Dever de indenizar

Condomínio responde por agressão de morador a funcionário

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21 de fevereiro de 2006, 12h34

O condomínio é responsável por agressão de morador a funcionário do edifício. O entendimento é da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP). Os juízes condenaram o Conjunto Residencial Jardim Dom Nery a reparar um empregado agredido fisicamente quanto estava em serviço. O valor da indenização por dano moral foi fixado em R$ 10 mil. Cabe recurso.

O trabalhador entrou com ação na 6ª Vara do Trabalho de Campinas, alegando ter sofrido danos morais em virtude da agressão. A primeira instância condenou o condomínio a reparar o ex-empregado. O conjunto residencial recorreu com o argumento de que não pode ser responsabilizado pelo ato de um condômino. Por isso, a ação deveria ser ajuizada contra o agressor.

A relatora do recurso, juíza Maria Cecília Fernandes Álvares Leite, frisou que o condomínio não negou que o proprietário tivesse agredido fisicamente um empregado. “O condomínio não pode ser considerado como terceiro, pois é o real empregador do trabalhador e suas responsabilidades são confundidas com as de seus condôminos.”

Processo 00016-2004-093-15-00-7 RO

Leia a íntegra da decisão

ACÓRDÃO Nº

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 00016-2004-093-15-00-7 RO

ORIGEM: 6ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

1º RECORRENTE: CONDOMÍNIO CONJUNTO RESIDENCIAL JARDIM DOM NERY

2º RECORRENTE: MARCOS ROBERTO DO NASCIMENTO

EMENTA:

CONDOMÍNIO – DANO MORAL – AGRESSÃO FÍSICA – ATO PRATICADO POR CONDÔMINO CONTRA EMPREGADO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TODO – POSSIBILIDADE

O condomínio é considerado pessoa jurídica apenas por ficção jurídica, sendo que cada proprietário por ele responde solidariamente, na proporção das suas frações ideais e da área em comum. Assim, diante das peculiaridades na sua constituição, suas responsabilidades são confundidas com as de seus condôminos, pelo que não pode ser considerado terceiro.

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 00016-2004-093-15-00-7 RO

ORIGEM: 6ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

1º RECORRENTE: CONDOMÍNIO CONJUNTO RESIDENCIAL JARDIM DOM NERY

2º RECORRENTE: MARCOS ROBERTO DO NASCIMENTO

Da decisão proferida a fls. 147/148, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, recorreram os litigantes. O reclamado pugnando pela reforma no que toca à sua condenação por danos morais. O autor requereu o deferimento do adicional por acúmulo de funções, assim como da multa convencional e dos honorários advocatícios.

Contra-razões recursais a fls. 168/170 pelo reclamante e a fls. 173/176 pelo reclamado.

Relatados.

VOTO

Aviados a tempo e modo, conheço dos recursos interpostos.

RECURSO DO RECLAMADO

Vigora no nosso ordenamento jurídico a teoria da responsabilidade civil (artigo 186 do CC) que impõe àquele que lesionou outrem a obrigação de indenizá-lo, com o objetivo de restituir as coisas ao estado anterior ou, na sua impossibilidade, ao menos conferir ao lesado uma satisfação pela perda que sofreu.

O dano é, portanto, um pressuposto da responsabilidade civil. Assim, não é possível pleitear-se indenização sem a prova da existência de um prejuízo.

O dano moral, por sua vez, pode ser conceituado como o constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de uma lesão em seu direito personalíssimo, causado ilicitamente por outrem. É aquele que surte efeitos no âmago subjetivo do ser humano, em decorrência de ofensas à sua dignidade e à sua intimidade, causando-lhe profunda dor, tristeza e constrangimento.

Desse modo, pode-se dizer que ao contrário do dano material, o dano moral não afeta bens materiais, nem comercialmente redutíveis a dinheiro, mas é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (intimidade, vida privada, honra e imagem) e que repercute na esfera do meio em que vive.

Nas palavras do MM. Juiz Lorival Ferreira dos Santos “Para a configuração do dano moral é necessário que o ato praticado pelo empregador repercuta na imagem do trabalhador, de modo a lesar-lhe a honra ou atentar contra sua dignidade.”.

Além disso, preceitua o artigo 5º, inciso X da CF a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem da pessoa, sendo assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Por outro lado, prenuncia o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal ser direito do trabalhador urbano e rural o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem exclusão da indenização a que este se obriga, quando incorrer em dolo ou culpa. Adota a norma constitucional, em sua segunda parte, a teoria da responsabilidade subjetiva, ou também conhecida como teoria da culpa, pressupondo a culpa como fundamento da responsabilidade civil.

O Código Civil de 2002 filiou-se à teoria subjetiva, como se verifica da análise do “caput” do seu artigo 927, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos da obrigação de reparar o dano, sendo que o dever de indenizar exige relação de causalidade entre a ação e o dano produzido, bastando a certeza de que sem aquela este não teria lugar, independente do grau de culpa do agente.

Desse modo, para que haja a compensação do dano causado, necessário que estejam presentes os seguintes requisitos: ação ou omissão; culpa ou dolo; relação de causalidade e a subsistência do dano (emocional, sentimental) experimentado pela vítima quando da exigibilidade da reparação.

Nesse sentido, consoante Maurício Godinho Delgado, é necessário, para sua caracterização e compensação, que estejam presentes os seguintes critérios orientadores:

a) no tocante ao ato ofensivo em si: sua natureza (se é um tipo civil apenas, ou ao contrário, um tipo pena, por exemplo; a forma como se deu o ato, etc.); sua gravidade (a natureza já induz à conclusão sobre a gravidade, embora esta possa derivar também de outros fatores, como, por exemplo, a permanência no tempo dos efeitos da ofensa); o tipo de bem jurídico tutelado que a ofensa atinge (honra, intimidade, vida privada, por exemplo);

b) no tocante à relação com a comunidade: a repercussão do ato (seja quanto à intensidade da repercussão – profunda, leve, etc. – seja quanto à sua abrangência: larga, restrita, etc.);

c) no tocante à pessoa do ofendido: a intensidade de seu sofrimento ou desgaste; a posição familiar; comunitária ou política do ofendido; seu nível de escolaridade;

d) no tocante à pessoa do ofensor: sua posição socioeconômica (tratando-se de empregador pessoa física, evidentemente deve-se tomar também em consideração os aspectos os aspectos individuais do ofensor); a ocorrência (ou não) de práticas reiteradas de ofensas da mesma natureza e gravidade; a intensidade do dolo e culpa do praticante do ato ou por ele responsável;

e) a existência (ou não) de retratação espontânea e cabal pelo ofensor e a extensão da reparação alcançada por esse meio pelo ofendido. Registre-se, a propósito, que o Código de Telecomunicações considera que a “retratação do ofensor, em juízo ou fora dele, não excluirá a responsabilidade pela reparação”; aduz, contudo, que essa retratação será tida como “atenuante na aplicação da pena de reparação” (art. 85 e parágrafo único, Lei n. 4.117/62).

A esse conjunto de critérios deve ser acionado outro relevante, que se dirige à construção do valor indenizatório. Trata-se de:

f) arbitramento da indenização deve construir-se pelo cotejo dos critérios enunciados (alíneas “a” até “e” citadas), mediante o pleno exercício das qualidades judicantes (sensatez, equanimidade, isenção, imparcialidade), atentando-se ainda para o seguinte: o montante arbitrado não produza enriquecimento ou empobrecimento sem causa das recíprocas partes; não perca esse montante a harmonia com a noção de proporcionalidade, seja por deixar de compensar adequadamente o mal sofrido, seja por agregar ganhos financeiros superiores a uma compensação razoável pertinente.”

(Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 604)

Releva-se, ainda, como se exprime Maria Celina Bodin de Moraes ( “O princípio da solidariedade”, in: Os princípios da Constituição de 1988, pg. 177 , obra: Direito Estado e Sociedade, n.º 15, 1999): “ como o advento da constitucionalização do direito civil aponta para o reconhecimento da vulnerabilidade da pessoa humana, o ordenamento jurídico jamais cumpriria seu objetivo se não levasse em conta o modo como a pessoa se relaciona no ambiente social”.

No caso, o reclamado não nega que um condômino agrediu fisicamente o reclamante, apenas alegando que não possui qualquer responsabilidade pelos atos de seus moradores.

A questão, pois, é saber se o condomínio responde por atos praticados por seus proprietários.

O condomínio edilício, quer seja horizontal, quer seja vertical, é formado por dois elementos: a unidade autônoma e a área comum. A primeira corresponde a qualquer tipo de unidade habitacional (apartamento, casa, flat) ou profissional (escritório, sala), sendo o seu elemento principal e de propriedade exclusiva. A segunda (hall de entrada, portaria, jardins, escadas, elevadores, salão de festas, piscina, corredores etc), é acessório da primeira, sendo considerada como objeto de co-propriedade, onde cada condômino tem uma fração ideal da área comum, de acordo com sua unidade autônoma. Esses elementos, por sua vez, são indivisíveis, não podem ser alienados separadamente, porquanto agregados um ao outro, ou melhor explicitando, há o fracionamento de um empreendimento, originando-se imóveis singulares e distintos mas que obrigatoriamente estão vinculados à partes de uso e propriedade comum de todos os proprietários das unidades autônomas.

Além disso, é considerado pessoa jurídica – adquirente de direitos e obrigações – por ficção jurídica, mas cada proprietário por ele responde, solidariamente, na proporção das suas frações ideais, inclusive quanto à área comum.

Assim, na hipótese aqui vertente, o reclamado não pode ser considerado como terceiro, pois é o real empregador do reclamante. E diante das peculiaridades na sua constituição, suas responsabilidades são confundidas com as de seus condôminos.

Desse modo, irretocável a decisão de origem que, reconhecendo a existência de dano moral – haja vista que o autor foi agredido fisicamente quando estava no serviço de suas funções -, condenou o reclamado no pagamento da indenização e, tendo o juízo de primeiro grau bem atendido os critérios para arbitramento da indenização, mantenho o valor da condenação arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de compensação moral.

RECURSO DO RECLAMANTE

Pugna o autor pelo deferimento do adicional de acúmulo de função, alegando, para tanto, que, além de exercer a função de porteiro, também se ativava na segurança da reclamada, realizando rondas de vigilância pelas áreas comuns do condomínio.

Entretanto, não prospera o seu inconformismo.

Isso porque o porteiro tem responsabilidade por tudo o que acontece no seu turno de trabalho, porquanto é ele quem controla a entrada e saída de pessoas e a abertura e o fechamento de portões. Assim, ao contrário do que alega, a vigilância do patrimônio, com realização de rondas, não pode ser considerada como função diversa, mas sim é inerente às atividades de portaria, cumprindo esclarecer, ainda, que a própria convenção coletiva da categoria profissional não faz distinção entre porteiros e vigias

Assim, correta a decisão de origem que julgou improcedente o pedido de adicional por acúmulo de funções, assim como o de multa convencional, porquanto de natureza acessória, já que tinha como causa de pedir o descumprimento de norma coletiva referente ao adicional em questão.

Relativamente à verba honorária advocatícia, não reconheço a aplicação do princípio da sucumbência na Justiça do Trabalho, por inexistente cominação expressa. Condicionam-se os honorários advocatícios à satisfação dos requisitos contidos na Lei nº 5.584/70. Deste modo, não se achando, no presente feito, atendidas essas exigências, não há que se falar em honorários advocatícios. Aplicação dos Enunciados 219 e 329 do C. TST.

Diante do exposto, conhecendo dos recursos interpostos, nego-lhes provimento, nos termos da fundamentação, mantendo-se na íntegra a decisão de origem.

MARIA CECÍLIA FERNANDES ALVARES LEITE

Juíza Relatora

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