Ordem por telefone

TJ-GO rejeita denúncia contra juiz que mandou prender por telefone

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17 de julho de 2006, 11h38

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás rejeitou, por unanimidade, denúncia proposta pelo Ministério Público contra o juiz Ricardo Teixeira Lemos, de Aparecida de Goiânia. Ele foi denunciado por abuso de autoridade por determinar por telefone as prisões de Ailson Barbosa de Lima e Josemar Rezende de Castro, candidatos ao cargo de vereador em 2004.

O relator, desembargador Floriano Gomes, explicou que a medida privativa de liberdade individual pode acontecer de duas formas: mediante flagrante delito ou por meio de prévia ordem escrita da autoridade judiciária. Ele constatou que houve duas situações distintas que sujeitaram as vítimas a duas espécies de prisão provisória.

“Ao provocarem tumulto insinuando que os servidores à disposição da Justiça Eleitoral teriam fraudado a contagem dos votos, nota-se que os candidatos foram conduzidos à presença da autoridade policial por estarem em flagrante delito pela prática do crime de desacato. O fato de o juiz ter denunciado por telefone a condução das vítimas à delegacia de Polícia, visando à lavratura do respectivo boletim de ocorrência, não caracterizou crime algum, já que a situação de flagrante delito torna desnecessária qualquer formalidade prévia”, disse.

O relator afirmou que, apesar de a prisão em flagrante não ter sido formalizada, com a lavratura do respectivo auto, a diligência em crimes de menor potencial ofensivo deixou de ser obrigatória desde a edição da Lei 9.099/95 (parágrafo único, artigo 69) que condicionou tal procedimento à impossibilidade de encaminhamento imediato do autor do fato ao juizado.

“Por esse motivo, não vislumbro ocorrência de abuso de autoridade na ação do magistrado que, por telefone, determinou aos policiais a condução das vítimas à presença da autoridade policial para lavratura de boletim de ocorrência, pois qualquer pessoa tem o direito de exigir dos agentes policiais o cumprimento do dever que lhes é imposto pelo Código de Processo Penal (artigo 301), que é prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, ponderou.

Com relação ao fato de os candidatos receberem os mandados de prisão preventiva, expedidos contra ambos pelo juiz, no momento em que prestavam esclarecimentos na delegacia, o relator considerou que isso também não caracteriza abuso de autoridade. Ele lembrou que o próprio Conselho Superior da Magistratura já havia reconhecido que Ricardo Lemos agira no estrito cumprimento do seu dever funcional, visando à preservação da ordem dos trabalhos eleitorais e da ordem pública.

“A prisão preventiva das vítimas foi decretada pelo denunciado no regular exercício de sua funções. Não há dúvida de que a exigência de toda autoridade judiciária em um Estado Democrático de Direito é que, ao julgar a segregação cautelar de alguém, esclareça em seu despacho quais fundamentos existentes para a decretação da excepcional medida que é a custódia preventiva. Tal requisito foi devidamente observado pelo denunciado que, ao decretar a prisão preventiva de ambos os candidatos, fundamentou sua decisão na garantia da ordem pública e integridade físicas servidores, os quais teriam sido ‘aos berros’ desacatados pelas vítimas, que criaram grande tumulto na sede do TRE da comarca”, salientou.

Denúncia

Segundo o Ministério Público, em 6 de novembro de 2004, o juiz ordenou, por telefone e sem as formalidades legais, as prisões de Ailson Barbosa de Lima e Josemar Rezende de Castro, candidatos ao cargo de vereador do município de Aparecida de Goiânia, praticando dessa forma abuso de autoridade.

Conforme a denúncia, as vítimas e outros candidatos a vereador dirigiram-se à Justiça Eleitoral para obterem informações sobre o paradeiro de uma urna eletrônica extraviada, o que gerou um certo tumulto. Ao ser comunicado do fato, o juiz determinou a prisão de todos os candidatos presentes na 1ª Delegacia de Aparecida de Goiânia e, no decorrer da lavratura do boletim de ocorrência, segundo a denúncia, tentou corrigir a situação de violação de formalidades legais, emitindo decreto de prisão preventiva tomando por base confissões inexistentes das vítimas.

Em sua defesa, o juiz alegou que Josemar Rezende e Alison Barbosa de Lima foram derrotados nas eleições ao cargo de vereador e queriam a todo custo entrar na sala onde estavam guardadas as urnas eletrônicas, na sede da Justiça Eleitoral, para retirar uma urna, com o objetivo de periciá-la. De acordo com ele, os candidatos alegaram ocorrência de fraude no pleito eleitoral e incitaram outras pessoas a tomarem a urna e houve desacato.

Na condição de juiz eleitoral da 132ª Zona de Aparecida de Goiânia, responsável pela totalização dos votos e diplomação dos eleitos, o juiz destacou que, ao ser informado dos acontecimentos, acionou o 8º Comando do 8º Batalhão da Polícia Militar.

Com a chegada dos policiais militares ao local, os dois candidatos agrediram novamente os servidores com palavras ofensivas, o que o fez determinar por telefone que os militares conduzissem os agressores a diligência. Ainda de acordo com o juiz, a escrivã chegou ao seu gabinete logo em seguida contando que, depois de prestar as declarações na delegacia acerca dos fatos narrados, teve a placa de seu carro anotada por Rezende, que passou a ameaçá-la.

Leia a íntegra da ementa

Juízo de Prelibação. Abuso de Autoridade. Coisa Julgada. Não Ocorrência. Prisão em Flagrante e Prisão Preventiva. Inexistência de Crime. Falta de Justa Causa. Denúncia Rejeitada.

1 – Não se reconhece, em nosso sistema jurídico-constitucional, a ocorrência de coisa julgada nas decisões administrativas de modo a impossibilitar a apreciação do fato pelo Poder Judiciário.

2- O ordenamento jurídico brasileiro não exige a prévia realização de qualquer formalidade legal para que alguém possa prender outrem nas hipóteses previstas pelo artigo 302 do Código de Processo Penal. Inteligência o artigo 301 do mesmo estatuto legal, que outorga, a qualquer pessoa do povo, o direito e impõe, às autoridades policiais e seus agentes, o dever de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

3. A prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo juiz quando presentes os seus requisitos (art. 311 e 312 CPP), desde que observada a norma contida no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que impõe a obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões judiciais.

4 – Tratando os autos de duas situações distintas, nas quais foram realizadas essas duas espécies de prisões provisórias , uma em flagrante e outra preventiva, sendo esta última realizada em observância às formalidades legais, após ter sido proferida decisão fundamentada por um juiz de direito, não deve prevalecer a imputação de crime de abuso de autoridade feita ao denunciado, consistente na ordenação de medida privativa de liberdade em as formaldiade legais, mesmo porque os documentos contidos nos autos demonstram nitidamente que tal crime inexistiu.

5 – Constatada a inexistência de crime, não se vislumbra justa causa para a ação penal, o que impõe a rejeição da denúncia nos termos do artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal. Denúncia rejeitada.

Ação Penal 624-6/212

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