Fora do perigo

Reabastecimento não leva risco a quem está dentro do avião

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10 de março de 2006, 12h59

Empregado da empresa aérea que fica dentro do avião durante o reabastecimento de combustível não tem direito a adicional de periculosidade. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Os juízes livraram a Vasp a pagar o adicional de periculosidade a uma comissária de bordo. Cabe recurso.

A ex-empregada ingressou com processo sustentando que deveria receber adicional por ser obrigada a aguardar o reabastecimento dentro da aeronave. Fundamentou seu argumento com laudo pericial afirmando que a comissária permanecia “no centro da área de risco”, e, por isso, teria direito a adicional de 30%.

A primeira instância acolheu as alegações e condenou a empresa aérea a pagar o adicional à comissária. Em recurso ao TRT-SP, a Vasp afirmou que a área de risco durante abastecimento das aeronaves “limita-se ao pessoal de terra, e não da tripulação e passageiros, como disposto nas normas internacionais de segurança”.

A juíza Rosa Maria Zuccaro, relatora do recurso no tribunal, considerou que, durante o abastecimento de aviões, “o risco não é acentuado pois, se o fosse, seria completamente descabida a presença de qualquer pessoa dentro dela, especialmente os passageiros, ainda que se faça, neste caso, uma leitura meramente comercial”.

O artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho define como atividades ou operações perigosas, “na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado”, explicou a relatora.

Para ela, confundiu-se “o perigo previsível com o imprevisível, o segundo não se enquadra no que pretende a norma protetora, pois se assemelha ao infortúnio, ao totalmente imponderável, é aquela situação que só ocorre como fruto de um acidente”. A decisão da 2ª Turma foi unânime.

RO 02805.2000.313.02.00-6

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 02805.2000.313.02.00-6 – 2ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

ORIGEM: 3ª Vara Trabalhista de Guarulhos

RECORRENTE: VIAÇÃO AÉREA DE SÃO PAULO S/A

RECORRIDA: PATRÍCIA TSIFTZOGLOU

RELATÓRIO:

Adicional de Periculosidade – comissário de bordo – abastecimento de aeronave

Não faz jus à adicional de periculosidade empregado que se mantém dentro da aeronave quando a mesma está sendo abastecida; a N.R. 16, em seu anexo 2, item 3 é de interpretação inequívoca quando se refere à qual atividade o adicional é devido, ou seja, à atividade específica de abastecimento de aeronave e engloba somente a área de operação, significa dizer, abrange os abastecedores e as pessoas que trabalham próximas à área onde ocorre de fato a atividade; tais especificações interpretadas em conjunto com o final do caput do art. 193 da CLT que se refere a “condições de risco acentuado”, e ainda ao fato dos passageiros serem mantidos, muitas das vezes, no interior das aeronaves, não deixa dúvidas de que o referido adicional não é devido pois não se enquadra na normatividade que regulamenta a matéria; portanto mesmo com laudo técnico positivo, o pedido improspera.

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 282/294, da E. 3ª Vara Trabalhista de Guarulhos, que julgou PROCEDENTE EM PARTE a ação.

Recurso Ordinário interposto pela reclamada às fls.297/331, requerendo a reforma da sentença no que pertine ao adicional de periculosidade, aos honorários periciais (técnica e contábil), à compensação orgânica, às horas de sobreaviso e variáveis, à inatividade, à taxa de revalidação de certificado, à correção monetária, aos recolhimentos fiscais.

Contra-razões às fls. 337/357.

Manifestação da Douta Procuradoria às fls. 358, invocando a Lei complementar n. º75, de 20 de maio de 1993.

V O T O:

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

1. Adicional de Periculosidade

Busca a recorrente a reforma da r. sentença de origem que a condenou no pagamento de adicional de periculosidade, afirmando que a área de risco quando do abastecimento das aeronaves limita-se ao pessoal de terra e não da tripulação e passageiros, como disposto nas normas internacionais de segurança, o que evidencia a absoluta inexistência de qualquer risco com relação ao mister desenvolvido pela recorrida. Tem razão.

Apesar do laudo de fls. 149/169 concluir que a reclamante ativava-se no centro da área de risco, não se convence o juízo da periculosidade apontada, o Sr. Vistor enquadra o interior da aeronave na área de operação citada na norma regulamentadora.

Entretanto tal interpretação tão extensiva da expressão “toda a área de operação” não se coaduna, em absoluto, com a atividade exercida pela reclamante (comissária de bordo) se cotejada com a atividade de abastecimento de aeronave (NR-16 – anexo 2 – 3), mormente se considerar que o art. 193 da CLT de interpretação inequívoca, se expressa, ao final de seu caput, assim: … atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. (grifo nosso)


Impõe-se, pelo bom senso e mínimo conhecimento e vivência de pistas de vôo, onde as aeronaves são abastecidas amiúde, que o risco não é acentuado pois, se o fosse, seria completamente descabida a presença de qualquer pessoa dentro dela, especialmente os passageiros, ainda que se faça, neste caso, uma leitura meramente comercial.

O risco não é acentuado, portanto, refoge da letra da lei (art. 193 da CLT) a concessão de adicional de periculosidade a autora; tanto o Sr. Perito como a ilustre magistrada a quo confundiram o perigo previsível com o imprevisível, o segundo não se enquadra no que pretende a norma protetora, pois se assemelha ao infortúnio, ao totalmente imponderável, é aquela situação que só ocorre como fruto de um acidente.

Assim sendo, as atividades da reclamante não apresentam condições de risco acentuado, nem tampouco natureza ou métodos de execução que envolvam inflamáveis ou explosivos.

Reformo, pois a sentença para excluir da condenação o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos.

Face à sucumbência, os honorários periciais serão arcados pela reclamante, ora rearbitrados em R$800,00.

2. Honorários Periciais

Quanto aos honorários periciais referentes ao laudo pericial para apuração do adicional de periculosidade, prejudicado o apelo no particular, tendo em vista o decidido no item 1, do voto.

No que pertine aos honorários periciais relativos ao trabalho contábil, arbitrados em R$2.000,00, nada a reformar, pois não se pode olvidar que os peritos são auxiliares do Juízo, devendo ter seus serviços condignamente remunerados, sob pena de desestímulo e de desvalorização de suas atividades, tão necessárias à regular instrução do processo.

3. Compensação Orgânica

A recorrente, além de não comprovar que acrescia ao salário da laborista a Compensação Orgânica estipulada na cláusula 27a dos Instrumentos Normativos colacionados aos autos, deu interpretação errônea aos seus termos, eis que a cláusula é expressa ao determinar o “pagamento de 20% do valor da remuneração fixa, sob o título de indenização de “Compensação Orgânica”, pelo exercício de atividade aérea”, não se vislumbrando, nestes termos, a possibilidade de a empresa não discriminar a verba nos recibos de pagamento, mas exatamente o contrário.

Andou bem, portanto, o MM. Juízo de origem a condená-la no pagamento dessa verba, mesmo porque o salário complessivo é veementemente rechaçado pelo Judiciário.

Nada a reconsiderar, portanto.

4. Horas de Sobreaviso e Variáveis

Alega a recorrente que a autorização para realização de perícia foi um meio utilizado pela recorrida para inovar e suplementar seu pedido, implicando cerceamento de defesa e afronta ao princípio do contraditório.

Contudo, olvidou-se a ré que a designação de perícia foi ato da Juíza de origem que, nada obstante o encerramento da instrução processual (fls.278 e 204), resolveu por bem reabri-la para apuração de eventuais diferenças a favor da recorrida, vez que, ao seu ver, ausentes elementos suficientes ao seu convencimento (fls. 209), tudo consoante art. 130, do Código Adjetivo.

Outrossim, de salientar que a recorrente nega direito da recorrente no que pertine ao propalado sobreaviso, sob dois fundamentos. Em primeiro, de que referido título era pago na base de 1/3 do valor da hora normal, computados no cálculo da garantia mínima de 54 horas (fls. 57, item 16), tendo a perícia averiguado ausência de pagamento de referido título (fls. 270, anexo 5), sem impugnação específica no pertinente (fls. 278/279). E em segundo, invocando art. 27, da Lei n.º7.183/84 que regula a profissão dos aeronautas, de que inexiste a figura de sobreaviso fora na base domiciliar. No entanto, referido diploma legal, dispõe em seu art. 25 que sobreaviso é o período de tempo não excedente a 12 horas, em que o aeronauta permanece em local de sua escolha, à disposição do empregador, devendo apresentar-se no aeroporto ou outro local determinado, até 90 minutos após receber comunicação para o início de nova tarefa. De acordo ainda com seu §1º, o número de sobreavisos não deverá exceder a 2 semanais e 8 mensais, revelando o equívoco dos termos defensivos.

Quanto à apuração de diferenças de horas variáveis, resta precluso, nesse momento processual, qualquer impugnação ao trabalho contábil elaborado, tendo em vista que, quando aberto prazo para manifestação (fls. 274), a recorrente limitou-se se reportar ao conteúdo de sua peça contestatória, resguardando eventual direito de manifestar acerca de novos cálculos em fase executória (fls. 278/279).

Ademais, de frisar que o Sr. Vistor apurou as horas variáveis tomando por base a totalidade das horas de trabalho, com inclusão das horas solo, horas de espera entre pouso e decolagem, da hora noturna reduzida, com dedução das horas normais (54 horas),


De conseguinte, mantenho a sentença quanto ao intitulado.

5. Inatividade

Impugnando a alegação de ausência de quitação dos dias de inatividade, limitou-se a recorrente em asseverar a inclusão das horas correspondentes no limite mensal de 54 horas mensais (fls. 58, item 20).

Destarte, configura clara inovação à lide a alegação recursal de que não configura tempo à disposição do empregador aquele em que a autora permanecia fora da base, para descanso entre um vôo e outro, bem como de que a Lei 7.183/84 não é omissa em exclusão do cômputo da jornada o período de descanso do aeronauta.

Salientando que a aplicação analógica do §2º, do art. 224, da CLT, não tem fundamento em exercício em cargo de confiança ou chefia, mantenho a sentença recorrida.

6. Taxa de Reavaliação de Certificado

A defesa relativa ao pedido de reembolso da taxa de reavaliação de certificado de habilitação técnica cingiu-se às assertivas de que os exames médicos são de responsabilidade do aeronauta (art.19, Lei 7.183/84) e de que o reembolso das despensas é condicionado à realização dos exames médicos em estabelecimentos escolhidos pela empresa (cláusula 79, da CCT)

A MM. Magistrada de origem fundamentou a condenação patronal na cláusula 76, do Instrumento Normativo da Categoria, a qual, regulando expressamente a “taxa de reavaliação de certificados”, dispõe sobre a obrigatoriedade de reembolso de correspondente título.

Destarte, novamente a recorrente inova os termos da lide com a alegação recursal de ausência de apresentação dos comprovantes das despesas relativas à taxa de reavaliação de certificado de habilitação técnica.

Ante ao acima expendido, confirmo a decisão guerreada.

7. Correção Monetária – Época Própria

Com relação à época própria para aplicação dos índices da correção monetária, ressalvo entendimento anteriormente adotado, e em vista da corrente jurisprudencial majoritária contrária ao meu posicionamento, dou provimento ao apelo para o fim de determinar a aplicação do constante na Súmula n.º 381, do TST.

8. Descontos Fiscais

No tocante aos recolhimentos do imposto de renda, merece reforma a decisão recorrida, pois, de acordo com o previsto no inciso II, da Súmula 368, do TST, os valores correspondentes devem ser deduzidos do crédito do autor, “…sobre o valor total da condenação…”, calculados ao final e de uma única vez.

Ante ao exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO APELO DA RECLAMADA para excluir da condenação o adicional de periculosidade, devendo o reclamante arcar com o pagamento da honorária pericial no valor de R$800,00; determinar a aplicação do constante na Súmula n.º 381, do TST, no que pertine à correção monetária; e a dedução do crédito obreiro dos descontos fiscais, nos termos do inciso II, da Súmula 368, do TST; no mais, mantém-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao seu valor, pois condizente com os títulos mantidos.

ROSA MARIA ZUCCARO

Juíza Relatora

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