Relação de amizade não se confunde com relação de trabalho
26 de janeiro de 2006, 17h11
Amigo da família que presta auxílio eventual na loja dos conhecidos não é subordinado e por isso a relação não pode ser caracterizada como de trabalho. Com este entendimento, o juiz substituto Flávio Antônio Camargo Laet, da 1ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP), negou pedido de Clemair Ribeiro para ter reconhecido seu vínculo de emprego com a loja Vounalú.
Clemair ingressou com ação na Justiça pedindo vínculo empregatício, anotação em carteira de trabalho e verbas decorrentes do contrato de trabalho. Para isso, sustentou que trabalhou na loja dos amigos como balconista por dois anos.
A proprietária da loja contestou, afirmando que Clemair era amiga intima da família e que jamais existiu uma relação de emprego entre as partes. Além disso, a autora da ação morava na casa da dona da loja. Fotos juntadas no processo confirmaram os argumentos.
Assim, o juiz negou o pedido da trabalhadora. “Sabendo-se que sua irmã laborava na loja ao lado, e que a reclamante morava com D. Maria, comparecendo diariamente para levar refeições para tal pessoa, é natural e até mesmo compreensível que vez ou outra pudesse ter auxiliado em algumas horas ou em algum dia. Todavia, tal fato não tem o condão de transformar a relação que existia entre as partes em uma relação de trabalho subordinado, onde um manda e o outro apenas obedece”, entendeu.
Processo 3110.0471-2001
Leia a íntegra da decisão
Processo: 311004712001
Origem: 1 ª Vara do Trabalho de Guarulhos/SP
Reclamante(s): Clemair Ribeiro
Reclamada(s): Loja Vounalú Ltda – ME
Juiz(a) Prolator(a): Flávio Antônio Camargo de Laet
Indexação: vínculo empregatício; anotação CTPS; reintegração; saldo salarial; aviso prévio; 13º salários, férias; terço constitucional, FGTS; multa de 40% do FGTS; multa do art. 467; multa do art. 477; horas extras; seguro desemprego; honorários advocatícios, inépcia
Data de Prolação 21/02/2002
TERMO DE AUDIÊNCIA
Processo n.º 471/01
Aos vinte e um (21) dias do mês de fevereiro do ano dois mil e dois, às 16:40 horas, na sala de audiências desta Egrégia Vara do Trabalho, sob a presidência do MMº Juiz do Trabalho, Exmo. Sr. Dr. FLÁVIO ANTONIO CAMARGO DE LAET, foram, por ordem do MMº Juiz, apregoados os litigantes:
RECLAMANTE: Clemair Ribeiro
RECLAMADA: Loja Vounalú Ltda – ME
Ausentes as partes.
Prejudicada a nova tentativa de conciliação.
Submetido o processo a julgamento, passou o Juízo proferir a seguinte
S E N T E N Ç A
CLEMAIR RIBEIRO, qualificado(a) nos autos, ajuizou a presente reclamatória trabalhista em face de LOJA VOUNALÚ LTDA – ME, também qualificado(a), afirmando ter sido admitido(a) em 09/08/99, para exercer as funções de balconista, percebendo como último salário a quantia de R$280,00, desligando-se em 13/01/2001. Postulou o reconhecimento de vínculo empregatício e a respectiva anotação do contrato de trabalho em sua CTPS, reintegração com salários vencidos e vincendos; saldo salarial, aviso prévio, 13º salários, férias acrescidas do terço constitucional, FGTS acrescido da multa de 40%, multa do art. 467, Multa do § 8º do art. 477, horas extras e reflexos, seguro desemprego, e honorários advocatícios. Em decorrência do não pagamento das verbas a que tinha direito, do despedimento injusto e de todos os demais fatos narrados em inicial, pleiteou as verbas supramencionadas atribuindo à causa o valor de R$10.000,00. Inicial acompanhada de procuração e documentos.
Infrutífera a conciliação, defendeu-se a reclamada argüindo, preliminarmente, inépcia. No mérito, contestou os pedidos aduzindo, em síntese, que jamais existiu relação de emprego entre as partes, já que a recte era amiga íntima da família. No mais, refutou integralmente todos os pedidos, pugnando, por fim, pela improcedência da reclamatória. Defesa acompanhada de procuração e documentos.
Em audiência inaugural a recte desistiu do pedido de reintegração e indenização da estabilidade.
Réplica às fls. 60/67.
Tréplica à fls.68.
Durante a audiência em prosseguimento foram colhidos apenas os depoimentos das testemunhas presentes.
Não havendo outras provas a serem produzidas, deu-se por encerrada a instrução processual.
Razões finais remissivas pela recte, e escritas pela recda à fls.71/72.
Rejeitada nova proposta conciliatória.
É o relatório. Ante o exposto,
D E C I D E – S E
I – Preliminares
Inépcia
Quanto a incompatibilidade dos pedidos, a questão ficou superada diante da desistência da reintegração, manifestada em audiência inaugural.
No mais, o equívoco na indicação dos períodos trabalhados não leva à inépcia, mas a rejeição dos pedidos.
Afasta-se a preliminar.
II – Mérito
Natureza da relação jurídica
Alega a recte ter trabalhado como balconista, cumprindo jornada de segunda a sábado, com salário de R$280,00 mensais.
A recda nega veementemente o vínculo de emprego, argumentando que havia amizade muito íntima entre as partes.
De acordo com os depoimentos colhidos em audiência, podemos ver que as testemunhas da recte confirmaram a prestação dos serviços, inclusive com uso de camiseta com nome da loja. A testemunha Zélia disse que comparecia à loja, duas ou três vezes ao mês, por volta das 12:00/13:00, sendo sempre atendida pela recte.
A testemunha Zuleide disse freqüentar a loja, duas ou três vezes pode semana, algumas vezes encontrando com a recte na porta da loja ou na loja ao lado, da mãe da recda. Acrescentou, ainda, dizendo que nunca viu a recte fazendo vendas, já que na loja trabalhavam a recda e filha + uma vendedora.
Por fim, a última testemunha teceu maiores detalhes sobre os fatos, afirmando não ter visto a testemunha Zélia na loja, mas que a testemunha Zuleide comparecia semanalmente, 2 ou 3 vezes. Disse, também, que havia uma relação familiar entre as partes, já que a recte morava com a cunhada da recda, D.Maria, acrescentando que a recte não trabalhava na loja, comparecendo apenas por volta das 12:00/13:00, quando levava almoço para mencionada D.Maria, onde permanecia conversando com sua irmã que trabalhava na loja ao lado, da Mãe de D. Maria. Ao final, disse que na loja trabalhavam a recda, seu marido, sua filha, e uma vendedora, das 09:00 às 18:00, de segunda a sexta, e até às 13:00 aos sábados.
Da apreciação dos depoimentos, podemos ver que aparentemente ninguém mentiu, informando ao Juízo apenas aquilo que cada um pode presenciar.
Todavia, o melhor dos depoimentos foi o prestado pelo Sr. Ejifleudo, dando informações detalhadas e importantes para o desfecho da demanda. Veja-se que tal pessoa confirmou o comparecimento da testemunha Zuleide, fortalecendo ainda mais as declarações de referida testemunha. Confirmou, também, que a recte comparecia no mesmo horário declinado pela testemunha da recte, D.Zélia, ou seja, entre 12:00 e 13:00. Por fim, asseverou que havia laços familiares entre as partes, sobretudo porque a recte comparecia diariamente para levar comida para a cunhada da recda, D. Maria, permanecendo conversando com sua irmã, que também trabalhava para a Mãe de tal pessoa na loja ao lado.
Além da prova testemunhal acima avaliada, podemos ver que as fotografias adunadas aos autos com a defesa são muito fortes, comprovando que a relação existente entre as partes era muito estreita, demonstrando o convívio íntimo que desfrutava a recte, comparecendo em festas e compartilhando de espaço reservado apenas a pessoas da família. Note-se, por exemplo, que a fotografia de fls.52 comprova que a retce morava, ou ao menos dormia, na casa de D. Maria, cunhada da recda, já que a fotografia revela um café da manhã.
Fosse pouco, os cartões comemorativos dos dias das Mães também comprovam os sentimentos que unia a recte e a família da recda, incutindo até mesmo uma tristeza e decepção neste Juízo ao ver desmoronar laços de amor tão fortes e sinceros.
Embora a recte também tenha adunado aos autos algumas fotografias da loja onde supostamente teria trabalhado, tais provas não resistem ao confronto com todos os outros elementos existentes nos autos, valorados e sopesados anteriormente pelo Juízo.
Sabendo-se que sua irmão laborava na loja ao lado, e que a recte morava com D. Maria, comparecendo diariamente para levar refeições para tal pessoa, é natural e até mesmo compreensível que vez ou outra pudesse ter auxiliado em algumas horas ou em algum dia. Todavia, tal fato não tem o condão de transformar a relação que existia entre as partes em uma relação de trabalho subordinado, onde um MANDA e o outro apenas OBEDECE.
Assim, e considerando tudo o que dos autos consta, devidamente avaliados e sopesados, não há como se dar guarida às pretensões da autora, restando, pois improcedentes o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e as verbas dele decorrentes.
Honorários advocatícios
Na justiça do trabalho a condenação em honorários de advogado não decorre unicamente da sucumbência, sendo devidos somente quando preenchidos os requisitos do art. 14 da lei 5.584/70; prevalecendo, assim, a orientação estampada nos Enunciados 219 (Enunciado n.º 219 do TST – Honorários advocatícios. Hipótese de cabimento – Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15%, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.) e 319 (Enunciado n.º 329 do TST – Honorários advocatícios. Art. 133 da Constituição da República de 1988 – Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado 219 do Tribunal Superior do Trabalho.) do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
Ausente a assistência sindical, e sucumbente a autora, improcede a verba.
Ante o exposto, e considerando o que mais dos autos consta e o direito aplicável, a 1ª VARA DO TRABALHO DE GUARULHOS/SP decide rejeitar as preliminares de inépcia, para, ao final, julgar IMPROCEDENTE a reclamatória ajuizada por CLEMAIR RIBEIRO em face de LOJA VOUNALÚ LTDA – ME, para, nos termos da fundamentação, ABSOLVER a reclamada dos títulos postulados.
Custas, pelo recte, no importe de R$ 200,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa (R$10.000,00), dispensadas na forma da lei e do provimento GP/CR – 01/02.
Diante dos fatos narrados nos presentes autos, ad cautelam, oficie-se de imediato à DRT a fim de providenciar a fiscalização dos empregados das empresas envolvidas no presente caso.
INTIMEM-SE AS PARTES
FLÁVIO ANTÔNIO CAMARGO DE LAET
JUIZ DO TRABALHO
DIRETOR(A) DE SECRETARIA
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