50 anos depois

Livro mostra que, 50 anos depois, mazelas da Justiça permanecem

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26 de fevereiro de 2007, 16h36

O livro A Justiça a serviço do crime poderia ser mais uma das muitas críticas que o Judiciário recebe da sociedade e de advogados. Mas surpreende por ter sido escrito por um juiz, que não agüentou e desabafou todas as mazelas da instituição. Dácio Aranha de Arruda Campos demorou pouco mais do que quatro dias para escrever as páginas de desabafo e cinco anos à espera de coragem para publicar sua obra.

A coragem chegou em 1959, ano em que saiu a primeira edição do livro. Quase meio século depois de sua primeira publicação (1959), A Justiça a serviço do crime está em sua quarta edição. Relançado pela editora Outras Palavras (clique aqui para saber mais), impressiona pela atualidade. Arruda Campos morreu, em dezembro de 1981, com 66 anos de vida.

Quando publicou a primeira edição da obra viu escorrer pelas suas mãos a carreira na magistratura. Ele, que aguardava a promoção por antiguidade para chegar a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi enxotado do Judiciário. Não pelos seus colegas, mas por um dos Atos Institucionais da ditadura militar que imperava no país na época. Debaixo das cortinas da Justiça, sofreu um processo administrativo no TJ, acusado de ser comunista, e foi absolvido. Dizem que o tribunal preferiu não manchar a sua história, já que a ovelha negra da Justiça já tinha sido banida.

O depoimento de Arruda Campos doeu nos seus colegas de profissão porque escancarou o problema não só à sociedade, mas à própria consciência dos juízes. A grande maioria dos togados, diz Arruda Campos, não se preocupa com a Justiça, mas com uma suposta segurança da sociedade. Aquele que ameaça essa segurança e se deixa ser pego tem de ser colocado de lado, ou seja, nas prisões. Mais ou menos como colocar a sujeira para debaixo do tapete e esquecer que, mesmo escondido, ela continua sendo sujeira.

Mesmo aqueles que não concordam com as propostas de Arruda Campos têm de admitir a coragem e humildade que esse juiz teve ao dar um tapa no corporativismo que reina no Judiciário e expor as suas falhas, das quais ele próprio fez parte. A sua crítica é macro. Abrange o sistema a que todos chamam de justiça e ele, de meia Justiça.

Na obra, acusa seus colegas de toga de prevaricação quando deixam de soltar aqueles que estão presos ilegalmente. Prevaricação cometem também, diz Arruda Campos, quando se limitam, supostamente, a esconder o chamado criminoso em presídios e não primar pela sua recuperação, que deveria ser o objetivo final da Justiça. “A ação dos juízes acaba quando o preso é recolhido ao xadrez. É o grande mal”, escreve.

Para ele, os juízes tinham de acompanhar a recuperação e reintegração do preso à sociedade. Não fazem isso. Simplesmente mandam prender e esquecem o cidadão dentro dos presídios, onde reina a mistura entre o bandido de ocasião e o de vocação. “Em lugar de presos, deve considerar-se que nas cadeias vivem homens”, escreve Arruda Campos. E mais: “se os homens são desiguais, tratá-los com igualdade significa tratá-los com injustiça”.

Arruda Campos contesta o cerco de proteção em volta do Judiciário. Defende que a população deveria ser chamada a escolher os representantes do Judiciário também, assim como acontece nos outros dois Poderes, para que os dirigentes de toga possam ser cobrados pela sociedade de seus atos. E, assim, sentirem-se obrigados a prestar um bom serviço e não contar apenas com o coleguismo e a antiguidade para serem promovidos. Hoje, o que acontece dentro do Judiciário é descrito por Arruda Campos dessa maneira: “Abre um incapaz, com o pescoço, a porteira do primeiro concurso, e ninguém o impedirá de chegar a desembargador”.

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