em face da supremacia do interesse público, de modo a que seja preservado o equilíbrio da ordem econômica e social da coletividade, evitando, dessa forma, a ocorrência de exageros que resultem em prejuízos à sociedade.

13. Por certo, a autonomia de vontade continua a constituir-se alicerce do direito contratual, contudo sua prevalência há de ser mitigada a fim de que sejam coibidos os desvios que, diga-se de passagem, ocorrem com uma certa regularidade.

14. Neste sentido é o comando emergente do § 4º, do artigo 173, da Constituição Federal, que assegura, in verbis:

“§ 4º. A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação de concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.”


15. A Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, assegura:

“(…)

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros;

IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;

(..)

XVIII – vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;

16. As práticas constituem infração à ordem econômica na medida em que tenham por objeto ou que possam produzir efeito tipificado em qualquer dos incisos do art. 20, retroreferido.

17. Na esteira do disposto no art. 333 do CPC, incumbe à parte autora demonstrar as suas alegações, que, no caso, dizem respeito ao uso abusivo do seu poder de mercado, manipulando os preços, reservando para si o preço vantajoso e excluindo a apelante do mercado, passando a controlar também os canais de distribuição dos produtos, tudo tipificando infração à ordem econômica, estipulada no art. 20, da Lei nº 8.884/94

18. Pois bem, a operação de concentração das referidas empresas foi submetida à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia do Ministério da Justiça, que a aprovou, sob determinadas condições (fls. 548/562), entre as quais se incluiu a possibilidade de a AMBEV distribuir diretamente seus produtos, conforme item (e), iii, da decisão (fl. 559), verbis: “Em locais onde houver distribuição direta, deverá a AMBEV distribuir, pela sua rede própria, os produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas”. Neste passo, não há ilicitude na conduta da demandada em passar a distribuir diretamente os produtos por ela fabricados, conforme indicou a testemunha Walter Monteiro, então supervisor de vendas da Pepsi e da Brahma, à fl. 768.

19. Ademais, a imposição de preços não eqüitativos ao mercado, alegada pela parte demandante, só configura ilicitude, suscetível de coibição, na medida em que determinar a incidência de qualquer dos incisos do art. 20, da Lei nº 8884/94. É esta a lição da melhor doutrina sobre a matéria, a exemplo de Paula A. Forgione, em seu livro “Os Fundamentos do Antitruste”, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 360, verbis: “é preciso que a imposição do preço abaixo de seu custo tenha por objeto ou possa produzir um dos efeitos tipificados no art. 20 da Lei Antitruste. Ademais, para caracterizar o ilícito, a prática há de ser injustificada.”

20. Assim, imperioso que, em primeiro lugar, a parte demandante comprovasse os preços caracterizados como predatórios praticados pela ré, e, em segundo lugar, demonstrasse o aumento arbitrário de lucros e o prejuízo à livre concorrência. Nem um nem outro restaram configurados no caso vertente, valendo notar que, para tanto, a autora dispunha de critérios insculpidos na Lei nº 8884/94, como (a) o custo do produto; (b) o preço de produtos similares anteriormente produzidos; (c) a existência de ajuste ou acordo que permita a fixação artificial do preço do produto ou de qualquer dos seus custos, devendo observar o contexto do mercado relevante (Vide: Forgione, Paula A., “Os Fundamentos do Antitruste”, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 360). Trata-se de prova, essencialmente, documental, a qual a parte autora não apresentou, restringindo-se, no ponto, às menções das testemunhas sobre diferenças de preço praticadas pela AMBEV da ordem de 05% a 20% menos do que os demais distribuidores, o que é muito pouco para confortar a tese de prática de preços predatórios (fls. 796/799).

21. A mesma doutrinadora antes citada reconhece as dificuldades para aferição da incidência do art. 21, inciso XVIII, da Lei nº 8884/94, acima referida, dados os percalços técnicos na determinação do custo do produto, valendo notar que a prática de preços abaixo do custo por parte de agentes econômicos para conquistar uma parcela inicial de mercado só pode ser coibida, mediante a análise do art. 20 da Lei Antitruste (isto é, se a prática prejudica a livre concorrência), sendo possível a sustentação de que a venda abaixo do preço de custo, nesse caso, não prejudicaria, mas fomentaria a concorrência. Aliás, veja-se que a parte autora não foi levada à bancarrota após o ingresso da ré no mercado de bebidas; diversificou sim a sua atuação de maneira a adaptar-se ao novo contexto., continuando a relação comercial com a demandada, conforme depoimento do gerente comercial da AMBEV, Gerson Manovani, à fl. 773.


22. De outro lado, a decisão do CADE também permitiu à AMBEV compartilhar sua rede de distribuição com outra empresa. No ponto, conforme manifestação da própria autora, restou comprovada documentalmente a nomeação de distribuidora exclusiva dos produtos das requeridas (fls. 241/242).

23. Neste passo, irretocável o entendimento a quo no sentido de que “a escolha de distribuidor exclusivo passa por aprovação da empresa fabricante, de forma que não pode a autora se irresignar com a predileção pelo simples fato de não ser para si rentável tal nomeação.” (fls. 832/836)

24. Ainda convém salientar a vigência da liberdade contratual de modo a evidenciar a licitude da conduta da demandada de vender diretamente suas mercadorias a quem elege fazer jus, visto que inexiste qualquer determinação legal ou administrativa no sentido da ré não vender os seus produtos na área de atuação da autora.

25. Como bem acentua Francesco Galgano (apud Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Coimbra, Almedina, 1982, p 198-199), em lição perfeitamente aplicável entre nós, “A liberdade de iniciativa econômica é liberdade dos privados de dispor dos recursos materiais e humanos; (…) pressupõe, de forma mais geral, a liberdade contratual, sendo o contrato, fundamentalmente, o instrumento mediante o qual o empresário, por um lado, obtém a disponibilidade dos recursos a utilizar no processo produtivo e, por outro, coloca o produto no mercado (…)”.

26. Destarte, a meu sentir, irretocáveis as conclusões lançadas na sentença, que, com a devida vênia, vão adotadas como razões de decidir o presente recurso, verbis:

“Assim, os argumentos tecidos pela autora não são corroborados pela decisão do CADE, que autoriza a venda direta, bem como ordena o compartilhamento da distribuição. Ressalto que os negócios são efetivados diretamente pelos compradores com a distribuidora exclusiva – exceto os grandes clientes, como supermercados de expressão nacional -, que é a MM Castro Comercial de bebidas Ltda como informado pela testemunha Ronaldo Luiz Romanoski (fl. 798), e não pela Ambev como sustentado.

Outrossim, notório é que houve mudança no mercado de bebidas que hoje se mostra incutido na sociedade, seja pela investida de novas marcas, seja pela globalização onipresente, seja pela disputa acirrada demonstrada nas milionárias campanhas publicitárias, mas o certo é que não se pode querer comparar as relações comerciais efetivadas pelas partes há mais de década com as atualmente entabuladas.

Ademais, a relação existente não se dissipou, apenas modificou-se por questões nitidamente mercadológicas, ao passo que não se pode querer perpetuidade na forma negocial praticada nos anos 80 e 90; a autora continua a distribuir produto das requeridas, por óbvio que em menor escala, sendo que diversificou sua atuação, mantendo-se assim no mercado.

De outro lado, a posição das requeridas, em nomear um representante exclusivo, não pode ser considerada desleal pelo simples fato do passado da autora ter sido rentável as partes. Como nunca houve exclusividade e agora há, não pode ser procedente a insurgência da parte autora em querer indenizações pela modificação das formas de venda, como também entendimento jurisprudencial seguinte:

“DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DOS PRODUTOS ALFA PARF NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONCORRÊNCIA DESLEAL. Considerando que a relação material existente entre as litigantes não vem calcada em contrato escrito, mas em verbal, bem como atenta à prova coligida aos autos, vê-se que a cláusula de exclusividade existente entre a antecessora da apelada e a irresignante (nova distribuidora no Brasil dos produtos Alfa Parf), não fora incorporada na nova relação vigente entre as partes. Não houve sucessão societária. Criadas foram outras duas empresas, com personalidades jurídicas distintas, as quais passaram a empreender nova relação, passando a apelada a distribuir os produtos Alfa Parf não mais com exclusividade. Nova sistemática na distribuição dos produtos fora implantada pela apelante. Não havendo, portanto exclusividade, a introdução de novos distribuidores na área não implica no reconhecimento de eventual concorrência desleal. Fato gerador das indenizações perseguidas afastado. Improcedência da demanda. Inversão dos ônus sucumbenciais. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70003886074, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 29/05/2003)”

A “guerra de preços” que vem alegada como sustentáculo cabal da concorrência desleal não foi suficientemente comprovada. Os documentos juntados (fl. 243/250) não demonstram a utilização abusiva de preços, mesmo porque o autor demonstra que a revendedora exclusiva os tem abaixo dos praticados pela fábrica, sendo mais rentável a aquisição de produtos da distribuidora; ainda, as notas fiscais mencionadas não podem servir de parâmetro para comparação, porquanto as de aquisição direta da fábrica são dos anos de 2001 e 2003 (fl. 243/249), enquanto que as de aquisição junto à distribuidora são do ano de 2004 (fl. 250).


Por fim, a prova testemunhal colhida, de forma geral demonstra que os preços praticados pela fabrica era mais atrativo aos compradores, sendo que o valor era menor em torno de 05% a 20% conforme depoimento das testemunhas (fl. 796/799), sendo que a contratação direta entre estes trazia um prejuízo, que era o pagamento à vista, enquanto que a distribuidora autora concedia prazo, conforme depoimento da testemunha Walter Monteiro (fl. 768).

Desta forma, com mais propriedade pode-se afirma que a mudança de estratégia das requeridas foi natural e lícita, havendo uma concorrência dentro dos padrões normais, descabendo os pedidos da inicial.”

27. Neste passo, a decisão do CADE, conforme tabelas extraídas do próprio sítio eletrônico da autarquia (fl. 550) já previa, no “caso AMBEV”, a presença de custos na operação de fusão, consubstanciados na “eliminação da concorrência”, “redução setorial de produção e emprego” e “restrição à escolha do consumidor”, os quais deveriam ser compensados com medidas restritivas, impostas pelo CADE à AMBEV, quais sejam e respectivamente para fazer frente ao custo, “viabilização de novo concorrente e acesso à distribuição para o mercado”, “Ambev não pode fechar fábricas nos próximos 4 anos sem antes oferecer ao mercado e programa de retreinamento e recolocação de trabalhadores que perderam emprego em razão da fusão nos próximos 4 anos” e “desobrigação da exclusividade no ponto de venda”. Ademais, como resultado da operação, o CADE previa a colocação no mercado de “produtos mais baratos e melhores para o consumidor” (fls. 552/553).

28. Não se configura, no caso, abuso de poder econômico, ou de posição dominante, valendo notar que a liderança da demandada no segmento de bebidas não conduz à necessária eliminação do concorrente do mercado, ou a sinalização para evitar a entrada de concorrentes. A parte demandada agiu sobre a cobertura legal e regulamentar, não caracterizando domínio de mercado ou eliminação total ou parcial da concorrência. Ao menos, a prova coligida aos autos não conduz a outra conclusão, e o juiz, ainda que não possa buscar a verdade dos fatos – e essa sequer pode ser sua intenção – não pode abrir mão da necessidade de se convencer para julgar o mérito.

29. Assim, em sendo inaplicáveis ao caso o art. 20, da Lei nº 8884/94, também não há falar-se em responsabilidade objetiva, e, por via de conseqüência na incidência do art. 927, parágrafo único, do CC/02, bem como os artigos 208, 209 e 210, da Lei nº 9279/96, que prevê a indenização pelos prejuízos advindos da concorrência desleal e o artigo 29, da Lei 8884/94, recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, em defesa de interesses individuais ou individuais homogêneos.

30. Por conseguinte, correta a conclusão do Juízo a quo quanto ao afastamento do pleito de danos patrimoniais e morais, motivo pelo qual vai chancelada por esta Corte, verbis:

No que tange aos pedidos indenizatórios referentes aos danos morais, bem como materiais consistentes em fundo de comércio, vasilhames, caixas/pallets, publicidade, percentagem por garrafas “bicadas”, (em/des)lonamento, (des)amarrações, despesas com demissão de empregados, cabe ressaltar que seriam cabíveis em caso de rescisão contratual e não pela concorrência, porquanto a relação ainda existe, mesmo que em menor volume.

Ao que parece a pretensão é de repassar às requeridas todos os ônus da atividade que exerce – ou exerceu – , ficando apenas com os bônus, ou seja, as despesas para compra de vailhames e caixas/pallets, bem como as despesas com publicidades são da essência do negócio. As cobranças sobre serviços de (em/des)lonamento, (des)amarrações, que foram padronizados, não podem ser considerados abusivos. Igualmente, a percetagem sobre as garrafas que apresentaram defeitos, não demonstra excesso das requeridas, porquanto ao receber os vasilhames a autora tinha ciência de que todos estavam em perfeitas condições, sendo justo que ao devolver os mesmo estejam em iguais condições; como tal análise seria demorada, nada mais justo que a cobrança fundada em cálculo médio.

A natureza da relação que existe há cerca de 02 décadas envolve investimento da autora, que pelos pedidos indenizatórios se nota a tentativa de efetuar uma descaraterização dos itens que sempre foram necessários ao aviamento empresarial.

Por fim, em relação ao fundo de comércio, melhor sorte não assiste à autora, uma vez que a comercialização de produtos mundialmente reconhecidos, como é o caso dos envolvidos na relação, por si só já é capaz de induzir ao consumo. Analisando-se sobre outro prisma, pode-se reconhecer, ainda, que a autora por largo período se beneficiou com marca, não havendo com isto indenização de parte a parte.

A jurisprudência é nesse sentido:

“CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E REVENDA DE BEBIDAS ¿ ACORDO SOBRE RESCISÃO CONTRATUAL ¿ PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE LUCROS CESSANTES E PERDAS E DANOS DOIS ANOS APÓS DE FIRMADA A AVENÇA – INDENIZAÇÃO PELA DEPRECIAÇÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO. DESCABIMENTO. 1. O acordo firmado entre a indústria e a fornecedora, inclusive com a participação de advogado de confiança da contratada, abrangeu todas parcelas indenizatórias da rescisão operada, sendo inviável a discussão a respeito de fundo de comércio, mormente quando a marca do produto Brahma é de conhecimento público e notório. 2. Não se verifica, também, qualquer vício a macular o pacto de rescisão entre as partes, quedando-se incomprovado o desequilíbrio contratual apregoado pela distribuidora, a qual, por quase duas décadas, operou no sistema de distribuição do produto, especialmente por verificada a desistência da prova pericial pela autora. 3. Ademais, havendo previsão contratual expressa, a rescisão há de ser admitida, especialmente se respeitado o prazo de notificação, como no caso, indenizada inclusive em virtude da abreviação do encerramento das atividades da distribuidora. 4. No referente à venda direta efetuada pela indústria, não há como olvidar de previsão contratual a este respeito, além de expressa anuência da distribuidora. 5.Decisão, por sua excelência, confirmada na íntegra. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70005729512, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 29/10/2003)”

31. Por tais motivos, convencido acerca da precariedade da prova para configuração de violação à ordem econômica, como quer a parte autora, mantenho o veredicto de improcedência do pleito inicial.

32. Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a prefacial contra-recursal e desprover o recurso de apelação, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida, inclusive no tocante aos ônus de sucumbência.

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (REVISOR) – De acordo.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE) – De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70018077529, Comarca de Porto Alegre: “REJEITARAM A PRELIMINAR CONTRA-RECURSAL E DESPROVERAM O RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: LUIZ MENEGAT

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