Outro lado da moeda

Descoberta científica pode afetar mercado de carbono

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7 de março de 2006, 16h04

Desde que o cientista alemão Frank Keppler e seus colegas publicaram o estudo anunciando que, ao mesmo tempo em que absorvem o gás carbônico (causador do efeito estufa), as florestas podem emitir metano (gás que também contribui para aquecimento global), o mercado de carbono entrou em convulsão.

Uma reportagem publicada no site Ecosystem Marketplace demonstra como o estudo feito na Europa está modificando o entendimento sobre os serviços de ecossistemas florestais. Pesquisadores do mundo todo agora discutem se a descoberta pode afetar o mercado de carbono, que tem como uma de suas bases o seqüestro de carbono em florestas.

Alguns dizem que o resultado do estudo é uma puxada de tapete nas negociações de créditos de carbono por reflorestamento — sistema aprovado pelo MDL — Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto. As informações são do site Ambiente Brasil.

Sobre a descoberta da emissão de metano pelas florestas, Todd Dawson, professor de biologia na Universidade Berkeley da Califórnia, resume a controvérsia: “Esta é uma nova idéia que levantará muitas sobrancelhas. A descoberta desafia a idéia de se usar as florestas como um lugar onde o carbono é apenas seqüestrado. Mas isso é ciência — é a descoberta de coisas novas”.

Solução à prova

O dióxido de carbono, metano e outros gases armazenados na crosta da Terra aquecem o planeta desde a sua formação. Exalados na atmosfera por erupção de vulcões, apodrecimento de vegetais e decomposição de animais, esses gases criam o efeito estufa, um fenômeno natural que mantém a superfície do planeta aquecida. O problema acontece quando a quantidade dos gases causadores do efeito estufa é emitida em excesso, acelerando o aquecimento global.

Assim que os cientistas descobriam que a queima de combustíveis fósseis acelera perigosamente o efeito estufa natural, a plantação de mais florestas para absorver as crescentes emissões de carbono tem parecido uma solução lógica.

O mercado de negociações de carbono nasceu com o Protocolo de Kyoto justamente para tirar proveito dessa solução. O acordo incita indústrias e nações que excedem suas concessões de emissão de carbono a comprar créditos dos países em desenvolvimento, onde as novas florestas são plantadas.

À primeira vista, o relatório do cientista alemão gera dúvidas para os que apóiam esse mercado. Pelas medidas dele, a mesma floresta que absorve carbono pode, simultaneamente, emitir metano, o segundo gás mais prejudicial ao clima do planeta, depois do dióxido de carbono.

Essa afirmação causa uma grande reviravolta no entendimento científico. Os pesquisadores acreditavam que o metano era formado apenas em ambientes onde o oxigênio é escasso, como os pântanos ou aterros sanitários. Keppler mediu o metano em câmaras isoladas com plantas vivas e concluiu que as plantas vivas podem contribuir com 10% a 30% das emissões globais de metano.

Discussão científica

A teoria revolucionária de Keppler tem encontrado ceticismo na comunidade científica. De laboratórios na Califórnia a campos de estudos em florestas tropicais, os cientistas que dedicaram a carreia ao estudo do metano estão intrigados. Eles questionam se a descoberta de Keppler é precisa; especulando o impacto que ela terá sobre o mercado de negociações de carbono e tentando entender como poderiam ter ignorado uma fonte de metano tão importante.

“O processo é incrivelmente singular e cientificamente fascinante, mas a extrapolação (de que plantas produzem de 10 a 30% do metano que vai para a atmosfera) é um pouco difícil de engolir. Isso exige mais estudos”, comenta o bioquímico da Universidade de Berkeley da Califórnia, Robert Rhow.

Como os cientistas acreditavam que as emissões de metano eram provenientes apenas de fontes livres de oxigênio e não de plantas vivas, poucos antes de Keppler chegaram a medir as emissões desse gás pelas plantas. Mas quando Keppler e seus colegas detectaram metano em experiências com folhas mortas, decidiram investigar mais a fundo. Eles colocaram folhas frescas em frascos de vidros lacrados e purificados e plantas vivas em um compartimento de Blindex também purificado. Depois, eles transferiram o gás a cada 25 minutos em um sistema analítico. Em todas as vezes eles encontraram metano.

Coincidentemente, Michael Keller, cientista do Instituto de florestas tropicais U.S. Forest Service International, completou recentemente um estudo ainda não publicado que apresenta resultados com metano coerentes com os de Keppler. Mas Keller está cauteloso sobre as implicações desse estudo. “A constância de nossos resultados não prova que as emissões de metano vêm das plantas. O metano poderia ter vindo de plantas vivas ou de fontes não-oxigenadas como cupins, plantas em decomposição ou sedimentos de terra que, como já sabemos, produzem metano. Será um desafio entender isso”, avalia.

Mas, e se a descoberta de Keppler estiver correta? Ela irá subverter o valor de uso das florestas como sumidouros de dióxido de carbono? A resposta é “não”, diz Keppler.

O cientista chefe da Defesa Ambiental de New York, Bill Chameides, coloca números nessa equação. “O aquecimento causado pela emissão de metano em uma floresta temperada nos Estados Unidos corresponde a somente de 1% a 10% do resfriamento alcançado com o seqüestro do dióxido de carbono”, explica.

Dessa maneira, as emissões de metano pelas plantas diminuiriam apenas levemente os benefícios conquistados pela habilidade que elas possuem de absorver carbono, completa Thomas Rockman, co-autor do estudo original. “Os benefícios climáticos do seqüestro de carbono pelo reflorestamento de longe ultrapassam o relativamente pequeno efeito negativo (da produção de metano)”, diz.

Nos mercados ambientais em que as descobertas científicas podem transformar fundamentos econômicos e ambientais, a descoberta de Keller semeia incertezas em torno desse nosso campo de serviços de ecossistema. Alguns dizem que o trabalho dele oferece munição suficiente para se descartar todo o esquema de negociações de créditos de carbono com floretas. Mas outros acreditam que, enquanto novos passos vão sendo dados, o mercado de carbono já está com flexibilidade suficiente para acomodar o conhecimento crescente.

O cientista Dawson, da Universidade de Berkeley, fica entre os críticos. “Nós pensamos nas árvores de uma maneira estática”, ele diz. “O problema é que os sumidouros de carbono algumas vezes tomam uma direção positiva, de absorver carbono; e outras vezes, uma direção negativa, de emitir carbono”.

Par alguns, esse tipo de risco não é razão para se abandonar o mercado. “O futuro da agricultura, por exemplo, é sempre incerto”, diz Chameides, “mas o mercado prospera apesar das dúvidas”. O que faz um mercado de sucesso, ele acrescenta, são os mecanismos desenvolvidos para explicar as incertezas. Partindo dessa perspectiva, o mercado de carbono já tem permissões para acomodar perdas e ganhos, como essa mais nova descoberta sobre as emissões de metano.

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