Cortesia jurídica

Termo esdrúxulo em peça judicial desprestigia o Direito

Autor

7 de junho de 2006, 16h12

Recentemente, um dos advogados de meu escritório veio até mim apresentando cópia de uma sentença judicial interessantíssima. Nela, o juiz, ao proferir a decisão negando um dos pedidos pleiteados, julgou-o da seguinte forma: “A tese de confisco, eu a rejeito de plano. Nada a ver.”.

Ora, uma decisão judicial como esta desrespeita gravemente todos os envolvidos no processo judicial. As partes, pois brinca com os direitos que estão sendo discutidos no litígio. O advogado que patrocina a causa e que teve o cuidado de elaborar petição para fazer valer o direito de seu cliente. O Poder Judiciário, pois o juiz representa sua categoria que, com absoluta convicção, não apóia uma atitude dessa natureza. E, por fim, toda a Justiça que visa apaziguar os conflitos de maneira coerente e sensata de acordo com a legislação pátria.

O juiz que age dessa forma desrespeita flagrantemente a urbanidade entre os partícipes no processo transgredindo normas como a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, Lei Complementar 35 de 14 de março de 1979 que, em seu artigo 35, assim dispõe:

“Artigo — 35. São deveres do magistrado:

IV — tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”.

Sem falar no desrespeito à própria Constituição da República que, em seu artigo 92, inciso IX, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

Infelizmente, tenho percebido por parte dos colegas — leia-se: promotores, juízes e advogados — a colocação de termos não jurídicos e/ou esdrúxulos na peça que confeccionam, o que traz grande desprestígio para nossa atividade.

Talvez esse tipo de atitude venha desde os bancos escolares até no próprio dia-a-dia do profissional do direito, mas que, porém, deve ser alijado de suas peças. Não propugnamos pela escolha de palavras rebuscadas ou difíceis para o entendimento mediano, mas sim por uma correção, até mesmo por educação, da maneira como os operadores do Direito redigem ou se dirigem para falar com o colega ou até mesmo em público.

Outra prática que tenho percebido em algumas e, felizmente, poucas decisões ou sentenças judiciais diz respeito ao modo como alguns recursos ou peças são rechaçados ou denegados por juízes de forma indecorosa e desnecessária. Por exemplo, ao não concordar com a tese do profissional o magistrado, após a sua negativa, aduz que “para um bom entendedor, meia palavra basta”.

Ora, se tivesse sido omitido esse comentário, com certeza a decisão judicial teria alcançado seu objetivo de forma muito mais tranqüila e coerente e não se transformado em objeto de desrespeito perante o trabalho profissional exercido pelo advogado que, seguramente, não recorreu da mesma forma utilizada pelo magistrado já que sabe o que significa a palavra respeito e urbanidade.

Devemos entender, de uma vez por todas, que o processo é formado de partes adversas com teorias distintas e interpretações diferentes da lei. Portanto, todos os posicionamentos devem ser respeitados desde que feitos com ética e o mínimo de fundamentação legal e, mesmo para aqueles que não preencham esses requisitos, a resposta deverá ser de forma elegante e cordial tudo em conformidade com o que nossa profissão e o Estatuto da OAB exigem que seja feito.

De outra forma, quando vitorioso em determinado recurso anulando a decisão de um juiz singular, escreveria na própria peça recursal ou em sustentação oral a má qualidade do julgamento e a pouca inteligência do juiz que julgou a causa. Mas não é o caso pois, jamais, vincularia esse tipo de procedimento à nobre atividade que respeito e exerço com tanto afinco.

Em sendo assim não vejo o que o profissional possa ganhar agindo dessa forma descortês. Acredito que a resposta a essas atitudes deverá trilhar o caminho do recurso que provavelmente será julgado por um colegiado que jamais expressará seus sentimentos pessoais no acórdão dessa forma e, na parte que a nós compete, referidas passagens nem sequer serão mencionadas até mesmo pela impossibilidade de se recorrer, por exemplo, de uma decisão que julga um pedido dizendo que o mesmo “não tem nada a ver” só se nós, advogados, entrarmos na “onda” do juiz e recorrermos da decisão dizendo que “tem tudo a ver” o que, definitivamente, não será nossa escolha. Respeitamos nosso múnus público que é conferido pelo artigo 133 da Constituição Federal como indispensável para administração da justiça.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!