Política se discute

Regras determinam as condutas políticas, diz Nelson Jobim

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11 de novembro de 2006, 6h01

O sistema político-eleitoral brasileiro é o principal responsável pela promiscuidade partidária e pela ausência de partidos fortes com programas de governo diferentes uns dos outros. E o eleitor brasileiro tem sua parcela de culpa. “Sempre ouvimos as pessoas dizerem: ‘Eu não voto em partido, voto em pessoas’. Ora, se eu sou um burocrata do partido e sei que o cidadão quer nomes, não programas, eu vou atrás de nomes que possam ser votados, mesmo que não tenham compromisso partidário.”

Essa foi uma das muitas lições políticas que o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, deu na sexta-feira (10/11), em palestra no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, em Brasília. Na conferência Democracia, Reformas Políticas e Sistemas Eleitorais, ele sustentou que as regras é que determinam as condutas políticas. E que tais condutas levam à absoluta inconsistência no que diz respeito à organização partidária no Congresso. O ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, deve voltar ao poder: agora pelo PMDB, provavelmente como ministro Gabinete da Segurança Institucional — indicado pelo senador Renan Calheiros.

Jobim, no encontro jurídico, explicou que o “voto em pessoas” fez surgir três tipos de candidatos entre as décadas de 70 e 80: os candidatos de categoria, de mídia e de tribuna. No caso dos candidatos de categoria, “o primeiro passo é identificar as categorias profissionais organizadas, encontrar seus líderes e convidá-los a entrar no partido e se candidatar a deputado”.

Assim, o partido garante os votos daquela categoria e, consequentemente, um bom quociente eleitoral para obter mais vagas na Câmara dos Deputados – isso vale também para as assembléias legislativas e câmaras municipais. O candidato não precisa necessariamente ganhar, só precisa trazer votos ao partido.

Jobim contou que existe uma carta de um presidente do PMDB, em certa época, que convidou um homem para se candidatar pelo partido e escreveu que ele não precisava fazer qualquer coisa pela legenda. Poderia inclusive votar nos adversários. Mas precisava se candidatar pelo PMDB. Esse é o raciocínio nas eleições proporcionais brasileiras, baseadas em lista aberta com voto uninominal.

Os candidatos de mídia valem pela visibilidade. “Na década de 70 nós saímos atrás dos cronistas esportivos, porque estávamos na época da euforia com o futebol, com o tri-campeonato. Depois que o futebol perdeu sua produtibilidade política, aparece o programa de rádio e televisão assistencialista, do apresentador que briga pelo remédio, pela cadeira de rodas do cidadão”, lembrou Jobim.

Os candidatos de tribuna foram os pastores evangélicos. “Hoje, a bancada evangélica está organizada, mas ela nasceu com os partidos atrás de votos.”

Jobim questionou: “Assim, o candidato eleito será fiel a quem? Ao partido ou à sua base parlamentar?”. E respondeu: “O sindicalista será fiel ao sindicato e mudará de partido sob aplausos dos eleitores se o governo for do seu partido e não atender suas reivindicações”. Falar em fidelidade partidária nesse contexto parece até piada.

A fórmula para mudar o sistema parece simples. “Há a necessidade de uma democracia de partidos e não de indivíduos. O partido depende de quem produz votos. Mas os candidatos é que têm de precisar do partido”, disse. Sua implementação é outra história: “É preciso ter a lucidez de que faremos um acordo do Brasil com o seu futuro, não por vantagens pessoais”.

Descompromisso partidário

A infidelidade partidária aliada ao desconhecimento do eleitor brasileiro sobre o sistema eleitoral do país talvez seja o ponto mais crítico que o Brasil tenha de enfrentar numa possível reforma política. “É preciso fazer um grande programa educativo que ensine ao eleitor a natureza do seu voto”, afirma o professor Walter Costa Porto.

O que poucos eleitores sabem é que nas eleições proporcionais o voto vale mais para o partido do que para o candidato que ele escolheu. Esse fenômeno foi bem observado nas eleições de 2002, quando o deputado federal Enéas Carneiro foi eleito com 1,5 milhão de votos e levou a consigo à Câmara o deputado Vanderlei Assis, que teve míseros 275 votos.

O eleitor que votou em Enéas, votou primeiro no Prona. “Esse é o sistema de lista aberta, que é ordenada durante a votação”, explica o professor. Mas o eleitor continua votando em pessoas.

O caso Enéas – além de demonstrar o profundo desconhecimento do sistema eleitoral brasileiro, tamanha a grita que se seguiu à eleição de Vanderlei Assis — também foi um marco da falta de compromisso partidário: Assis mudou do Prona para o PP logo no primeiro ano do mandato. Solução? “Que se puna com a perda do mandato aquele que abandone a legenda pela qual se elegeu”, propõe o professor Costa Porto.

Na mesma conferência, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Superior Tribunal de Justiça, defendeu que a Democracia perde credibilidade sem partidos fortes. “Hoje, os programas partidários são iguais, não configuram alternativas concretas”, afirmou. Para o ministro, “a ausência de nitidez das propostas leva à promiscuidade das alianças entre os desiguais”.

Ele defendeu que o país vive um fenômeno inverso ao do fortalecimento partidário. “As lideranças são mais fortes que os partidos. Vota-se no líder e ele pode até mesmo representar uma alternativa programática àquela que está no programa do seu próprio partido.”

O ministro crê que o papel de intérprete do Judiciário para assegurar a manutenção do sistema democrático é fundamental: “A Justiça tem a perspectiva de assegurar a realização das pessoas ao interpretar conceitos privilegiando os da democracia e dos direitos humanos”.

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