Danos imorais

Fisco pretende usar Serasa para destruir economia

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27 de agosto de 2007, 13h39

A notícia de que a Procuradoria da Fazenda Nacional pretende incluir nos cadastros da “Serasa” os nomes de contribuintes com débitos inscritos na Dívida Ativa não pode ser verdadeira, pois representaria mais uma iniciativa absolutamente ilegal, a desrespeitar as mais simples regras do direito pátrio.

Diz a imprensa que a medida foi anunciada por uma procuradora-geral adjunta, a advogada Marciane Zaro Dias Martins. O nome da nossa ilustre colega, mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, não foi encontrado nos cadastros da OAB Federal, nem da seccional onde obteve o título acadêmico, ou ainda na seccional do DF, onde trabalha e nem mesmo em Santa Catarina, onde consta que ela exerce a função de membro do Conselho Fiscal do banco estadual, o BESC.

Talvez isso seja apenas um erro de digitação, o mesmo que dificultou localizar o cadastro da ex-diretora da Anac, a advogada Denise Abreu, inscrita na OAB-SP 82.574 desde 1986, com um erro de digitação em seu sobrenome, inscrito como Areu. Neste caso, um cadastro de “ativo-normal”, embora tivesse de ser cancelado (Lei 8906, artigo 28) quando ela foi para a Anac.

Como não sou mais conselheiro da OAB-SP, penso que os presidentes das Comissões de Inscrição ou Fiscalização da Advocacia, tão eficientes, assim como presidente da República, não sabiam de nada e por isso não tomaram as providências devidas.

E justamente por ser advogada pública, a ilustre mestre de Direito sabe da absoluta ilegalidade e inconstitucionalidade da medida que está a propor.

A Lei Complementar 104/2001 ao alterar o artigo 198 do Código Tributário Nacional flexibilizou o sigilo fiscal quando disse que não é vedada a divulgação de informações relativas a inscrições na Divida Ativa.

Mas isso nada tem a ver com a entrega desses dados a uma empresa particular, com a agravante de hoje pertencer a um grupo inglês, o Experian! Trata-se de multinacional que atua em 36 países, com sede administrativa em Dublin, Irlanda.

Erros de digitação acontecem e coincidências também. Talvez isso explique que a medida foi anunciada na semana em que esteve no Brasil o financista britânico John Stuttard, que ostenta o título de “Sir Mayor”. Nem Dom João VI faria melhor.

Quando o CTN foi mudado pela LC 104, que o nosso preguiçoso congresso votou sem discutir e certamente sem saber o que estava assinando, ela foi usada para “justificar” o CADIN, o cadastro de inadimplentes administrado pelo Banco Central, outra maluquice ditatorial, muito antiga.

Quem é mestre ou mesmo principiante em Direito deve conhecer a súmula 547 do Supremo Tribunal Federal decidindo que o contribuinte em débito não pode ser impedido de exercer suas atividades profissionais.

O Cadin é uma nova versão do antigo cadastro negativo que a Receita Federal denominava, nas décadas de 60 e 70, (os tais “anos de chumbo”) de “devedor remisso”, o qual impedia até mesmo o arquivamento de atos perante a Junta Comercial.

Como se vê, em matéria tributária a redemocratização do País não melhorou em nada as relações entre Fisco e Contribuinte. Muito pelo contrário, estas se tornaram piores hoje. Livramo-nos da ditadura militar para cairmos na ditadura fiscalista.

Com o decreto 1.006 de 9/12/1993, o então presidente Itamar Franco e seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, já haviam instituído o mesmo cadastro e com a mesma denominação, quando lhe davam maior amplitude, pois concediam ao Ministro a possibilidade de estender as restrições além daqueles casos relacionados com dinheiro público.

Anteriormente fora editada a Medida Provisória 1973, que chegou a ter mais de 60 re-edições, até o surgimento da citada norma legal. Por estar agora regulado em Lei, imagina-se que aquelas restrições possam prevalecer com mais legitimidade.

Em várias oportunidades o Judiciário tem dado adequada proteção aos contribuintes diante desse problema. O TRF-3, em decisão publicada no Diário da Justiça da União (caderno 2) de 2/7/98, página 240, no Agravo de Instrumento 98.03.050457-6, decidiu:

“Ora, a inscrição no Cadin, de maneira unilateral, é afronta ao devido processo legal, porque, na prática, configura autêntica condenação do suposto devedor sem lhe dar a oportunidade de pagar ou se defender. A ilegalidade da inscrição no Cadin já foi reconhecida até pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Adin 1.454-4/600 e pelos Tribunais Regionais Federais, notadamente nos autos do Agravo de Instrumento 96.0124631-BA, onde o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em acórdão da Relatoria do Juiz Tourinho Neto, assim decidiu:

“Ementa — Administrativo – Processo Civil – Registro — Proibição de Celebração de Determinados Atos – Liminar – O Supremo Tribunal Federal , em sessão de 19 de junho deste ano de 1996, por maioria de votos, deferiu liminar, em ação direta de inconstitucionalidade nº 1.454-4/600, requerida pela Confederação Nacional da Indústria, suspendendo a eficácia do artigo 7º da Medida Provisória nº 1.442, de 10 de maio de 1996, impedindo deste modo a inscrição da empresa devedora no Cadin – Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público .”

Está tão evidente a inconstitucionalidade desse cadastro, que a Justiça Federal, mesmo em primeira instância e sem que o suposto débito esteja garantido, já a vem reconhecendo.

Assim, no processo 2002.61.09.003995-4 o Juiz Carlos Eduardo Delgado, da 3ª. Vara da Justiça Federal em Piracicaba, SP, concedeu antecipação de tutela para suspender tal inscrição, afirmando:

“….o fato da Autora estar discutindo … os débitos que originariam a sua inscrição no Cadin e que, ainda que legítima a inscrição de seu nome em tal cadastro esta não poderia ocorrer enquanto pendente a discussão… O perigo da demora encontra-se, exatamente, nos riscos e prejuízos a serem suportados pela autora diante da inscrição de seu nome no Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais — Cadin. A inclusão do seu nome no referido cadastro tem o condão, justificando assim o seu receio, de lhe gerar enormes prejuízos, posto que poderia, até mesmo, inviabilizar suas atividades.”

Em outra decisão de primeira instância, a juíza Maria Isabel do Prado, então na 3ª. Vara da Justiça Federal em São Paulo,concedeu liminar no Mandado de Segurança ( Proc 2000.61.00.017607 — 3) impedindo a Receita Federal de inscrever no Cadin (Cadastro de Inadimplentes) uma empresa paulista .

Ao conceder a liminar, a juíza qualificou a inscrição no Cadin como “prática constrangedora” que “traduz indevido meio coativo, de cunho penal, para recebimento das dívidas, sem observância, portanto, do devido processo legal.” Mandou na decisão expedir Ofício para que o Delegado da Receita Federal em São Paulo – Centro “se abstenha de incluir o nome da impetrante no registro do Cadin” .

Em matéria publicada no jornal Gazeta Mercantil de 3 de junho de 1996, o professor Ives Gandra da Silva Martins foi categórico ao condenar tal cadastro, afirmando:

“O Cadin foi criado em 1941 e, desde 1946, o Supremo vem considerando que esse tipo de pressão é inconstitucional. Sou da opinião de que a União deveria ser a primeira a ser incluída no Cadin, porque é a maior caloteira, seguida pelos estados e pelos municípios.”

Mais triste ainda é sabermos que a ilustre procuradora-geral-adjunta parece que não aprendeu as lições de seu orientador de mestrado, o professor Hugo de Brito Machado, que preleciona:

“Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas, que remontam aos tempos da ditadura de Vargas, vêm se tornando a cada dia mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou às vezes como forma de retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra cobranças ilegais.” (RDDT, 30/46 a 49).

A inclusão de alguém no cadastro da “Serasa” ou no “Cadin” restringe as atividades do contribuinte, especialmente pelo fato de que as instituições bancárias os utilizam para impedir a realização de negócios.

Empresas que aceitam cartões de crédito costumam obter linhas de financiamento para viabilizar seus negócios, mediante a antecipação dos recebíveis do “dinheiro de plástico”. Negativadas na “Serasa” ficarão com o crédito bloqueado. Vão arranjar capital de giro na “city” londrina, com o “Sir Mayor”?

Se alguém tiver débitos com os órgãos públicos, é dever de ofício dos procuradores (para isso são pagos) que promovam as execuções das dívidas. A Lei de Execuções Fiscais, um instrumento jurídico bastante rigoroso, possui instrumentos eficazes de cobrança, autorizando a penhora de bens do contribuinte e até sua remoção.

Até empresas públicas e prefeituras já foram inscritas no Cadin, com o que tiveram que acionar a Justiça para reverter a situação. Serão elas inscritas na “Serasa” ? E os credores dos precatórios vão inscrever onde o nome dos prefeitos, governadores e autoridades federais que não pagam o que lhes devem ? Na boca do sapo, na encruzilhada ou no ebó para o Exu Caveira?

Essa história de Serasa vai dar muita confusão e atrapalhar não só as pessoas “negativadas”, mas toda a economia. O crédito imobiliário, que está movimentando a economia a ponto de vermos muitos empregos novos na construção, ficará emperrado, pois os bancos não costumam aprovar créditos a quem tenha o “nome sujo”. A indústria automotiva, a de eletrodomésticos, de móveis, o crédito educativo, tudo isso pode ser prejudicado pela insensibilidade de tecnocratas que se imaginam não só mestres do direito, mas os deuses do planalto.

Tudo isso não deve ser só para bajular o “Sir Mayor” ou por preguiça de propor ações de execução fiscal. Também não é, certamente, por ignorância da lei, nem por falta de orientador no curso de mestrado. Como se sabe, erros são agravados quando quem erra não volta atrás e mais ainda quando o autor do erro sabe o que está fazendo…Mestres em direito e autoridades fazendárias não merecem a atenuante de que “não sabiam”.

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