Justiça não reconhece união estável paralela ao casamento
16 de janeiro de 2006, 12h46
A Justiça consagra a monogamia e não reconhece a manutenção simultânea de relações afetivas. Com esse entendimento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou pedido de reconhecimento de união estável a uma mulher que manteve relação por 24 anos com um homem casado.
O desembargador Luiz Felipe Brasil Santos ressaltou que para a relação ser considerada estável, e assegurar direitos e deveres mútuos, exige-se que não ocorram os impedimentos previstos no artigo 1.521 do Código Civil, que veda a união de pessoas casadas. “Somente se admite o reconhecimento da união estável paralelamente à existência do matrimônio quando a relação conjugal estiver rompida formalmente, uma vez que não houve separação judicial ou o divórcio dos cônjuges”, afirmou.
A mulher declarou que manteve uma “sólida relação” por 24 anos com um homem casado no papel, mas que morava com ela desde 1973 e com quem teve três filhos. Segundo ela, o relacionamento era de conhecimento da outra família do companheiro.
Após a morte do companheiro, ela entrou com ação de anulação de partilha com a alegação de que seus filhos não foram contemplados no inventário e não receberam qualquer quantia do único bem a ser partilhado — um automóvel Ford Escort de 1996. Depois, entrou com uma ação pedindo o reconhecimento da união estável.
O juiz de primeira instância determinou, em um primeiro momento, a restrição da venda do veículo. Mas, depois que julgou improcedente a ação para o reconhecimento de união estável, o juiz decidiu suspender a restrição em relação à transferência do veículo.
A mulher recorreu à segunda instância e obteve êxito parcial. Para o relator da matéria, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, a restrição da venda do veículo diz respeito aos direitos dos herdeiros não contemplados no inventário e o julgamento de reconhecimento da união estável não tem relação com a partilha dos herdeiros.
Por isso, decidiu negar o pedido de reconhecimento da união estável, mas excluiu da sentença a determinação judicial que mandava levantar a restrição da transferência do veículo. O desembargador destacou que os depoimentos e provas testemunhais confirmam um relacionamento paralelo do morto, mas não provam a separação de fato dos casados. O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis votou de acordo com o relator.
A desembargadora Maria Berenice Dias, presidente da 7ª Câmara Cível e revisora do recurso, divergiu do entendimento, mas foi voto vencido. A juíza acredita que, já que o Estado preserva a monogamia como elemento de estrutura da sociedade, quem infringe tal dogma não pode ser favorecido.
“A postura é nitidamente punitiva ao se negar qualquer conseqüência jurídica a um vínculo pelo simples fato de a autora confessar que o companheiro mantinha seu casamento.” A desembargadora ironizou: “Para livrar-se de qualquer obrigação, o melhor para os homens é manterem uniões simultâneas, transformando-se em grandes negócios”.
Discutindo a relação
De acordo com a advogada Adriana Chieco, especialista em Direito de Família, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice, a mulher que vive com um homem casado não tem alguns direitos que são benefícios exclusivos da mulher “oficial”. Isso porque o Código Civil de 2002 estabelece que as relações estáveis só podem ser reconhecidas entre pessoas que não estão impedidas de casar, exceção feita àquelas separadas de fato ou judicialmente.
Mas, lembra a advogada, em recente julgamento da mesma câmara no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, houve o reconhecimento de indenização para uma mulher que viveu 12 anos com um homem casado. No caso, a indenização foi concedida porque foi provado que ela contribuiu para o acréscimo patrimonial do parceiro.
Segundo Adriana Chieco, para evitar o enriquecimento sem causa do homem adúltero, o Tribunal deu a indenização para a mulher. Mas esse entendimento deve ser visto com cautela, segundo a advogada, “sob pena de levar à identificação das relações clandestinas com a união estável”.
Para ela, não se deve ignorar a existência dessas relações, mas as peculiaridades devem ser analisadas para não infringir a lei que atribui direitos diferentes ao casamento e ao companheirismo.
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