Subfaturamento não é motivo para perda de mercadorias
10 de julho de 2006, 20h26
A importadora By Brasil não vai perder a mercadoria retida pela Receita Federal, em janeiro de 2005, no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. A decisão é da juíza Vera Lúcia Feil Ponciano, da 8ª Vara Federal da capital paranaense. As mercadorias faziam parte de uma carga avaliada em R$ 1,7 milhão que seria importada para a Daslu. A apreensão ocorreu em razão de indícios de subfaturamento, segundo a Receita.
A juíza entendeu que subfaturamento não é motivo para perdimento da mercadoria, como determinou a Receita, mas de acréscimo dos impostos devidos e multa. Como a primeira instância já tinha autorizado anteriormente, em Medida Cautelar, a substituição da mercadoria pelo valor em dinheiro, a juíza decidiu que esses valores devidos deveriam ser descontados.
As mercadorias, em geral roupas importadas, foram apreendidas pela Receita Federal em 11 de janeiro de 2005, no Aeroporto Afonso Pena. Segundo a Receita Federal, as roupas seriam encaminhadas de Curitiba (PR) para Santo André (SP), onde seriam vendidas para a Daslu.
As mercadorias foram apreendidas seis meses antes da Operação Narciso, no dia 13 de julho passado, que resultou na detenção da dona da Daslu, Eliana Tranchesi e de seu irmão Antônio Carlos Piva de Albuquerque. A operação foi desencadeada após 10 meses de investigações do MP, época em que a Receita Federal apreendeu no aeroporto internacional de Guarulhos, junto a mercadorias da loja, notas fiscais subfaturadas e notas com os valores verdadeiros das mercadorias.
Outras mercadorias
Em janeiro deste ano no mesmo aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, foram apreendidas mais mercadorias de luxo, desta vez, importadas pela Columbia Trading que também teriam como destino, segundo a Receita Federal, a loja Daslu. A desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, no dia 5 de julho deste ano, manter a carga apreendida, mas também suspendeu a pena de perdimento.
Leia a sentença em favor da By Brasil
AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2005.70.00.026455-6/PR
AUTOR: BY BRASIL TRADING LTDA
REPRESENTANTE: CHRISTIAN POLO
ADVOGADO: JOSE MESSIAS SIQUEIRA
RÉU:UNIÃO – FAZENDA NACIONAL
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
By Brasil Trading Ltda invoca a tutela jurisdicional por meio da presente ação ordinária contra a União, pretendendo: a) a anulação do auto de infração que decretou a pena de perdimento das mercadorias importadas pela autora, e o cancelamento de seus efeitos e registros, bem como a declaração da inexistência de dano ao erário; b) a condenação da União ao pagamento de todas as despesas provenientes da retenção e apreensão das mercadorias, enquanto perdurou a restrição; c) a condenação da União ao pagamento de lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença.
Deduz a pretensão, em síntese, de acordo com os seguintes fundamentos: a) o trânsito aduaneiro está caracterizado pela legislação como um Regime Aduaneiro Especial, sendo facultado ao importador a suspensão da exigência dos tributos; b) no Regime Especial Aduaneiro o fato gerador do tributo fica diferido para o momento em que seja efetivado o Registro de Declaração de Importação; c) a mercadoria em trânsito segue sob controle aduaneiro, que é um efetivado por meio de um termo de compromisso entre o beneficiário do Regime e a União; d) o fato gerador dos tributos surge com o início do despacho aduaneiro no ponto de destino das mercadorias; e) enquanto as mercadorias estavam sob o Regime Especial de Trânsito Aduaneiro, não havia fato gerador do tributo, razão pela qual não há falar em dano ao erário; f) é necessário o “exame conclusivo” para que se possa desconsiderar o valor da transação internacional; g) imprescindível a instauração de processo administrativo específico de valoração aduaneira para verificação de subvaloração de mercadorias importadas; h) para que fosse desconsiderada os valores da transação internacional, deveria haver a instauração do procedimento de exame conclusivo, através das aplicação dos métodos substitutivos e seqüenciais previstos legalmente; i) a aplicação sumária da pena de perdimento caracteriza excesso de poder e violação a texto de norma vigente, de um todo estando aquém da razoabilidade; j) a fatura comercial não está enquadrada dentro da definição legal de documento necessário ou essencial ao embarque ou desembaraço, tendo em vista que sua existência ou não independe para o desembaraço ou embarque das mercadorias, sendo que tal irregularidade implica na aplicação de multa de 10% sobre o valor do imposto da mercadoria importada; l) é atípica a aplicação da pena de perdimento em questão, ferindo o princípio da tipicidade insculpido na Constituição Federal, não atendendo ao verdadeiros intuito da lei.
A União apresentou contestação, alegando que: a) a autoridade ao promover a conferência aduaneira, a partir das verificações físicas e documental, constatou uma série de divergências; b) é enorme a diferença dos valores declarados na DTA e o verificado pela autoridade aduaneira, não havendo razões plausíveis para a citada divergência; c) a existência de documentos emitidos em nome da Boutique Daslu descaracteriza a renegociação com preços diferenciados, muito abaixo dos preços de mercado que teriam embasado a relação comercial entabulada entre a importadora e exportadora; d) a falsificação e adulteração dos documentos caracteriza a possibilidade de aplicação da pena de perdimento; e) a constatação das irregularidades é causa suficiente de manter a pena aplicada, uma vez que caracterizado o dano ao erário; f) não há falar em condenação da União em lucros cessantes, tendo em vista a regularidade do auto de infração bem como o atuou a União na medida do seu dever de fiscalização.
O autor apresentou réplica, rebatendo as alegações da contestação e ratificando os termos da inicial.
Intimados para se manifestarem acerca do interesse na produção de provas, a autora requereu o julgamento antecipado, juntando cópia da Lei nº 11.281, de 20.02.2006 (fls. 130-134).
A União requereu o julgamento antecipado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A controvérsia instaurada no presente feito requer a análise da legislação aplicável ao caso e de alguns institutos do Direito Aduaneiro, mas inicialmente a questão carece de análise dos fatos que ensejaram a aplicação da pena de perdimento das mercadorias, a fim de verificar se a situação fática efetivamente autoriza a decretação de tal pena, bem como se a legislação foi aplicada adequadamente.
Dos Fatos
Conforme se depreende do Processo Administrativo nº 0915200/00005/06 (ANEXO), em 11 de janeiro de 2005 a transportadora Euro Cargo Express Transportes Ltda registrou a DTA – Declaração de Trânsito Aduaneiro nº 05/0009767-4, por conta da empresa autora, relativa à transferência de uma carga declarada como “vestuários diversos”, da Estação Aduaneira do Aeroporto Internacional Afonso Pena em Curitiba para a EADI Santo André Terminal de Cargas Ltda, de Santo André/SP. A DTA foi parametrizada para o canal vermelho de conferência aduaneira.
Em verificação física nas mercadorias, a fiscalização constatou que:
(…). Destinatário efetivo da carga
Na análise visual dos 25 volumes que compunham a carga constatou-se em vários deles a indicação externa de que o destinatário da carga era a Boutique Daslu, conforme foto à folha 433 (…).
Quando da abertura dos volumes foram encontrados packings lists (romaneios de carga) e invoice (fatura comercial) que evidenciam o destinatário como a Boutique Daslu, Rua João Lourenço, 521, São Paulo (…). Cabe notar que em vários documentos chega a haver uma junção dos nomes Boutique Daslu com o Brazil Trading Ltda, o que pode ser visto pela fatura de nº 202449 à folha 22.
Boutique Daslu ou simplesmente Daslu, é o nome fantasia da empresa NSCA – Indústria, Comércio, Exportação e Importação, CNPJ 61.035.267/0001-01. Esta boutique é considerada pela mídia como a de maior sucesso em São Paulo entre pessoas de alto poder aquisitivo (…).
Em consulta a sistemas da Receita Federal, verifica-se que a empresa acima, NSCA ou simplesmente DASLU, não possui importações em seu nome (…).
2. O tipo de mercadoria encontrada na carga é aquele com o qual a DASLU operar.
(…) A carga que estamos analisando, cujo perdimento será proposto adiante, também é composta de etiquetas famosas entre os consumidores de grifes de luxo, destacando-se a Luella (bolsas) e Marilyn Moore (cardigans), importantes grifes inglesas.
Em síntese, fica desta maneira demonstrado que as mercadorias que passaram ou estão neste terminal aeroportuário, em nome do autuado, são roupas e acessórios de de grifes de alto luxo e totalmente compatíveis com o perfil de mercado dominado pela DASLU, com o mix de produtos vendidos pela DASLU, dando sentido total às indicações dos volumes e dos documentos encontrados na carga.
3. Os preços das mercadorias localizadas na carga da DTA 05/0009767-4.
São várias as marcas contidas na carga, porém os produtos Luella e Marilyn Moore representam mais da metade dela serão suficientes para se demonstrar que a carga é composta por produtos de preços e padrões altos.
Juntamos às folhas 33 a 38 cópia das telas de consulta de alguns sites de vendas de produtosLuella, da Inglaterra e dos Estados Unidos, mostrando o custo de diversas bolsas, onde se encontram algumas daquelas que integram a carga, evidenciando preços que variam de 275,00 a 495,00 libras, e de 569,00 a 729,00 dólares.
Na fatura comercial apresentada na DTA as bolsas aparecem ao preço de US$ 19,26, indistintamente, sem diferenciar o modelo, sendo que várias das bolsas estão entre aquelas encontradas nos sites a 729,00dólares ou 495,00 libras.
Uma nova consulta a sites na Internet, folhas 39 a 42 mostra agora a faixa de preços dos cardigans Marilyn Moore, encontrados numa faixa de 129,00 a 179,00 libras, dependendo do modelo. Na fatura comercial da DTA os cardigans aparecem indistintamente relacionados à US$ 12,39, preço incompatível com cardigan de alto padrão ou com aqueles de mesma marca encontrados na internet.
(…)
Como se tudo aqui já não expusesse a irrealidade dos preços declarados para a carga, foi encontrada dentro de um dos volumes que continham cardigans, uma fatura comercial de nº 202449, datada de 09.07.2004, emitida por Marilyn Moore Studio Ltd, Inglaterra, a favor do cliente Boutique Daslu/By Brazil Trading Ltda que relacionava a maior parte da quantidade/modelo/tamanho dos cardigans encontrados na carga e indicando preços de venda variando de 89,00 199,00 libras a unidade. Estes preços sim coerentes com o preço de mercado do produto.
O Auto de Infração restou assim fundamentado (fls. 05-07):
(…) 4. Um exportador questionável.
Não é razoável alguém comprar roupas e acessórios de grifes européias de um exportador sediado em Miami. Além do lucro do fabricante, haverá que se remunerar também o lucro deste intermediário de Miami. Mesmo que a propriedade desta empresa de Miami seja de um brasileiro (como provavelmente seja o caso deste exportador ALL TRADE LOGISTICS CORP que conforme consulta ao site do Governo da Flórida, folha 59, encontra-se em nome de uns senhores chamados Márcio e Dárcio Gonçalves), podendo haver um relacionamento privilegiado entre o comprador brasileiro e o intermediário, ainda assim a intermediação supõe remunerada. E principalmente não é razoável esta triangulação se o comprador tiver acesso aos fabricantes.
Não há como imaginar que um nome como a DASLU não tenha acesso direto ao fabricante. Nem é isto o que foi colocado pela principal executiva da empresa na entrevista à Veja, folha 31: (…)”. O descrito no parágrafo anterior revela um relacionamento direto com o fabricante. Inclusive não é possível falar em representação sem este contato direto. O próprio site institucional da Daslu, folha 28, afirma que (…). Esta “sedução” mencionada implica inexoravelmente um contato direto, e a forma seqüencial de colocar as demais grifes define um grau de relacionamento semelhante ao que a DASLU teve com a Maison Chanel, que já foi mostrado ser de bastante proximidade.
Não fossem as razões de ordem lógica a sugerir a suspeição do documento de venda (fatura comercial), como já exposto, aspectos de ordem material se impõem.
O primeiro deles é a fatura de nº 202449, folha 22, emitida pelo Marilyn Moore Studio Ltd, demonstrando a verdadeira operação realizada com a carga. Ali aparecem preços reais, coerentes com os pesquisados na internet e já citados. Aparecem ainda na fatura os pólos verdadeiros da operação: Marilyn Moore vendendo para a DASLU com utilização da By Brazil Trading Ltda para a nacionalização da mercadoria (lembrar que não constam nacionalizações de mercadorias em nome da DASLU). Está claro para esta fiscalização que a carga não é composta desta única fatura, nem a operação original é de data recente, é de 09.07.04. Para o lote da carga como um todo constata-se que foram juntadas no exterior cargas de mais de um fornecedor (Marilyn Moore, Luella, Paul Smith) e enviada agora. Mas os documentos e etiquetas em nome da By Brazil Trading e/ou Daslu em datas pretéritas asseguram que houve negociação e transferência a elas da propriedade das mercadorias, antes do surgimento desta fatura da ALL TRADE LOGISTICS, de 22.12.04.
Neste sentido adiciona-se um fato: em nenhum dos 24 volumes da carga há qualquer referência ou marca do exportador ALL TRADE LOGISTICS ou mesmo uma mera menção ao seu nome, enquanto há referência a todos os demais envolvidos. Inclusive em desacordo com o artigo 498 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543 de 26.12.04), cuja exigência é de que “os volumes cobertos por uma mesma fatura terá uma só marca e serão numerados, vedada a repetição de números”. Não é demais mencionar que nos trânsito anteriores, já citados, em nenhum dos mais de uma centena de volumes, de várias faturas da ALL TRADE LOGISTICS, aparece qualquer referência ou marca sua.
O segundo aspecto diz respeito aos documentos emitidos pela ALL TRADE LOGISTICS, especificamente a fatura comercial 29529 e o respectivo packing list (romaneio de carga). Estes documentos não merecem a menor credibilidade:
(1) A Fatura:
a) Estão ausentes nela a maior parte dos elementos obrigatórios previstos no artigo 497 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543 de 26.12.04), mais especificamente estão ausentes os elementos constituídos pelos incisos IV a XIV, exceto incisos XI e XII (…);
b) Ela acoberta importação de produtos de marcas registradas famosas e omite o fato para não chamar atenção da fiscalização, inclusive não informa país de origem, de procedência, conforme citado no item anterior;
c) A descrição da mercadoria é feita de forma incompleta, inexata, chegando no limiar da falsa declaração de conteúdo, reforçando a convicção de que a fatura não expressa a operação real: por exemplo, as 88 bolsas da Luella, compostas de diversos modelos, estão descritas simplesmente como “baby acessory”, acessório de bebê. Nem o fato de um dos modelos de bolsa chamar-se “baby” justifica tamanha desfaçatez com a descrição, apenas a má-fé justifica. Todas demais relações quantidade/descrição constantes da fatura de nº 29529 são de difícil identificação com o que foi efetivamente verificado na carga, conforme se pode apurar contrastando tal fatura com o termo de Apreensão de mercadoria.
(2) packing list
O documento apresentado como packing list não é um packing list, mas uma fatura em que foram tirados os preços. Não faz associação entre mercadoria e volumes, ou seja, não indica o conteúdo de cada volume, que á a função básica do packing list, ou romaneio de carga ou lista de embalagens. O packing list passou a ser exigido como documento obrigatório no despacho de importação a partir da edição da Lei 10.833 de 29.12.03, artigo 77.
As conclusões do AFTN foram as seguintes:
De um lado a precariedade, os erros, as omissões, as contradições verificadas nos documentos do “exportador” ALL TRADE LOGISTICS, e de outro os documentos encontrados indicando um conjunto de operações diferentes em todos os aspectos, estas sim muito mais coerentes com o conjunto de dados levantados, fizeram-nos constatar que houve uma simulação de uma importação com características diferentes da real, com vistas à obtenção de redução da base de cálculo dos tributos e conseqüente recolhimento a menor de tributos federais e estaduais. Cabe mencionar que esta simulação, através da introdução de um exportador que não exerce efetivamente este papel, foi executada através de documentos falsos (fatura e packing list) o que pôde ser comprovado à medida que se logrou alguns documentos verdadeiros na carga.
A autora apresentou Impugnação ao Auto de Infração (fls. 83-99 do Processo Administrativo que está em um Anexo a estes autos), não negando que as mercadorias eram destinadas à Boutique Daslu.
Conforme Parecer Técnico IRF CTA/SARAT nº 060/2005 (fls. 137-144 do PA), com o qual a autoridade julgadora – Inspetor da Delegacia da Receita Federal – concordou, o valor total das mercadorias em dólar americano declarado na DTA é de US$ 5.779,11, enquanto a valoração pelos preços usuais de mercado com a respectiva conversão do dólar e da libra esterlina totalizou o montante de R$ 175.592,38 (Cento e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e dois reais e trinta e oito centavos) no Termo de Apreensão e Guarda Fiscal.
O Parecer aludido justifica a decretação da pena de perdimento com base nos seguintes fundamentos:
(…) Ademais, no interior dos volumes foram encontrados documentos comerciais emitidos por Marilyn Moore Studio Ltda, em nome de Boutique Daslu – Brazil Trading Ltda, com a descrição de preços unitários muito superiores aos declarados pela impugnante na declaração de trânsito aduaneiro.
A existência dos documentos acima, emitidos em nome da Boutique Daslu, descaracteriza a renegociação com preços diferenciados, muito abaixo dos valores de mercado, que teriam embasado a relação comercial entre ALL TRADE LOGISTICS CORP, BY BRAZIL TRADING LTDA e BOUTIQUE DASLU.
BY BRAZIL TRADING LTD., em sua peça impugnatória, não justifica o porquê da existência de tais documentos junto à carga e da divergência excessiva dos preços declarados como cabalmente demonstrado acima.
Ante o inequívoco subfaturamento, tendo em que os preços descritos na declaração de trânsito aduaneiros estão muito inferiores ao praticado no mercado, foi lavrado o Auto de Infração de Termo e Apreensão e Guarda Fiscal após ter sido constatado a presença de mercadorias estrangeiras acompanhadas de documentos falsificados ou adulterados, infringindo assim o disposto no art. 105, inciso VI, do Decreto-lei n] 37/66, regulamentado pelo art. 618, inciso VI, do Regulamento Aduaneiro (…).
Assim, está efetivamente demonstrado que ocorreu inequivocadamente o fato necessário e suficiente à aplicação da pena de perdimento: verificou-se que as mercadorias estavam acompanhadas com documentos falsificados ou adulterados. Carcaterizada está a hipótese prevista no inciso VI, do artigo 618 do Regulamento Aduaneiro (…). Grifei.
A legislação aplicada
A apreensão das mercadorias e conseqüente pena de perdimento foi efetuada com base no art. 72 da Lei nº 4.502/64, art. 23, inciso IV e § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66, art. 618, inc. VI, do Decreto nº 4.543/2002, e art. 13 da INSRF nº 228/2002, tendo em vista a presença de mercadorias estrangeiras acompanhadas de documentos falsificados/ adulterados.
Os referidos dispositivos legais dispõem, na seqüência, o seguinte:
Art. 72 da Lei nº 4.502/64:
Art . 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art. 23, incisos IV e V e § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976:
Art. 23 – Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
IV – enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966. (…)
Parágrafo único – o dano ao Erário decorrente das infrações previstas no “caput” deste artigo, será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
Art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66:
Art.105 – Aplica-se a pena de perda da mercadoria:
(…)
VI – estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;
Art. 618, inc. VI, do Decreto nº 4.543/2002:
Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23 e § 1º, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59): (Redação dada pelo Decreto nº 4.765, de 24.6.2003).
VI – estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;
Artigo 13 da Instrução Normativa SRF nº 228, de 21.10.2002:
Art. 13. A prestação de informação ou a apresentação de documentos que não traduzam a realidade das operações comerciais ou dos verdadeiros vínculos das pessoas com a empresa caracteriza simulação e falsidade ideológica ou material dos documentos de instrução das declarações aduaneiras, sujeitando os responsáveis às sanções penais cabíveis, nos termos do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) ou da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, além da aplicação da pena de perdimento das mercadorias, nos termos do art. 105 do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966.
Interposição fraudulenta de pessoas
Por ocasião da fase processual de produção de provas, a autora juntou cópia da Lei nº 11.281, de 20.02.2006, afirmando que tal lei, no artigo 11, passou a afastar da hipótese de importação por conta e ordem de terceiros os casos de atuação de empresa importadora que adquira mercadorias no exterior para revenda ou entrega a encomendante predeterminado.
A Lei nº 10.637/2002 incluiu expressamente a situação de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante simulação ou fraude, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros, como hipótese de dano ao Erário, nos termos do artigo 23, inciso V, § 1º e 2, do Decreto-Lei no 1.455/1976:
Art. 23. ……………………………………………………………….
V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.
§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados (redação dada pela Lei nº 10.637/2002)
O artigo 66, inciso V, da INSRF nº 206/2002, em consonância com o artigo 23, inciso V, § 1º e 2, do Decreto-Lei no 1.455/1976, tem dispositivo semelhante, verbis:
Art. 66. As situações de irregularidade mencionadas no artigo anterior compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto:
I (…)
V – à ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro; ou
O art. 4º da INSRF 225/2002, que tem por base as Medidas Provisórias 2.158-35/2001 e 66/2002, e que estabelece requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora em operações procedidas por conta e ordem de terceiros, também prevê sobre a questão que:
Art. 4º. Sujeitar-se-á à aplicação de pena de perdimento a mercadoria importada na hipótese de:
I- inserção de informação que não traduza a realidade da operação, seja no contrato de prestação de serviços apresentado para efeito de habilitação, seja nos documentos de instrução da DI de que trata o art. 3º (art. 105, inciso VI, do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966);
II – ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, do comprador ou responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive interposição fraudulenta de terceiros (art. 23, inciso V, do Decreto-lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, com a redação dada pelo art. 59 da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002).
O art. 618, inciso XXII, do Decreto nº 4.543/2002, regulamentando o assunto, assim preconiza:
Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23 e § 1º, com a redação dada pela Medida Provisória nº 66, de 2002, art. 59):
(…)
XXII – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.
A Instrução Normativa SRF nº 228, de 21 de outubro de 2002, que dispõe sobre procedimento especial de verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas, prevê sobre a questão no art. 7º que:
Art. 7º Enquanto não comprovada a origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações, bem assim a condição de real adquirente ou vendedor, o desembaraço ou a entrega das mercadorias na importação fica condicionado à prestação de garantia, até a conclusão do procedimento especial.
§ 1º A garantia será equivalente ao preço da mercadoria apurado com base nos procedimentos previstos no art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, acrescido do frete e seguro internacional, e será fixada pela unidade de despacho no prazo de dez dias úteis contado da data da instauração do procedimento especial.
Verifica-se que a legislação considera como hipótese de dano ao erário a importação que visa ocultar o real sujeito passivo, o real vendedor, comprador ou responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.
Entretanto, no caso sub examine depreende-se que o Auto de Infração em nenhum momento se refere a qualquer um dos dispositivos supracitados, não tendo a decretação da pena de perdimento se baseado em tal fundamento, mas sim no art. 105, inciso V, do Decreto-lei nº 37/66 e art. 618, inc. VI do Regulamento Aduaneiro, motivo pelo qual na há falar em aplicação da Lei nº 11.281, de 20.06.2006.
Trânsito Aduaneiro
A regra nas operações de importação é que o desembaraço seja realizado no local onde a mercadoria foi desembarcada, ou seja, adentrou ao país. Por critério de conveniência e oportunidade, baseado na relação de confiança entre a Administração e o particular, é que poderá ser concedida a medida de exceção, possibilitando ao importador o desembaraço em zona secundária, mais próxima de sua sede, com os benefícios advindos desta alteração (tais como desembaraço paulatino da mercadoria, suspensão de tributos, entre outros).
O regime de trânsito aduaneiro apenas permite que o processo de despacho aduaneiro se dê em outro entreposto aduaneiro, fora da zona primária. É uma opção do importador que tem interesse em desembaraçar sua mercadoria com maior agilidade ou mais próximo de sua sede, facilitando a revenda, além de outros benefícios. No entanto, o processo será submetido a todos os controles, fiscalizações e exigências que o procedimento exigir.
Os artigos 267 a 305 do Regulamento Aduaneiro estabelecem regras sobre o trânsito aduaneiro. Segundo os artigos 267 e 268:
Art. 267. O regime especial de trânsito aduaneiro é o que permite o transporte de mercadoria, sob controle aduaneiro, de um ponto a outro do território aduaneiro, com suspensão do pagamento de tributos (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 73).
Art. 268. O regime subsiste do local de origem ao local de destino e desde o momento do desembaraço para trânsito aduaneiro pela unidade de origem até o momento em que a unidade de destino certifica a chegada da mercadoria.
Esse regime é regulamentado pela INSRF nº 248, de 25.11.2002, que foi alterada pela IN SRF nº 262, de 20 de dezembro de 2002, IN SRF nº 295, de 4 de fevereiro de 2003, e IN SRF nº 337, de 27 de junho de 2003.
A DTA – Declaração de Trânsito Aduaneiro poderá ser submetida à análise visando a conferência, nos termos dos arts. 40 e 41 da INSRF 248/2002, o que ocorreu no presente caso. Aludidos dispositivos prevêem que:
Art. 40. Após a recepção dos documentos, a declaração será submetida a análise visando à seleção para conferência com base em parâmetros e critérios de aleatoriedade registrados no sistema.
§ 1º As declarações selecionadas para conferência serão identificadas pelo canal vermelho.
(…)
Art. 41. O titular da unidade de origem, ou de jurisdição sobre o percurso do trânsito poderá, a qualquer tempo, determinar que se proceda à ação fiscal pertinente, se tiver conhecimento de fato ou da existência de indícios que requeiram a necessidade de conferência dos volumes, de verificação da mercadoria, ou de aplicação de procedimento aduaneiro especial.
A autora afirma que enquanto as mercadorias estavam sob o Regime Especial de Trânsito Aduaneiro não havia fato gerador do tributo, razão pela qual não há falar em dano ao erário e conseqüente decretação de pena de perdimento.
Efetivamente, no trânsito aduaneiro a mercadoria transita de um ponto a outro do território aduaneiro, sem integrar ou contribuir para a riqueza nacional, em razão da suspensão da exigibilidade tributária por tempo determinado. Não há margem ao lançamento e o tributo permanece em abstrato, à ausência de crédito formalmente constituído.
Entretanto, no caso sub judice o regime de trânsito aduaneiro foi interrompido para conferência, com base no artigo 42, inciso II, da INSRF 248/2002, a fim de ser efetuada a verificação física da carga, nos termos da INSRF nº 205, de 25 de setembro de 2002.
Dessa forma, o trânsito aduaneiro não se ultimou, motivo pelo qual não há falar em suspensão da exigência dos tributos.
Ademais, Decreto-Lei nº 1.455/76 não exige o início do despacho de importação para configuração de dano ao erário, o qual, segundo o seu art. 23, § 2º, ocorre “na operação de comércio exterior”, considerada como um todo.
Impende frisar que a ocorrência do fato gerador do imposto de importação não é pressuposto para a pena de perdimento, uma vez que, conforme o artigo 1º, § 4º, inciso III, do Decreto-Lei nº 37/66, o imposto de importação não incide sobre mercadoria importada que tenha sido objeto de pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida, verbis:
Art.1º – O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
(…)
§ 4º O imposto não incide sobre mercadoria estrangeira: (Incluído pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)
I – avariada ou que se revele imprestável para os fins a que se destinava, desde que seja destruída sob controle aduaneiro, antes de despachada para consumo, sem ônus para a Fazenda Nacional; (Incluído pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)
II – em trânsito aduaneiro de passagem, acidentalmente destruída; ou (Incluído pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)
III – que tenha sido objeto de pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)
Portanto, mesmo que não ocorra o fato gerador do imposto de importação, isso não impede a decretação da pena de perdimento. Assim, do debate acerca da ocorrência do fato gerador do imposto sobre importação não decorre a ilegalidade do ato atacado.
Retenção de Mercadorias
A retenção das mercadorias e interrupção do despacho ou do trânsito aduaneiro pode se dar em virtude da necessidade de verificação dos valores apresentados à fiscalização e da ausência da declaração do real importador. Nesse atuar não se vislumbra qualquer desconformidade com as normas pertinentes, pois a atividade fiscalizatória e a conseqüente não liberação dos produtos é prerrogativa inerente ao poder de polícia (artigo 78 do CTN) e insere-se nas atribuições do Fisco, impedindo a liberação das mercadorias até que seja confirmada a regularidade da importação, ou aplicada a pena de perdimento. Isso advém da própria natureza da atividade, que reclama maior atenção da autoridade administrativa pela só exposição do Erário a prejuízo.
A autoridade alfandegária tem o poder-dever de fiscalizar e controlar importações. Havendo suspeitas fundadas de irregularidades não é ilegal a apreensão da mercadoria. Uma vez apreendida, para que seja procedida à sua liberação, é necessário que sejam satisfeitos os requisitos legais, ou antes, sanadas as irregularidades verificadas, sem o que resta maculado o desembaraço e o procedimento de importação.
A estipulação legal de retenção imediata das mercadorias, na hipótese de se verificarem indícios de infração, guarda plena conformidade com o ordenamento constitucional vigente, na medida em que visa a resguardar a possibilidade de imposição da penalidade final, o que seria frustrado caso o importador extraviasse, depois de liberadas, as mercadorias importadas. É uma medida cautelar de natureza administrativa, que pode ser revista tanto pelo próprio administrador como pelo Judiciário. Sua imposição dispensa prévia notificação ou oportunização de defesa justamente pelo caráter cautelar, além de ao importador ser permitida a discussão administrativa, no seio do procedimento especial instaurado, sobre a regularidade da importação.
Processo Administrativo
O art. 237 da Constituição Federal atribui competência ao Ministério da Fazenda para o exercício de fiscalização e controle sobre o comércio exterior. A legislação infraconstitucional, por sua vez, autoriza a submissão das mercadorias importadas ao despacho aduaneiro, por intermédio do qual a Secretaria da Receita Federal verifica a ocorrência de irregularidades, dentre as quais aquelas puníveis com a pena de perdimento.
Segundo dispõe o art. 44 do Decreto-Lei 37/66, com redação dada pelo Decreto-Lei 2.472/88, toda mercadoria importada deve ser submetida a despacho aduaneiro, verbis:
Art. 44 – Toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via, destinada a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do imposto, deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento
Compete à Receita Federal verificar a integral regularidade da operação de importação. Nessa atribuição não está incluído apenas o recolhimento dos tributos pertinentes. A idoneidade da importação também pressupõe idoneidade da empresa importadora, cumprimento de exigências documentais e comprovação da veracidade das informações prestadas, nos termos do art. 504, do Regulamento Aduaneiro.
Conforme art. 510, do mesmo Decreto, constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal responsável.
Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independentemente de processo (art. 510, § 2º). Havendo manifestação de inconformidade, por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2º, o Auditor-Fiscal da Receita Federal deverá efetuar o respectivo lançamento, na forma prevista no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972. Quando exigível o depósito ou o pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais ou o cumprimento de obrigações semelhantes, o despacho será interrompido até a satisfação da exigência.
O art. 511, § 1º, por sua vez, prevê que não será desembaraçada a mercadoria cuja exigência de crédito tributário no curso da conferência aduaneira esteja pendente de atendimento, salvo nas hipóteses autorizadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, mediante a prestação de garantia (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 51, § 1º, com a redação dada pelo Decreto-lei no 2.472, de 1988, art. 2o, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 39). A legalidade da garantia prevista no Regulamento Aduaneiro está fundamentada no §1º do art. 51 do DL 37/66, na Medida Provisória nº 2.158-35, regulamentada por Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (arts. 49, § 1º, e 69, § 1º,da INSRF nº 206/2002, e Instrução Normativa SRF nº 327, de 09 de maio de 2003).
No caso em análise, a apreensão das mercadorias e conseqüente pena de perdimento foi efetuada com base no art. 72 da Lei nº 4.502/64, art. 23, incisos IV e § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66, art. 618, inc. VI, do Decreto nº 4.543/2002, e art. 13 da INSRF nº 228/2002.
O Auto de Infração é utilizado como início de procedimento nas hipóteses previstas no art. 618, c/c art. 690, § 1º, do Regulamento Aduaneiro. Lavrado Auto de Infração, conforme exige o art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/76, deve ser instaurado processo administrativo para fins de decretação da pena de perdimento, no qual seja oportunizada a apresentação de defesa, verbis:
Art 27. As infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 serão apuradas através de processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão, e, se for o caso, de termo de guarda.
§ 1º Feita a intimação, pessoal ou por edital, a não apresentação de impugnação no prazo de 20 (vinte) dias implica em revelia.
§ 2º Apresentada a impugnação, a autoridade preparadora terá o prazo de 15 (quinze) dias para remessa do processo a julgamento.
In casu, verifica-se que foi observado esse dispositivo legal, uma vez que foi lavrado o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e a autora apresentou Impugnação, conforme se infere das cópias do Processo Administrativo que se encontra no Anexo.
É perfeitamente possível que a Receita Federal, verificando que não houve o cumprimento da legislação, instaure processo administrativo para fins de aplicação da pena de perdimento do bem, conforme autorizado pela legislação supracitada. Durante esse processo, o importador poderá apresentar sua defesa, bem como produzir provas, observando-se com isso o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, o que de fato ocorreu no presente caso.
Portanto, não há falar em violação aos princípios do devido processo legal e do contraditório, uma vez que o procedimento adotado pela SRF está devidamente previsto em lei e foi dada oportunidade de defesa, tendo a autora apresentado Impugnação (fls. 83-99 do PA).
Pena de perdimento
A legislação considera dano ao erário a importação de mercadorias quando o importador utiliza-se de documento falsificado ou adulterado. O fato de ter ocorrido o pagamento dos tributos devidos em razão da importação não descaracteriza o dano ao erário, desde que comprovada a falsificação ou adulteração, porquanto as condutas tipificadas não se referem apenas aos casos dos quais decorram danos patrimoniais, mas todos aqueles que resultem violação ou descumprimento do procedimento regular de admissão aduaneira.
Conforme se depreende da legislação supracitada sobre a pena de perdimento, não há necessidade de comprovação de efetivo dano ao fisco. Basta que qualquer documento necessário ao desembaraço tenha sido falsificado para que se configure o tipo legal, dando ensejo à aplicação da pena de perdimento. O caput do art. 618 dispõe que as condutas descritas em seus incisos configuram dano ao Erário, devendo ser aplicada a pena de perdimento.
A pena de perdimento possui amparo constitucional (artigo 5º, XLVI). As hipóteses de dano ao erário em que será aplicada essa pena estão previstas em lei, ou seja, nos arts. 104 e 105, do DL 37/66, e arts. 23 e 24, do DL 1.455/76, regulamentados pelos arts. 604, 617 e 618 do Decreto nº 4.543/2002 (art. 96, inc. II, DL 37/66). A Constituição Federal não contém previsão expressa sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário, porém isso não significa que é medida inconstitucional, pois a Constituição não pode contemplar todos os institutos e todas as penalidades existentes no ordenamento jurídico.
Não há falar em inconstitucionalidade dos aludidos dispositivos. Conforme precedentes jurisprudenciais, a alegação da extrema gravidade do perdimento, por si só, não afasta sua imposição, pois coube ao legislador – como representante de toda a sociedade – considerar adequada tal pena quando ocorrido o fato capitulado na norma. Nesse sentido: STJ, MS 7133, Processo 200000827274/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 26/03/2001, p. 361; TRF/4ª R, AMS 64829, Processo 200004010610005/PR, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU 20/09/2000, p. 751.
Com efeito, a pena de perdimento, como restrição ao direito de propriedade, não pode ser considerada inconstitucional, pois a propriedade obtida por meios ilícitos ou em desrespeito às leis que dispõem sobre a sua aquisição não atende a função social.
A pena de perdimento é sanção autônoma aplicada pela autoridade aduaneira, sempre associada a um dano causado ao erário. Tem natureza jurídica mista, pois ao mesmo tempo em que é sanção para o autor do ilícito, também cumpre a função de ressarcir o Estado pelo dano ao erário oriundo do mesmo ato ilícito. Sua natureza é repressivo-compensatória. Jean Marcos Ferreira preconiza sobre o assunto que: “A histórica perda de bens ou mercadorias, como sanção fiscal, tem natureza jurídica mista. Objetiva ao mesmo tempo ressarcir o erário – caráter compensatório – e castigar o infrator – caráter repressivo” (FERREIRA, Jean Marcos, Confisco e perda de bens no direito brasileiro, p. 237).
Portanto, a característica principal da pena de perdimento é o dano ao erário. O dano ao erário a que se refere a legislação não diz respeito à tributação em si, mas àquelas hipóteses consideradas lesivas ao erário. O objetivo não é de natureza fiscal. Somente deve ser aplicada nos casos que há dano ao erário porque é preciso ressarcir o Fisco do quanto deixou de arrecadar e, ao mesmo tempo, sancionar o indivíduo que tenta burlá-lo ou toma atitudes que geram significativas perdas aos cofres públicos.
O caso concreto
Conforme exposto acima, a pena de perdimento foi decretada em razão da existência de documentos falsificados/adulterados, e não em virtude da interposição fraudulenta de pessoas (importação por conta e ordem de terceiros).
Com efeito, analisando o Parecer Técnico IRF CTA/SARAT nº 060/2005, o Inspetor da Delegacia da Receita Federal claramente afirmou que ocorreu subfaturamento, e que isso importava na presença de documento falsificado ou adulterado acompanhando as mercadorias importadas. Afirmou, ainda, que o valor total das mercadorias em dólar americano declarado na DTA é de US$ 5.779,11, enquanto a valoração pelos preços usuais de mercado com a respectiva conversão do dólar e da libra esterlina totalizou o montante de R$ 175.592,38 (Cento e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e dois reais e trinta e oito centavos) no Termo de Apreensão e Guarda Fiscal.
Portanto, depreende-se que no Processo Administrativo instaurado a Receita Federal concluiu que os preços declarados na DTA representavam cerca de 10% do valor encontrado, mediante pesquisa em sites da Internet. Assim, foi decretada a pena de perdimento com base no art. 618, VI, do Regulamento Aduaneiro e no art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66.
Em que consistiria a fraude, os documentos falsificados ou adulterados? Apenas em razão dos preços declarados não corresponderam ao valor real ou a DTA estava acompanhada de documentos falsos?
A fiscalização justifica a falsidade dos documentos com base nos seguintes fundamentos: a) o destinatário efetivo da carga era a Boutique Daslu; b) o preço de dos produtos, constante na DTA, era incompatível com o preço de venda; c) a fatura comercial nº 202449, folha 22, emitida pelo Marilyn Moore Studio Ltd, demonstra a verdadeira operação realizada com a carga, pois os preços constantes nela são coerentes com o preço de mercado do produto; d) aparecem nessa fatura os pólos verdadeiros da operação: Marilyn Moore vendendo para a DASLU com utilização da By Brazil Trading Ltda para a nacionalização da mercadoria; e) a carga não é composta desta única fatura, nem a operação original é de data recente, é de 09.07.04; f) foram juntadas no exterior cargas de mais de um fornecedor (Marilyn Moore, Luella, Paul Smith) e enviada agora; g) os documentos e etiquetas em nome da By Brazil Trading e/ou Daslu em datas pretéritas asseguram que houve negociação e transferência a elas da propriedade das mercadorias, antes do surgimento da fatura da ALL TRADE LOGISTICS, de 22.12.04; h) em nenhum dos 24 volumes da carga há qualquer referência ou marca do exportador ALL TRADE LOGISTICS ou mesmo uma mera menção ao seu nome, enquanto há referência a todos os demais envolvidos; i) estão ausentes na fatura a maior parte dos elementos obrigatórios previstos no artigo 497 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543 de 26.12.04); j) a fatura acoberta importação de produtos de marcas registradas famosas e omite o fato para não chamar atenção da fiscalização, inclusive não informa país de origem, de procedência; k) a descrição da mercadoria é feita de forma incompleta, inexata, chegando no limiar da falsa declaração de conteúdo, reforçando a convicção de que a fatura não expressa a operação real; l) todas demais relações quantidade/descrição constantes da fatura de nº 29529 são de difícil identificação com o que foi efetivamente verificado na carga, conforme se pode apurar contrastando tal fatura com o termo de Apreensão de mercadoria; m) o documento apresentado como packing list não é um packing list, mas uma fatura em que foram tirados os preços; não faz associação entre mercadoria e volumes, ou seja, não indica o conteúdo de cada volume, que á a função básica do packing list, ou romaneio de carga ou lista de embalagens.
O AFTN concluiu que havia erros, as omissões e contradições nos documentos do “exportador” ALL TRADE LOGISTICS, e os documentos encontrados indicavam um conjunto de operações diferentes em todos os aspectos, demonstrando que houve uma simulação de uma importação com características diferentes da real, com vistas à obtenção de redução da base de cálculo dos tributos e conseqüente recolhimento a menor de tributos federais e estaduais. Essa simulação, feita pela introdução de um exportador que não exerce efetivamente este papel, foi executada através de documentos falsos (fatura e packing list) o que pode ser comprovado à medida que se logrou alguns documentos verdadeiros na carga.
Analisando os fundamentos do Auto de Infração e do Parecer Técnico, depreende-se que a decretação da pena de perdimento se baseou, basicamente, em irregularidades existentes na fatura comercial e no packing list, que conduziram à conclusão de que houve subfaturamento.
No tocante à obrigatoriedade do packing list, realmente é documento necessário para instrução da declaração aduaneira. No entanto, a sua ausência é motivo de aplicação de multa, nos termos do art. 107, inciso VIII, “e”, do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966:
Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas: (…)
VIII – de R$ 500,00 (quinhentos reais):
e) pela não-apresentação do romaneio de carga (packing-list) nos documentos de instrução da declaração aduaneira;
Em relação à fatura comercial, o art. 628, inciso V, “a”, do Regulamento Aduaneiro prevê aplicação de multa quando esse documento não foi apresentado ou quando inexistente:
Art. 628. Aplicam-se as seguintes multas, proporcionais ao valor do imposto incidente sobre a importação da mercadoria ou o que incidiria se não houvesse isenção ou redução (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 106): (…)
V – de dez por cento:
a) pela inexistência da fatura comercial ou pela falta de sua apresentação no prazo fixado em termo de responsabilidade
O artigo 106, inciso X, “c”, do Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, por sua vez, também prevê multa pela apresentação de fatura comercial em desacordo com uma ou mais de uma das indicações estabelecidas no regulamento.
Dessa forma, depreende-se que as irregularidades constatadas em relação à fatura comercial e ao packing list não ensejam a pena de perdimento, mas a aplicação de multa, ainda mais considerando que a fiscalização não reconheceu a existência de falsa declaração de conteúdo, hipótese que autorizaria a decretação de pena de perdimento (art. 618, inc. XII, do RA).
É questionável esse tipo de pena com base nas situações supracitadas, porquanto, se ausente a fatura comercial numa importação (situação mais grave que algumas irregularidades), isso enseja a aplicação de multa. Ademais, também enseja a aplicação de multa a apresentação de fatura comercial em desacordo com uma ou mais de uma das indicações estabelecidas no regulamento, no caso, art. 497, do Regulamento Aduaneiro.
Quando se tratar apenas de irregularidade formal, que não impediu a fiscalização, e foi constatada pelo Fisco, isso não dá azo a pena de perdimento, pois não há prejuízo ao erário e, em razão disso, não pode ser aplicada a pena de perdimento, conforme preconiza a doutrina:
“Não se olvide que, consoante cediça jurisprudência, meras irregularidade formais, que podem ser constatadas de plano pela fiscalização, não são aptas a causar danos ao Erário, de modo que não justificam a aplicação da pena de perdimento, e, com maioria de razão, também não dão ensejo ao procedimento especial de controle aduaneiro” (TEJADA, Sérgio. Defesa em juízo. In: FREITAS, Vladimir Passos (coord.). Importação e exportação no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 313).
No caso em tela a pena de perdimento foi aplicada com fulcro no art. 105, inc. VI, do DL 37/66 e art. 618, VI, do Regulamento Aduaneiro. Todavia, para a aplicação da pena de perdimento com fulcro em tais dispositivos necessário é a caracterização do dolo do agente. Tal exigência se abstrai em razão dos verbos “falsificar” e “adulterar” que integram o ilícito administrativo, sendo inerentes ao núcleo do tipo. Assim, há necessidade da intenção dolosa do importador para a tipificação, ainda que o processo de valoração chegue a outro valor que não o declarado.
Consoante exposto acima, o dano ao erário não exige que haja apenas a sonegação de tributos. No entanto, deve estar presente um ânimo de “burla a fiscalização e ao controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais (art. 237 da CF)”, ou seja, é preciso que exista uma vontade livre e consciente de desvio da fiscalização (FERREIRA, Rony. Perdimento de Bens. In: Freitas, obra citada, p. 213).
No que tange ao subfaturamento, foi constatado que o preço declarado na DTA importou US$ 5.779,11 (cerca de R$ 13.000,00), enquanto a valoração pelos preços usuais de mercado com a respectiva conversão do dólar e da libra esterlina totalizou o montante de R$ 175.592,38 (Cento e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e dois reais e trinta e oito centavos).
A MP n.º 2.158-35/2001 dispõe acerca da questão:
Art. 88. No caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não seja possível a apuração do preço efetivamente praticado na importação, a base de cálculo dos tributos e demais direitos incidentes será determinada mediante arbitramento do preço da mercadoria, em conformidade com um dos seguintes critérios, observada a ordem seqüencial:
I – preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou similar;
II – preço no mercado internacional, apurado:
a) em cotação de bolsa de mercadoria ou em publicação especializada;
b) de acordo com o método previsto no Artigo 7 do Acordo para Implementação do Artigo VII do GATT/1994, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994, observados os dados disponíveis e o princípio da razoabilidade; ou c) mediante laudo expedido por entidade ou técnico especializado. (…).
Infere-se que havendo suspeita de fraude no preço apontado na fatura comercial a autoridade administrativa deve buscar identificar preço de exportação de mercadoria idêntica ou similar e, posteriormente, apurar os preços no mercado internacional.
A aplicação de perdimento das mercadorias por falsidade documental em virtude apenas da constatação de subfaturamento é medida excessivamente gravosa e destoa da tipificação sancionatória que exige a participação efetiva e dolo do agente. Assim, tratando-se de subfaturamento da mercadoria, cujo valor não está além da realidade, tendo em vista a existência de variações de preços de mercado, o fato poderia, no máximo, desencadear a instauração do procedimento de valoração aduaneira com a exigência do depósito da diferença dos tributos de acordo com o valor arbitrado pelo impetrado, mas não a retenção da mercadoria e conseqüente pena de perdimento.
No caso específico de subfaturamento existe previsão expressa da ocorrência de infração administrativa, com incidência da multa de 100% sobre a diferença dos preços (art. 633, I, do RA), verbis:
Art. 633. Aplicam-se, na ocorrência das hipóteses abaixo tipificadas, por constituírem infrações administrativas ao controle das importações, as seguintes multas (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 169 e § 6o, com a redação dada pela Lei no 6.562, de 18 de setembro de 1978, art. 2o):
I – de cem por cento sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado (Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 88, parágrafo único);
Friso, ainda, que o próprio art. 69 da IN/SRF nº 206/02 diferencia a hipótese de fraude daquela de subfaturamento, ao estabelecer que, uma vez excluída a hipótese de fraude, fica autorizada a liberação da mercadoria, condicionando-a tão-somente à prestação de garantia pelo eventual crédito tributário a ser exigido em decorrência do reconhecimento de subfaturamento.
Há posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que o subfaturamento não constitui hipótese de aplicação da pena de perdimento, por se tratar de mera infração administrativa, sujeita à incidência de multa e lançamento suplementar.
Importante salientar que o artigo 66 da IN/SRF 206 não pode justificar a aplicação da pena de perdimento. Tal dispositivo prevê que é situação de irregularidade, passível de submissão a procedimento especial, a falsidade na declaração do preço efetivamente pago ou a pagar, ou seja, quando houver indícios de subfaturamento, verbis:
Art. 66. As situações de irregularidade mencionadas no artigo anterior compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto:
I – à falsidade na declaração da classificação fiscal, do preço efetivamente pago ou a pagar ou da origem da mercadoria, bem assim de qualquer documento comprobatório apresentado;
Entretanto, entendo que esse dispositivo extrapolou a outorga legal de regulamentação, estabelecendo situação de aplicação de pena de perdimento não prevista em lei e à revelia do Regulamento Aduaneiro, uma vez que a classificação fiscal inadequada pode ser corrigida quando do despacho aduaneiro, o subfaturamento ou superfaturamento estão previstos em lei apenas como sujeitos à pena de multa (art. 633, inc. I, do RA). Da mesma forma, não é proibida a transferência a terceiros de mercadoria importada.
Com efeito, não há fundamento legal para se aplicar a pena de perdimento da mercadoria pela simples constatação de divergência de preço na operação, ainda que se queira forçar a tipificação legal a pretexto de ter ocorrido falsidade ideológica, é preciso que seja comprovada a fraude. Se assim não fosse, não haveria qualquer interesse do Fisco em cobrar eventuais diferenças de tributos decorrentes do reconhecimento de subfaturamento, uma vez que sempre ocorreria falsidade ideológica e, portanto, ensejaria a aplicação da pena de perdimento, não se falando em exigência complementar do crédito tributário.
Conforme já frisado, o art. 69 da IN/SRF nº 206/02 estabelece que, uma vez excluída a hipótese de fraude, fica autorizada a liberação da mercadoria, condicionando-a tão-somente à prestação de garantia pelo eventual crédito tributário a ser exigido em decorrência do reconhecimento de subfaturamento. Equivale dizer, a questão fica limitada à apuração de diferença do crédito tributário, sem qualquer conotação punitiva. [Tab]
Dessa forma, entendo que o art. 66, inciso I, da IN/SRF nº 206/02 deve ser interpretado em consonância com o disposto em seu art. 69, ou seja, necessariamente, para se instaurar o aludido procedimento, é preciso a existência de indício de fraude, não se contentando a norma com mero recolhimento a menor de tributo em razão da subvaloração da mercadoria.
Embora tenha respaldo legal a retenção da mercadoria como medida acautelatória em procedimento especial de fiscalização, o fato é que a norma é cristalina no sentido de exigir que a autoridade decline expressamente os motivos ou fundada suspeita tal como cogitada na IN/SRF 206/02 para início do procedimento.
Não poderia ser de outro modo, pois, constituindo a retenção das mercadorias ônus excessivo para as empresas, o mínimo que se poderia exigir da autoridade é que fundamentasse sua decisão, recomendando-se a adoção da medida somente nas hipóteses em que existem reais possibilidades de, ao final do procedimento, se aplicar a pena de perdimento das mercadorias, o que não é o caso dos autos, no qual a retenção se fundamenta na cautela para exigência de eventual crédito tributário.
Depreende-se que a Receita Federal se apegou somente à questão do subfaturamento sem, contudo, apontar qualquer prova sólida de fraude, propriamente, que pudesse ensejar a aplicação da pena de perdimento.
Saliento que o disposto no art. 112, I, do Código Tributário Nacional, recomenda a adoção de interpretação mais favorável ao contribuinte quando a capitulação legal da sanção for duvidosa.
Assim, tratando-se apenas mera ocorrência de subfaturamento – em um percentual que não se revela prematuramente absurdo (90% inferior ao preço encontrado pela Receita Federal) – tenho que a irregularidade não pode desencadear a pena de perdimento, mas apenas aplicação das multas e lançamento suplementar dos tributos devidos. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. APREENSÃO DE MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. SUSPEITA DE SUBFATURAMENTO. LIBERAÇÃO MEDIANTE TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO.
1. Não se justifica a apreensão de mercadorias sob suspeita de subfaturamento, uma vez que não constitui hipótese de aplicação da pena de perdimento, mas infração administrativa, sujeita à pena de multa, podendo eventual diferença de tributo ser objeto de lançamento suplementar.
2. (…)
(TRF4ªR, AGR/AI. Nº 2003.04.01.018222-7/PR – Rel. Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares – 2ª Turma – DJU 09.07.2003, p. 269)
Portanto, incabível a decretação da pena de perdimento.
Entretanto, resta analisar se o valor apurado pela Receita Federal o foi de forma adequada, caso em que não há falar em instauração do procedimento de valoração aduaneira, conforme argumenta a autora.
Valoração aduaneira
Afastada a hipótese de fraude por reconhecimento judicial, entendo que não é necessária a instauração do procedimento de valoração aduaneira, principalmente considerando o fato de que a autora, mesmo tendo oportunidade neste feito, não produziu qualquer prova que pudesse descaracterizar o valor encontrado pela Receita Federal.
Com efeito, devidamente intimada para especificar provas, a autora quedou-se inerte, nada requerendo.
Ademais, a fatura comercial nº 202449, datada de 09.07.2004, emitida por Marilyn Moore Studio Ltd, Inglaterra, a favor do cliente Boutique Daslu/By Brazil Trading Ltda, encontrada na carga, que relacionava a maior parte da quantidade/modelo/tamanho dos cardigans, indica preços de venda coerentes com o preço de mercado e com aquele apurado pela Inspetoria da Receita Federal.
Entendo que o fato de a Inspetoria da Receita Federal ter utilizado valores que obteve por pesquisa feita via internet não traduz qualquer ilegalidade, pois, modernamente, é uma meio hábil para as tratativas comerciais, que, inclusive, agiliza o procedimento, tornado a prestação do serviço público mais ágil e eficiente. Assim, a fiscalização não deixou de observar os dispositivos legais e regulamentares que permitem desconsiderar o valor da transação, especialmente o art. 88, da MP n.º 2.158-35/2001.
Despesas de retenção e lucros cessantes
A autora requer a condenação da União ao pagamento de todas as despesas provenientes da retenção e apreensão das mercadorias, enquanto perdurou a restrição, bem como ao pagamento de lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença.
Entendo que tais pedidos não podem ser acolhidos, uma vez que efetivamente ficou demonstrado o subfaturamento, tendo sido nesta sentença afastada apenas a falsidade documental. Isso significa que as mercadorias ficariam retidas da mesma forma, porém por outro motivo que não ensejaria a pena de perdimento. Conforme exposto acima, somente seriam liberadas depois de concluído o procedimento de valoração aduaneira, mediante pagamento da diferenças dos tributos incidentes sobre a importação, ou mediante prestação de garantia. Assim, incabível a condenação da União na forma requerida.
Destino do depósito
Considerando que as mercadorias já foram entregues à autora em razão de liminar concedida na Ação Cautelar nº 2005.70.00.023809-0, que já deve ter dado destinação irreversível a elas, a anulação parcial do auto de infração por ausência de falsidade não exclui a possibilidade de aplicação das multas devidas e de lançamento suplementar dos tributos devidos na importação. Assim, após o trânsito em julgado, do valor depositado em juízo deverá ser deduzida a quantia referente às multas incidentes, conforme exposto na fundamentação, bem como a diferença de tributos.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, para o fim de anular parcialmente o Auto de Infração nº 0915200/00005/05 e o Processo Administrativo nº 17515.000031/2005-86, e declarar a nulidade da aplicação da pena de perdimento com base no art. 105, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66, e art. 618, inc. VI, do Decreto nº 4.543/2002, mantendo-se, assim, o valor aduaneiro apurado pela Inspetoria da Receita Federal, ressalvando-se a aplicação de multas previstas na legislação e o lançamento suplementar dos tributos devidos em razão da diferença de preços apurada.
Conseqüentemente, tendo em vista que as mercadorias já foram entregues à autora, após o trânsito em julgado, do valor depositado em juízo deverá ser deduzida a quantia referente às multas e à diferença de tributos.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, as partes arcarão com as custas processuais na proporção de 50% e com os honorários advocatícios de seus procuradores.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.
P.R.I.
Curitiba, 30 de junho de 2006.
Vera Lucia Feil Ponciano
Juíza Federal
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