Administrador de crises

Entrevista: Rubens Approbato Machado, advogado

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25 de fevereiro de 2007, 0h00

Rubens Approbato Machado - por SpaccaSpacca" data-GUID="rubens_approbato_machado.jpeg">Muito serviço e poucos advogados. Faculdades de Direito eram uma raridade. Para suprir a demanda de profissionais, criou-se a figura do rábula, práticos em Direito, sem diploma mas com conhecimento e intuição para prestar serviços jurídicos. Assim era a advocacia quando Rubens Approbato Machado se formou, em 1956.

Cinqüenta anos depois, o país tem 500 mil advogados e mais de mil faculdades despejam novas levas de profissionais no mercado a cada ano. “Ainda assim, nunca vi advogado naufragar. Basta se dedicar e saber se comunicar”, ensina.

Com meio século de advocacia, Approbato diz que erra quem se lamenta pelas crises. “Nós, advogados, é que administramos as crises, compomos a lide para eliminar a crise, seja ela familiar, social ou de segurança. Se não houvesse crise e todos cumprissem estritamente as leis, se o relacionamento entre as pessoas fosse obedecido, não precisaríamos de Justiça, nem de advogado.” Lapidar.

Appobato lamenta que durante as discussões da reforma do Judiciário foi feita propaganda enganosa, como se fosse possível engrenar a máquina do Judiciário por decreto. Para ele, o que falta à Justiça é gestão competente, não novas leis. “Existem cartórios judiciais absolutamente em dia. Outros, nas mesmas condições, com o mesmo número de funcionários e de processos, têm pilhas de ações atrasadas. Isso é falta de lei?”, questiona. Não. Todos são regidos pelas mesmas normas. O que os diferencia é a administração de cada um.

Ex-presidente da seccional paulista (1998/2000) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2001/2004), Approbato é hoje diretor da Escola Superior de Advocacia em São Paulo. Atualmente ocupa a presidência do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, sua segunda paixão profissional, depois da advocacia.

Nesta entrevista à Consultor Jurídico, além da carreira e de Justiça, o advogado falou também da entrada de escritórios estrangeiros no país, de sua experiência como juiz eleitoral e de auditor da Justiça esportiva.

Leia a entrevista

ConJur — O que mudou em 50 anos na advocacia?

Rubens Approbato Machado — Há 50 anos, a advocacia era artesanal. Pelo número menor de profissionais e pelo tipo de relação, a profissão era mais pessoal. O advogado discutia com o cliente o problema, trabalhava na elaboração das petições, tinha presença quase diária em audiências e nos fóruns. Havia mais tempo e respeito, inclusive pelos adversários nas causas. Juízes e advogados também se respeitavam mais. Aliás, o juiz tinha uma formação humanística extraordinária. Testemunhei a transformação, principalmente porque comecei a trabalhar como auxiliar de cartório e depois fui escrevente. Vivi o cotidiano do que se chamava de família forense. Aprendi muito com advogados mais velhos. Como fui o primeiro da família a ter um diploma de curso superior, tive de aprender com os colegas mais experientes. Sempre fui amparado, até mesmo pelos adversários. Havia menos profissionais e mais tempo.

ConJur — Precisava-se menos de advogado?

Approbato — Não. O número de advogados era até pequeno em face da necessidade da assistência jurídica. Mas havia menos faculdades. Quando me formei, em 1956, além da Faculdade do Largo São Francisco, havia a PUC e o Mackenzie, salvo engano. Fora da cidade de São Paulo, havia a Faculdade de Direito de Bauru. Fora do estado, havia muita procura pela Faculdade de Direito de Niterói. Quem não conseguia entrar na Faculdade de Direito da USP ia para Niterói e, depois, tentava transferência para a USP. Lembro que em 1954 ou 1955 houve um movimento de alunos da USP contra as transferências.

ConJur — Por que?

Approbato — Há uma história interessante sobre o conceito das faculdades. Havia um juiz da 1ª Vara Criminal de São Paulo, conhecido como Plínio Louco porque era nervoso, temperamental. Um dia, um jovem advogado, recém-formado, foi despachar com ele. Temeroso pela fama do homem, perguntou como ele, advogado, deveria se portar perante o juiz: se deveria falar em pé ou sentado… O juiz afirmou: “Depende. Se for da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, fale sentado. Se for da PUC, fale em pé. Mas, se for da Faculdade de Direito de Niterói, fale comigo de joelhos”.

ConJur — O que era feito para suprir a falta de advogados?

Approbato — Havia os rábulas. A lei permitia que pessoas sem formação superior jurídica, mas que conheciam os procedimentos jurídicos e processuais, atuassem. Eram os chamados provisionados. A OAB tinha um quadro de provisionados. E houve rábulas notáveis. Na obra de Jorge Amado são citados grandes rábulas, que eram os donos da oratória em matéria de júri. Depois da proliferação de faculdades, o quadro de provisionados foi extinto.


ConJur — E o que é melhor: ter os provisionados de antes ou os excedentes de hoje?

Approbato — Nem um, nem outro. Houve ótimos provisionados, mas a maioria era de ex-funcionários de cartório, que não tinha conhecimento doutrinário, de jurisprudência, de interpretação. Eles eram práticos. Isso causava um desequilíbrio quando do outro lado havia um advogado bem preparado. Mas, era um mal necessário.

ConJur — Os estudantes de Direito não poderiam suprir essa deficiência?

Approbato — O estudante já trabalhava com advogados durante a faculdade. E, a partir de um determinado momento, foi criada a figura do solicitador acadêmico — que equivale ao estagiário de hoje. O solicitador se inscrevia na Ordem e podia praticar alguns atos. Uma curiosidade: não era a OAB que permitia a inscrição como solicitador. Era o presidente do Tribunal de Justiça. Foi com a carta do desembargador Guilherme Lacorte, presidente do TJ paulista, que em 1955 eu requeri a inscrição como solicitador acadêmico na OAB.

ConJur — O senhor se formou em 1956 e montou seu escritório. Como funcionava um escritório naquela época?

Approbato — Sempre tive em mente que a advocacia tem de ser pessoal. Tenho de tomar conhecimento direto com o cliente de seus problemas, de estar presente. E não é possível fazer isso em um sistema empresarial, como ocorre hoje nos escritórios do Brasil e em grande parte do mundo. Por isso, até hoje mantenho a sistemática artesanal.

ConJur — Como o senhor vê a organização da advocacia como empresa?

Approbato — Advogar hoje é difícil. Os grandes escritórios têm um esquema realmente empresarial e correm todos os riscos de manter essa estrutura. É necessário ter uma administração notável, manter uma carteira de clientes constante e ampla e enfrentar a concorrência cada dia mais acirrada. De qualquer forma, é uma sistemática. A outra é continuar fazendo a advocacia artesanal, porque há mercado para ela. E existe a terceira opção, que é trabalhar em parceria. Eu não quero montar um escritório com 200 advogados, então faço parcerias com outros escritórios que atendam as demandas do meu cliente. Quando ele tem um problema criminal, eu o encaminho ao meu parceiro. E quando o cliente deste meu parceiro criminalista tem um problema societário ou falimentar, ele vem ao meu escritório. Na prática, montamos uma grande estrutura como a dos grandes escritórios.

ConJur — Como é que o senhor vê a entrada de escritórios estrangeiros no Brasil?

Approbato — O advogado estrangeiro, para atuar no Brasil, precisa revalidar diploma e se inscrever na Ordem. Se não fizer isso, está praticando contravenção penal e nós vamos persegui-lo. E o que se permite no Brasil é que ele dê consultoria em legislação estrangeira, orientação sobre as normas de seu país. Não pode postular em juízo. Agora, por que houve a entrada de profissionais estrangeiros no país? Porque nós não estávamos preparados para atender à demanda de contratos internacionais, por exemplo. A maioria dos advogados estava acostumada ao arroz com feijão brasileiro. Quando puseram um tempero estrangeiro, nós tivemos dificuldade de digerir. Ou seja, há mercado, mas é preciso se atualizar. O advogado bem apetrechado não enfrenta tantos problemas.

ConJur — Como negócio, a advocacia depende da propaganda. Mas há certa resistência para que advogados aceitem esse fato, não?

Approbato — Antes, o advogado se formava e botava uma placa na porta da sua casa. “Zé da Silva, advogado”. A placa na porta bastava para ele ser procurado. Hoje, posso ser um talento sem precedentes, se apenas botar uma placa na porta, vou morrer de fome. Se não souberem quem eu sou, se eu não for um cidadão partícipe, não serei procurado nunca. Mas a questão da propaganda é um problema sério porque é preciso dosá-la com a ética. A atividade profissional do advogado não é uma atividade mercantil, portanto não pode ter o mesmo sistema de publicidade dos demais negócios.

ConJur — Nos Estados Unidos a publicidade da advocacia é tão agressiva quanto a dos negócios.

Approbato — O nosso Código de Ética é extremamente rigoroso. É preciso revê-lo porque, hoje, o advogado precisa de exposição para conseguir clientes. Mas a propaganda aqui no Brasil não pode ser como nos Estados Unidos, onde você abre os classificados dos jornais e encontra advogado te oferecendo a bancarrota. Havia um advogado americano que procurava a seção de necrologia e ia aos lugares onde se preparava o morto para descobrir a família, se o falecido tinha bens. Quando a família chegava ao velório, ele já estava lá, chorando junto com o cadáver e distribuindo cartões. Se fizer isto aqui no Brasil, está suspenso da advocacia.

ConJur — Há mercado de trabalho para todos os advogados?


Approbato — Há. O número de advogados, hoje, é muito alto, mas o número de pessoas que precisam de advogado é maior também, porque as relações ficaram mais complexas. Em São Paulo, devemos ser cerca de 200 mil advogados. E é possível todos sobreviverem. Nunca vi advogado dedicado, estudioso, que tenha naufragado, desde que saiba se comunicar. Não adianta lamentar as crises. Nós, advogados, é que administramos as crises, compomos a lide para eliminar a crise: seja familiar, social, da segurança. Se não houvesse crise e todos cumprissem estritamente as leis, se o relacionamento entre as pessoas fosse obedecido, não precisaríamos de Justiça, nem de advogado. É importante ressaltar que a OAB não é contra o volume de advogados ou contra o número de faculdades, e sim contra o mau ensino, o mau profissional.

ConJur — O recente envolvimento de advogados com o crime manchou a imagem da advocacia junto à população. Como resgatar essa imagem?

Approbato — Primeiro, em todas as profissões há bons e maus profissionais. Segundo, se olharmos a quantidade de advogados que colocaram a profissão a serviço do crime, veremos que esse número é baixíssimo perto do total de profissionais. Nós advogados, como os padres e os pastores, não defendemos o pecado, defendemos o pecador. Quer dizer, nós não somos partícipes do pecado, mas nós queremos que aquele que pecou tenha uma sentença justa. Para ter uma sentença justa, você tem que descer a todos os pormenores do pecado cometido, para saber o grau desse pecado, as razões do pecado, as eventuais atenuantes que possam dizer por que é que pecou. É essa a imagem que a sociedade deve ter do advogado.

ConJur — Qual deve ser o papel da OAB? Corporativo ou político?

Approbato — Corporativo e político. A Ordem dos Advogados do Brasil é a maior instituição deste país. O presidente do Conselho Federal da OAB não é só o presidente da entidade. Ele é o presidente da sociedade civil brasileira, porque a Ordem representa a sociedade civil brasileira, sim. Isso é matéria política? É claro. Mas não é política partidária. É política no sentido aristotélico do bom governo. Com um bom governo, teremos um Estado Democrático de Direito efetivo, onde haja justiça e condições de exercício da cidadania. Isso fortalece o Estado e a entidade. E quem ganha com o fortalecimento da OAB?

ConJur — O advogado…

Approbato — Sim. A lei foi sábia e deu duas atribuições para a Ordem. A primeira é a institucional. Compete à OAB a fiscalização da obediência à Constituição, às normas legais, ao primado do Direito e da justiça, aos direitos humanos. Veja, esta é a primeira atribuição. A segunda é que é a corporativa, de disciplinar a profissão.

ConJur — A OAB sempre foi considerada mais do que uma entidade de classe. O que a diferencia das demais?

Approbato — Fui presidente do Conselho Federal da Ordem. À minha volta havia vários outros conselhos federais. Grande parte dos presidentes desses conselhos me perguntava: “Qual o segredo? Nós falamos e ninguém toma nota, mas quando a OAB fala causa uma revolução”. Isso é a tradição de luta pelo Estado de Direito que a OAB traz em sua bagagem. Isso é nato do advogado. É da defesa da cidadania.

ConJur — Quando elabora uma lista de inimigos, o que a OAB está defendendo?

Approbato — Não existe lista de inimigos ou lista negra. No exercício da profissão, o advogado não defende seus interesses profissionais. Ele defende a cidadania, o cumprimento da Constituição, direitos de terceiros. Por isso o advogado tem prerrogativas que devem ser respeitadas. E isso não tira do advogado a responsabilidade por ilícitos praticados. Mas quando as prerrogativas são violadas, a Ordem reage por meio do desagravo público. E esse desagravo segue o devido processo legal.

ConJur — Como é isso?

Approbato — A autoridade indiciada tem direito à ampla defesa e ao contraditório. Ao final do processo, se fica constatada a violação, é feito o desagravo público. A lei determina que seja público, não secreto. Então, divulgamos o desagravo. A Ordem não criou isso. A lei determina que seja assim. O desagravo sempre existiu. A diferença é que hoje, com a internet, dá para publicar tudo. E publicaram a lista.

ConJur — Existe um movimento mundial no sentido de limitar direitos com a justificativa de combater o crime. As prerrogativas dos advogados não escapam disso. Até onde se pode restringir prerrogativas para combater a criminalidade?

Approbato — É o mesmo que colocar um gravador no confessionário. Não é permitido. Eu preciso de sigilo para discutir a melhor estratégia de defesa do meu cliente. O problema é que o poder estatal está dominado pelo crime. A mesma coisa com revista de advogados. O ideal é revistar o preso antes e depois da conversa com o advogado.


ConJur — Mas o advogado se sente desmoralizado quando vai ao banco e passa pela porta com detector de metal ou quando passa na esteira do aeroporto?

Approbato — Mas aí é que está o equívoco. Ninguém até hoje falou que o advogado não pode passar pelo detector de metal. O que não pode é abrir a pasta, enfiar a mão no bolso, apalpar. Mas, juiz passa pelo detector? Promotor passa?

ConJur — A lei manda todo mundo passar.

Approbato — Logo, todos têm de passar, inclusive o senhor meritíssimo. “Mas eu sou juiz!” E não há juiz delinqüente também?

ConJur — Já que chegamos ao Judiciário… A reforma do Judiciário trouxe algum efeito prático? O que falta fazer?

Approbato — A tão comemorada reforma do Judiciário foi uma reforma constitucional. Logo, o início de uma reforma. Porque a Constituição não é a lei específica do ato, da prática. Ela emite os comandos e a lei é que vai transformar. Fizeram o que se chama de propaganda enganosa em Direito do Consumidor. Há comandos para uma reforma efetiva, mas ela ainda não foi feita. Por exemplo, todos concordam que precisa haver uma reforma processual. Mas basta mudar lei? Não. Também falta vontade. Faça uma pesquisa. Existem cartórios judiciais, varas e secretarias absolutamente em dia. Outras, nas mesmas condições, com o mesmo número de funcionários e de processos, com pilhas de ações atrasadas. Isso é falta de lei? Não, é falta de gestão competente. O que falta no Judiciário é gestão profissional porque nós, operadores do Direito, não sabemos administrar.

ConJur — Qual a contribuição da advocacia, da OAB em especial, na reforma do Judiciário?

Approbato — A Ordem participou ativamente da parte que se refere à reforma constitucional. E a OAB continua criticando as questões nas quais se posicionou contra, mas ainda assim foram aprovadas.

ConJur — Por exemplo?

Approbato — A Repercussão Geral, por exemplo. Conversando com um ministro, eu lembrei que antigamente havia a chamada argüição de relevância. Ou seja, para subir um recurso ordinário, era preciso mostrar a relevância da matéria. De cada cem recursos, um subia. Ou seja, acabou com a via extraordinária. E vai acontecer a mesma coisa com a Repercussão Geral.

ConJur — Por quê?

Approbato — Porque, com a idéia de que tem muito serviço, em vez de matar a doença, estão matando o doente. Estão criando obstáculos para que não subam recursos. A mesma coisa ocorre com a Súmula Vinculante.

ConJur — Mas, se por um lado não é saudável criar as barreiras, por outro um ministro do STF não pode cuidar de dez mil processos por mês. Fora fortalecer a primeira instância, qual seria o instrumento que o Supremo poderia usar para que essa avalanche de recursos parasse de chegar lá?

Approbato — É claro que temos de fazer uma adequação. Temos de achar um meio para que alguns tipos de processo tenham eficácia verdadeira desde o primeiro grau. Problemas de cobranças, de locação, por exemplo. Em questões mais comuns, cotidianas, pode-se prestigiar a sentença de primeira instância. Mas há matérias que dependem de recurso, de uma manifestação do Supremo. Eu fui juiz do Eleitoral por um período e recebia centenas e centenas de processos. Nunca pude dizer que era impossível analisar porque se eu não atendesse ao pedido naquele prazo, não tinha eleição. E não venha me dizer que na Justiça Eleitoral a discussão é mais simples porque lá temos todos os tipos de problema. Há Direito Penal, Administrativo, Constitucional, e até mesmo Direito Eleitoral.

ConJur — Além de atuar a esfera eleitoral, o senhor sempre esteve envolvido com os tribunais esportivos. Uma questão que se coloca é: a Justiça Comum pode cassar ou reformar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva?

Approbato — Vamos supor que você seja católico e tenha cometido um pecado gravíssimo. O Papa, maior autoridade da Igreja Católica, decide excomungá-lo. Inconformado, você recorre à Justiça, que manda o Papa reintegrá-lo à religião. Qual a eficácia da decisão judicial nesse caso?

ConJur — Nenhuma.

Approbato — Então concordamos que você continua excomungado. Agora vamos falar de futebol. Há determinadas normas e regras que têm de ser cumpridas internacionalmente. Não posso montar um time com 12 jogadores e a Justiça não pode me obrigar a fazer isso. No Brasil, há algum tempo, era comum que no sábado, fim da tarde, o juiz de plantão mandasse suspender o jogo marcado para domingo porque o clube não havia escalado o Joãozinho para o jogo. Então a Constituição Brasileira introduziu em seu texto uma Justiça especial, que não é vinculada ao Poder Judiciário e não é uma Justiça administrativa. É única, para resolver as questões desportivas. Em todos os países existem normas de convívio social. E qual é a grande norma de convívio social do Brasil? Quando um brasileiro vai à Europa, à Indochina ou ao Afeganistão, qual é o primeiro assunto que abordam?

ConJur — Futebol…

Approbato — Ou seja, o Brasil é conhecido mundialmente pelo futebol e a sociedade reconhece isso. Quando vai torcer, o ministro do Supremo Tribunal Federal é igualzinho ao menino da galera da Gaviões da Fiel. Ou seja, o futebol representa o Brasil mais do que qualquer outro símbolo. Se as nossas relações sociais envolvem isso de maneira tão forte, temos de ter uma norma especial para regular isso. O artigo 217 da Constituição determina claramente que é obrigatório recorrer à Justiça Desportiva antes de bater às portas do Poder Judiciário.

ConJur — Em matéria desportiva, então, a decisão judicial é nula?

Approbato — Hoje, se alguém entrar na Justiça e pedir para suspender o jogo de domingo porque o Corinthians escalou o Christian e não deveria escalar, e o juiz der a liminar, o jogo vai ser feito normalmente. A liminar não vale. Isto eu digo com muita tranqüilidade. A Justiça Comum só pode interferir se, após a decisão da Justiça Desportiva, for observada lesão de direito individual. E a Justiça Desportiva é rápida como a Justiça Eleitoral. É eficaz.

ConJur — Mas na área trabalhista funciona diferente.

Approbato — Houve um período em que as questões trabalhistas também eram de competência da Justiça Desportiva. Mas a Constituição não fala mais da relação de trabalho em matéria desportiva. Fala apenas de competição e disciplina. Ou seja, em matéria de contrato entre clubes e atletas, a competência é da Justiça do Trabalho.

ConJur — O estatuto da Fifa [Federação Internacional de Futebol] não faz alguma restrição?

Approbato — Não nesse ponto. Agora, o que a Fifa determina tem de ser cumprido. Podemos até não cumprir, mas aí seremos desfiliados. Foi o que aconteceu com a Colômbia, na época do Milionários [clube de futebol colombiano]. Nos anos 1950, o clube decidiu contratar os melhores jogadores do mundo e se desfiliar da Fifa. Houve um momento de esplendor mundo afora. Mas logo depois a Fifa desfiliou a Colômbia e acabou com o futebol no país. Recentemente, o Guarani [clube de futebol de Campinas] que perdeu pontos no campeonato por determinação da Fifa. O clube entrou com processo no STJD e o processo veio para meu julgamento. Eu mantive a decisão da Fifa, claro. Porque eu poderia até mandar devolver os pontos ao Guarani e reformar a decisão da Fifa. Aí a Fifa diria: está prestigiado o STJD, só que a CBF está desfiliada. Os passes de todos os jogadores brasileiros estariam liberados e o futebol no país simplesmente acabaria. Com ele, iria embora nossa identidade.

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