Modalidades de protecionismo

O Brasil e os novos desafios do comércio internacional

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6 de outubro de 2006, 14h22

Em 27 de julho, a Organização Mundial do Comércio oficialmente suspendeu, por tempo indeterminado, as negociações da Rodada de Doha, lançada em 2001, em razão da falta de acordo entre os membros do G-6 (Austrália, Brasil, Estados Unidos, Índia, Japão e União Européia) a respeito da redução do protecionismo agrícola. Isso representa um grande revés para países como o Brasil, que teriam muito a se beneficiar com a liberalização do comércio agrícola.

Essa suspensão traz, por outro lado, uma nova preocupação. Até quando as barreiras tarifárias continuarão sendo a maior preocupação dos membros da OMC? Uma nova modalidade de protecionismo vem ganhando forma e já mostra os primeiros sinais de que poderá substituir, de maneira até mais eficiente, as barreiras agrícolas tradicionais: as medidas sanitárias e fitossanitárias.

Em 2004, a soja brasileira foi alvo de medidas sanitárias impostas pela China, as quais causaram prejuízos aos exportadores brasileiros estimados em cerca de US$ 400 milhões. Em 2005, o Brasil sofreu embargo de suas exportações de carne por parte de diversos países — incluindo alguns de seus parceiros no Mercosul — em decorrência da notificação de focos de febre aftosa no país. Recentemente, a qualidade de determinados produtos agrícolas brasileiros passou a ser alvo de questionamentos por parte de alguns membros da OMC, como a União Européia e Japão, os quais vêm afirmando que tais produtos não observam os requisitos de qualidade exigidos para o seu consumo nesses países.

Em missão ao Brasil em 2005, técnicos do SAV — Serviço Alimentar e Veterinário da União Européia apontaram irregularidades sanitárias e fitossanitárias em produtos como ovos, maçã, mamão, carne de frango, carne suína e carne bovina. Com base no relatório do SAV, uma das maiores cooperativas européias solicitou, em julho de 2006, o embargo à importação, pelo bloco europeu, dos produtos brasileiros mencionados. Embora possa haver um certo conteúdo o oportunista no pleito europeu, as medidas sanitárias e fitossanitárias merecem toda a atenção do setor privado, pois podem restringir ou mesmo impedir as exportações brasileiras dos produtos sobre os quais forem aplicadas.

Ressalte-se, porém, que a União Européia recentemente aceitou conceder um prazo adicional para que o Brasil implemente o plano de controle de resíduos para carnes, descartando, por hora, a adoção das medidas e o embargo à importação do produto, desde que o cronograma do plano seja observado. Por outro lado, cumpre mencionar outras três commodities que também estão sob o foco da União Européia, a castanha de caju, o amendoim e a pimenta-do-reino, justamente em razão dos níveis de controle de resíduos existentes no Brasil e aqueles exigidos pelo bloco europeu.

Do outro lado do planeta, o Japão também poderá vir a restringir a entrada de mel brasileiro, uma vez que está prestes a adotar uma nova legislação de controle sanitário com a exigência da análise de diversas substâncias encontradas em produtos de origem animal e vegetal. A maioria dessas substâncias sequer é analisada pelos laboratórios brasileiros. Um outro exemplo decorrente dessa medidas e controles mais rigorosos adotados pelo Japão foi a demorada autorização para a importação da manga brasileira, a qual somente ocorreu em 2004, após mais de 30 anos de negociação.

Embora as medidas sanitárias e fitossanitárias possam representar um risco efetivo se adotadas de forma protecionista, há um acordo na OMC prevendo regras específicas para a sua aplicação, o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (“Acordo SPS”). Este acordo disciplina os princípios, regulamentos, direitos e obrigações sobre a aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias pelos membros da OMC.

Assim, os membros da OMC devem fundamentar a aplicação das medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas em seus territórios em padrões internacionais ou ainda em padrões próprios. Os padrões internacionais são estabelecidos por algum dos organismos internacionais competentes sobre a matéria (Comissão do Codex Alimentarius, Organização Mundial de Saúde Animal ou pela Convenção Internacional de Proteção Vegetal). Já no segundo, os próprios membros podem definir o nível de proteção que pretendem adotar, desde que haja justificação científica para a sua adoção.

E é justamente na definição dos padrões próprios que os membros possuem maior espaço para adotar posturas protecionistas, uma vez que o Acordo SPS autoriza o estabelecimento de padrões de proteção mais elevados que aqueles previstos internacionalmente. Entretanto, é necessárias a existência de justificação científica, bem como a análise da verificação de risco, não sendo portanto permitido ao membro se utilizar de elementos arbitrários para determiná-los.

No que se refere ao mencionado pedido de embargo aos produtos brasileiros recentemente apresentado pela cooperativa européia, deverá ser cuidadosamente analisada sua consistência perante os acordos da OMC caso medidas sanitárias e fitossanitárias venham a ser efetivamente implementadas, o mesmo valendo para as medidas em estudo pelo Japão. Isso porque embora as negociações da Rodada de Doha estejam suspensas, os acordos atualmente em vigor na OMC possuem regras que devem ser rigorosamente observadas para o regular funcionamento do sistema multilateral de comércio.

Desse modo, os setores da economia brasileira eventualmente afetados por medidas sanitárias e fitossanitárias devem estar cientes e examinar meticulosamente a legalidade das mesmas, isto é, se estão fundadas em padrões internacionais ou próprios e, neste caso, se há justificação científica e análise de verificação de risco em sua adoção. Somente assim tais setores poderão se opor a eventuais barreiras protecionistas e, conseqüentemente, buscar maior proteção contra os enormes prejuízos que poderão advir da implementação dessas medidas, recorrendo, se preciso, até mesmo ao mecanismo de solução de controvérsias da OMC para afastar tais barreiras.

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