Na alça de mira

Revisão salarial de servidores põe em risco candidatura Lula

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21 de junho de 2006, 8h17

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter cassado o registro de sua eventual candidatura à reeleição caso se confirme que a revisão salarial no serviço público, determinada pelo governo no mês passado, tenha ultrapassado os níveis da mera recomposição do poder aquisitivo dos trabalhadores.

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu no final da noite desta terça-feira (21/6) que é proibido aumento salarial do funcionalismo 180 dias antes das eleições, até a posse dos eleitos. A decisão derivou da Consulta 1.229, apresentada pelo deputado Átila Lins (PMDB-AM). A decisão reafirma as normas já fixadas pelo Tribunal nas Resoluções 22.124 e 22.155, relativas às eleições, e teve voto favorável de seis dos sete ministros do TSE, vencido o ministro relator, Gerardo Grossi, para quem a data da vedação deveria ser o dia 10 de junho, quando começa a temporada das convenções em que são escolhidos os candidatos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou, no dia 30 de maio, no ‘Diário Oficial’ da União a Medida Provisória 295, que reestruturou e concedeu gratificação para seis carreiras do funcionalismo público federal. No total, 160 mil servidores federais serão beneficiados. O impacto da MP é de R$ 1,3 bilhão por ano no Orçamento. Em seguida outras MPs foram editadas no mesmo sentido. Confirmada a ilegalidade, a anunciada candidatura de Lula fica sujeita a impugnação e anulação.

Pronunciado o voto do relator, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, abriu divergência, afirmando que em época de eleição “a bondade passa a ser uma constante”. Acrescentou que “é sabido que os governos em geral não respeitam sequer a reposição do poder aquisitivo da moeda, prevista na Constituição Federal. Não obstante, em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível”, declarou.

O ministro Marco Aurélio considerou que a manutenção da data cogitada pelo relator (10 de junho) causaria desequilíbrio à disputa. Para o ministro-presidente, o parágrafo 1º do artigo 7º da Lei 9.504/97 encerra período mais consentâneo com a ordem natural das coisas, ao prever o prazo de até 180 dias antes das eleições como proibitivo para a concessão do aumento.

Marco Aurélio acha que o aumento às vésperas da eleição tem por objetivo claro “a obtenção da simpatia da grande parcela de eleitores formada pelos servidores públicos”.

Após o julgamento, o ministro Marco Aurélio explicou aos jornalistas quais as conseqüências do descumprimento da orientação da Justiça Eleitoral: “O que temos no artigo 73 (da Lei 9.504/97) é a conduta vedada, que tem conseqüências jurídicas: a multa, e até mesmo a cassação do registro ou do diploma”, disse o ministro.

Os reajustes dos professores universitários e das escolas de nível básico foram retroativos a 1º de fevereiro. Já o aumento resultado da criação do docente associado vale a partir de 1º de janeiro. O governo também mudou a pontuação dada aos professores pela Gratificação de Estímulo à Docência (GED), o que vai resultar em outro reajuste para os professores da ativa e inativos. A intenção do Ministério da Educação é ter os reajustes aplicados já na folha de pagamento de junho, recebida pelos servidores em julho.

Leia o voto do ministroMarco Aurélio

Tribunal Superior Eleitoral

CONSULTA Nº 1.229 – DISTRITO FEDERAL – BRASÍLIA

RELATOR: Ministro GERARDO GROSSI

CONSULENTE: ÁTILA SIDNEY LINS ALBUQUERQUE, Deputado Federal

VOTO VISTA

SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): A consulta versa sobre o prazo referido na parte final do inciso VIII do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, que tem o seguinte teor, sob o ângulo da vedação:

VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

O relator, com base nos apontamentos de Olívar Coneglian em “Lei das Eleições Comentada”, consideradas as modificações surgidas quando da tramitação do projeto que desaguou na lei em tela, deslocando-se a numeração de artigos, conclui que o prazo a ser observado há de ter como marco a data inicial para a realização das convenções, ou seja, 10 de junho, tomando de empréstimo, com isso, não o artigo 7º, mais precisamente o prazo constante do § 1º nele contido – de 180 dias antes das eleições-, mas o que dispõe o artigo 8º. Então, propõe a alteração das Resoluções nos 22.124 e 22.155, relativas às eleições deste ano.

Descabe potencializar, em termos de prazos relativos a atos a serem praticados, a existência, ou não, de candidatos. Para assim concluir-se, basta levar em conta que a Lei das Inelegibilidades contempla períodos em que, a rigor, não se conta com candidaturas já formalizadas mediante a escolha em convenção. Várias normas impõem o afastamento daqueles que pretendem se apresentar como candidatos em convenção no período de seis meses que antecedem ao pleito.

Cuida-se da problemática da revisão remuneratória dos servidores públicos, e é sabido que os governos em geral não respeitam sequer a reposição do poder aquisitivo da moeda prevista na Constituição Federal. Não obstante, em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível e então pode ocorrer até mesmo o lapso quanto à pratica verificada nos últimos tempos de conferir-se tratamento aos servidores públicos como se fossem os culpados pelas mazelas do Brasil, os bodes expiatórios. A bondade passa a ser uma constante. Esse dado não pode ser desconhecido, no que vem à baila consulta que deve ter origem específica, motivação própria, para lograr o beneplácito do Judiciário eleitoral no tocante à melhoria de vencimentos a ser implementada.

Sob tal óptica, interpreto a legislação em vigor de modo a evitar distorções, desvirtuamento a partir da utilização da coisa pública e visando a objeto individualizado, a obtenção da simpatia da grande parcela de eleitores formada pelos servidores públicos. Faço-o consignando mesmo que o artigo 8º da Lei nº 9.504/97 encerra prazo que, tomado de empréstimo quanto à outorga de melhoria de vencimentos, levaria à incongruência.

Observem o teor do artigo: “A escolha dos candidatos pelos partidos e deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 10 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições lavrando-se a respectiva ata em livro aberto e rubricado pela Justiça Eleitoral”. Vale dizer que, conjugado o artigo 8º com o inciso VIII do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, ter-se-á a vedação apenas considerado o período de 10 a 30 de junho que, uma vez ultrapassado, implicará a possibilidade de, em desequilíbrio na disputa, outorgar-se a vantagem tão sedutora aos servidores públicos. O § 1º do artigo 7º, ao contrário do artigo 8º, encerra período mais consentâneo com a ordem natural das coisas, ao prever o prazo de até 180 dias antes das eleições.

Dá-se, no caso, a fixação de termo inicial plausível, ou seja, os 180 dias referidos e, abandonado o termo final contemplado no citado parágrafo — a data das eleições —, porque incompatível com o mencionado no inciso VIII do artigo 73 – até a posse dos eleitos -, passa-se a ter a impossibilidade de a melhoria ser implementada desde os 180 dias anteriores à eleição até a posse dos eleitos, termo final expressamente estabelecido na norma de regência da matéria, isto é, no citado inciso VIII.

Peço vênia ao relator para divergir e, entre as interpretações possíveis, adoto a que mais atende ao objetivo da norma e que foi a prevalecente quando editadas as resoluções visando a explicitar, para as eleições deste ano, os parâmetros de regência.

(Texto sujeito a revisão)

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