Domingo é dia

Onde não há lei que proíbe, comércio pode abrir aos domingos

Autor

4 de março de 2006, 7h00

Nas cidades onde não há lei municipal proibindo, o comércio varejista pode funcionar aos domingos. O entendimento, unânime, é da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Para o juiz Marcelo Freire Gonçalves, relator do recurso no TRT-SP, “o artigo 6º, da Lei 10.101/00, não condicionou a autorização do trabalho aos domingos no comércio varejista em geral à prévia regulamentação por Lei Municipal, mas apenas permitiu ao Poder Municipal que disciplinasse a matéria de maneira diferente”.

Segundo o relator, entretanto, a empresa é obrigada a observar o parágrafo único da mesma lei, que determina que o repouso semanal remunerado dos empregados que trabalharem aos domingos “deverá coincidir com o domingo, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, devendo ainda respeitar as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva”.

“Somente no caso de descumprimento desta regra é que poderá a recorrida a vir ser autuada pela autoridade impetrada”, decidiu o relator.

A decisão foi provocada por pedido de Mandado de Segurança da loja Robertalex Calçados e Confecções à 1ª Vara do Trabalho de Suzano diante da ameaça do representante do Ministério do Trabalho e Emprego da região de autuar os estabelecimentos comerciais que funcionassem em domingos e feriados.

A loja sustentou que a medida estaria violando “direito líquido e certo”, assegurado por lei, de abrir aos domingos e feriados, e pediu a concessão de uma liminar preventiva. O juiz da vara atendeu em parte, somente para autorizar que a loja funcione aos domingos.

A União, em nome do Ministério do Trabalho, apelou ao TRT-SP, insistindo que só é permitido o trabalho nesse dia, se for observado o artigo 6º, da Lei 10.101/00, ou seja, “nos termos da legislação municipal’.

No entender da União, “se não existir a lei municipal autorizando a abertura do comércio varejista nos domingos, como no caso em pauta, o funcionamento nesse dia estará proibido, ensejando a autuação por parte da fiscalização do Ministério do Trabalho”. Para a União Federal, a liminar estaria “prejudicando todos os demais comerciantes que vêm cumprindo a legislação”

Olímpica restrição

A questão do funcionamento do comércio aos domingos tem sido levada aos tribunais com freqüência. A Justiça do Rio Grande do Sul foi além da Justiça Trabalhista de São Paulo e entendeu que a proibição do comércio em domingos e feriados por lei municipal é inconstitucional. O TJ-RS acatou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra leis dos municípios de Gravataí (em 2004) e de Esteio (em janeiro último) por entender que a proibição contraria dispositivos da Constituição Estadual.

Para o desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, “a quase olímpica restrição ao comércio, em domingos e feriados, implica hostilidade manifesta aos princípios relativos ao valor social do trabalho, do desenvolvimento, da livre iniciativa, expansão econômica e, como é óbvio, melhoria da qualidade de vida da cidade”.

Ramos também considerou que a lei não é razoável: ao atender os interesses de uma categoria, ela acaba por afetar toda a coletividade. “Sem falar em que, na permissão a que nos domingos exerçam sua atividade empresarial apenas empresas de grande porte, estabelece odiosa distinção quanto às empresas de pequeno porte que não sejam de conotação familiar ou atendidas apenas por seus sócios”.

A Justiça do Paraná também entendeu que não cabe ao município proibir o livre funcionamento do comércio aos domingos. A decisão, por maioria de votos, é da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná. Os desembargadores rejeitaram agravo do município de Londrina e confirmaram sentença da 6ª Vara Cível, que autorizou o funcionamento da loja de confecções Gigante. Para a relatora, desembargadora Regina Afonso Portes, “as atividades comerciais varejistas não podem ser consideradas como assunto de interesse local, de competência municipal, pois decorre de exigências sociais e econômicas contemporâneas em todo o território nacional”.

Postos de trabalho

O Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal entende que a Lei Federal 10.101/2000, que autoriza o trabalho aos domingos e feriados, não pode se contrariada por lei estadual ou municipal. O TJ-DF acolheu Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Federação do Comércio do Distrito Federal para anular os efeitos da Lei Distrital 2.802/2001 que proibiu o funcionamento do comércio aos domingos. Para os desembargadores, “caberia ao DF tão-somente, suplementar a legislação federal, dispondo sobre horário de funcionamento do comércio local sem, contudo, contrariar as normas gerais traçadas por lei federal válida”.


O Ministério Público, em parecer juntado aos autos, opinou de forma semelhante: “A carência de postos de trabalho tem aumentado significativamente tanto no DF quanto no restante do país, e leis como a ora analisada não contribuem para a solução do problema, pois interferem, de forma desmedida, no livre desenvolvimento do comércio, responsável por uma grande oferta de empregos”.

Competência

A questão do funcionamento do comércio em domingos e feriados coloca de um lado os sindicatos de trabalhadores, que defendem o fechamento, e do outro as entidades empresariais que defendem a abertura. Por isso as ações, quase sempre, dão entrada na Justiça do Trabalho. Para o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) este é um encaminhamento equivocado.

Para o tribunal com a segunda maior carga de trabalho do país, compete à Justiça comum decidir a matéria. Com esse entendimento, a 2ª Câmara do TRT-15 enviou ao Superior Tribunal de Justiça um Conflito de Competência para que a Corte decida a questão. Para o juiz Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, “a competência para julgar a demanda não pode ser deslocada para a Justiça do Trabalho, porque não se cuida de discussão de questões trabalhistas, mas de interesses conflitantes de entidades associativa e representativa de classe”.

Leia a decisão

Processo 7001397083-5

Leia a íntegra do processo:

PROCESSO TRT/SP Nº 00907 2005 491 02 00 5 (907/2005-5)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA

RECORRENTE : UNIÃO FEDERAL

RECORRIDO : ROBERTALEX CALÇADOS E CONFECÇÕES LTDA.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO VAREJISTA EM GERAL AOS DOMINGOS. Após várias medidas provisórias, foi promulgada a Lei 10.101/00, a qual prevê expressamente no caput de seu art. 6º : “fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observado o art. 30, inciso I, da Constituição. Ao contrário do que quer fazer crer a recorrente, o referido dispositivo legal não condicionou a autorização do trabalho aos domingos no comércio varejista em geral à prévia regulamentação por Lei Municipal, mas apenas permitiu ao Poder Municipal, no exercício da competência para legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I do art. 30 da Constituição Federal), que disciplinasse a matéria de maneira diferente. Consoante bem consignado na decisão recorrida, “o direito de abrir o comércio varejista aos domingos passou a ser pleno, salvo se a Lei Municipal dispusesse de forma contrária, o que é muito diferente de dizer que o exercício desse direito ficaria condicionado à existência de norma municipal autorizadora!”. No caso em tela, não há notícia da existência de lei municipal proibindo a abertura do comércio aos domingos na Cidade de Suzano, não havendo, portanto, qualquer óbice ao exercício pela recorrida do direito ao funcionamento nestes dias. Recurso improvido.

Da r. sentença de fls. 69/78, proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Guarulhos, cujo relatório adoto e que concluiu pela procedência parcial do pedido para o fim de conceder a segurança pleiteada autorizando que a impetrante abra seu comércio aos domingos, impedindo que a autoridade impetrada, por esse motivo, adote qualquer restrição aos seus direitos, apela a União Federal às fls. 82/93, apelo que ora é recebido como Recurso Ordinário.

Sustenta preliminarmente a recorrente que “nenhum ato foi praticado pelo Senhor Subdelegado do Trabalho que atingisse o direito líquido e certo da impetrante”, inexistindo portanto justo receio a ensejar a impetração do “mandamus” em caráter preventivo. No mérito, afirma que a “cerne da controvérsia instaurada a partir da impetração do mandado de segurança está na possibilidade, ou não, do trabalho nos domingos e feriados nacionais sem a existência de legislação municipal que discipline o funcionamento do comércio, nos moldes da medida provisória, atual Lei 10.101/00”. Aduz que “quanto aos feriados civis e religiosos, permanecem as regras insculpidas na Lei nº 605, de 1949, regulamentada pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949”, na qual não há autorização permanente para o trabalho nos feriados para o ramo do comércio de calçados e confecções, ao qual pertence a recorrida. Assevera que “os artigos 8º, 9º e 10, da Lei 605/49, citados pela Impetrante, não possuem o condão de legitimar a abertura dos estabelecimentos comerciais por ‘conveniência pública ou exigências técnicas das empresas’, uma vez que nesses casos há necessidade expressa de autorização para o funcionamento nos dias de repouso, nos termos dos parágrafos 1º e 2º, do artigo 6º, do regulamento aprovado pelo Decreto 2048/49, que regulamenta a Lei 605/49”. Alega que “no que concerne ao trabalho nos domingos, conforme já explanado anteriormente, só será permitido o trabalho nesse dia, consoante disposto no artigo 6º, da MP 1619-3339, de 12/12/97, atual Lei 10.101/00, nos termos da legislação municipal. Se não existir a lei municipal autorizando a abertura do comércio varejista nos domingos, como no caso em pauta, o funcionamento nesse dia estará proibido, ensejando a autuação por parte da fiscalização do Ministério do Trabalho”. Argumenta, por fim, que “o Poder Judiciário, nesses casos, não poderá suprir a lacuna da legislação e conceder autorização para a abertura de estabelecimentos de comércio em afronta ao preceituado pela legislação que disciplina a matéria, invadindo a esfera do Poder Legislativo, e prejudicando todos os demais comerciante que vêm cumprindo a legislação”. Requer, assim, seja provido seu recurso.


Não foram ofertadas contra-razões.

Parecer do D. Representante do Ministério Público Federal às fls. 99/102, no qual opina pelo improvimento do recurso e manutenção da r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Em virtude do despacho de fls. 106, no qual foi reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal para o julgamento das ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, com fundamento no inciso VII do artigo 114 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, foram os autos remetidos a este Tribunal.

Distribuído o processo a este relator (fls.118).

Parecer da d. representante do Ministério Público do Trabalho às fls.119/120, no qual pronuncia-se pelo conhecimento e não provimento ao presente recurso ordinário.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, por preenchidos os pressupostos legais, inclusive o disposto no artigo 508 do CPC que fixava o prazo na época da interposição da apelação.

PRELIMINAR

Suscita a recorrente a preliminar de não cabimento do mandado de segurança preventivo, sob o argumento de que “nenhum ato foi praticado pelo Senhor Subdelegado do Trabalho que atingisse o direito líquido e certo da impetrante”, inexistindo, portanto, a seu ver, justo receio a ensejar a impetração do “mandamus” em caráter preventivo.

Rejeito. A recorrida demonstrou em sua peça preambular a existência de justo receio a alicerçar a impetração do “writ” preventivo, tendo colacionado aos autos matéria veiculada pela imprensa local que contém declarações do chefe do Ministério do Trabalho no sentido de que os estabelecimentos comerciais de Suzano que funcionarem em feriados estarão sujeitos a fiscalização e autuação (fls. 22). De outra parte, nas informações prestadas às fls. 52/59, a autoridade apontada como coatora sustenta claramente que seria ilegal a abertura do comércio pertencente ao ramo de atividade exercida pela impetrante. Conforme bem salientou o D. Juízo “a quo”, “se no entender da autoridade impetrada o trabalho aos domingos e feriados seria irregular, à evidência tem o impetrante interesse legítimo em buscar a tutela preventiva, pois ficaria sujeito à autuação administrativa se o exercício de suas atividades nesses dias especiais não estivesse amparado em decisão judicial autorizativa”.

MÉRITO

Dos feriados

Impertinente a argumentação da recorrente no que tange à abertura do comércio em feriados na medida em que a segurança foi concedida somente para autorizar que a impetrante/recorrida abra o seu comércio aos domingos, tendo inclusive, com a prolação da sentença impugnada, cessado os efeitos da decisão liminar que havia autorizado a abertura do comércio da impetrante também aos feriados (fls. 78). Nada, pois, a considerar no particular.

Dos domingos

Sustenta a recorrente que “no que concerne ao trabalho nos domingos, conforme já explanado anteriormente, só será permitido o trabalho nesse dia, consoante disposto no artigo 6º, da MP 1619-3339, de 12/12/97, atual Lei 10.101/00, nos termos da legislação municipal. Se não existir a lei municipal autorizando a abertura do comércio varejista nos domingos, como no caso em pauta, o funcionamento nesse dia estará proibido, ensejando a autuação por parte da fiscalização do Ministério do Trabalho”. Argumenta, por fim, que “o Poder Judiciário, nesses casos, não poderá suprir a lacuna da legislação e conceder autorização para a abertura de estabelecimentos de comércio em afronta ao preceituado pela legislação que disciplina a matéria, invadindo a esfera do Poder Legislativo, e prejudicando todos os demais comerciantes que vêm cumprindo a legislação”.

Pois bem. Após várias medidas provisórias, foi promulgada a Lei 10.101/00, que “dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências” e prevê expressamente em seu art. 6º :

“Art. 6º Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observado o art. 30, inciso I, da Constituição.

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva.” (g.n.)

Registre-se que o inciso I do art. 30 da Carta Magna, a que alude o dispositivo legal supra transcrito, confere, em observância ao princípio da autonomia municipal, competência ao Município para legislar sobre assuntos de interesse local.

Ocorre que, contrariamente ao que quer fazer crer a recorrente, o art. 6º da Lei 10.101/00 não condicionou a autorização do trabalho aos domingos no comércio varejista em geral à prévia regulamentação por Lei Municipal, mas apenas permitiu ao Poder Municipal, no exercício da competência para legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I do art. 30 da Constituição Federal), que disciplinasse a matéria de maneira diferente. Consoante bem consignado na decisão recorrida, “o direito de abrir o comércio varejista aos domingos passou a ser pleno, salvo se a Lei Municipal dispusesse de forma contrária, o que é muito diferente de dizer que o exercício desse direito ficaria condicionado à existência de norma municipal autorizadora!”

No caso em tela, não há notícia da existência de lei municipal proibindo a abertura do comércio aos domingos na Cidade de Suzano, não havendo, portanto, qualquer óbice ao exercício pela recorrida do direito ao funcionamento nestes dias. Está, entretanto, a empresa obrigada a observar a norma insculpida no parágrafo único do art. 6º da Lei 10.101/00, ou seja, o repouso semanal remunerado de seus empregados deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo, devendo ainda respeitar as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva. Sendo certo que somente no caso de descumprimento desta regra é que poderá a recorrida a vir ser autuada pela autoridade impetrada.

Por derradeiro, não há que se falar em invasão da competência legislativa municipal, mas apenas em interpretação do Judiciário acerca da legislação que regula o funcionamento do comércio varejista aos domingos.

Nesse contexto, não merece acolhimento o apelo.

Isto posto, rejeito a preliminar suscitada pela recorrente e, no mérito, nego provimento ao recurso ordinário, nos termos da fundamentação supra.

MARCELO FREIRE GONÇALVES

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!